Comeu cada pedaço com avidez, guiado pela gula e pelo instinto de sobrevivência. Dava algumas poucas mastigadas no bolo acalentado e engolia sem muito esforço, fazendo u, som grave com a garganta. Os primeiros pedaços queimaram sua língua seu palato, mas ele não se importou. Passou um garfo sobre um punhado de carne amontoado em uma beira do prato, as últimas testemunhas do massacre gastronômico, e devorou seu conteúdo em seguida.
Espreguiçou-se, esticando os braços e as pernas. Levantou-se e bebeu uma porção generosa de água na torneira, refrescando seus lábios rachados, sua boca e até seu estômago. Deu-se por satisfeito. Lavou a sujeira dos pratos e da mesa, depois deixou a cozinha, voltando para a sala e sentando-se diante do computador.
Passou o restante da noite olhando para a tela em uma tentativa cada vez mais desesperada de encontrar a palavra perdida, o arcano que lhe revelaria o conhecimento oculto naqueles registros virtuais. Tinha a nítida impressão de que ali estavam registradas as respostas para tudo o que passara nos últimos meses, toda a explicação para o que havia sido apagado de sua mente. Ao termo de algumas horas, estava suado e suas unhas estavam roídas, mas o guardião digital mantinha-se inabalável.
Foi até a estante, procurando por livros e nos livros respostas. Havia uma prateleira apenas com publicações de sua autoria, edições pagas com seu próprio dinheiro e que continham o nome de uma editora controversa. Em cada um deles, expunha suas teorias, analisava obras pouco ortodoxas ou discorria sobre fatos históricos, indicando onde suas ideias se encaixavam, montando um quebra cabeças que, aparentemente, tinha importância somente para si.
"A Humanidade consegue dar importância à coisas absurdamente desnecessárias, enquanto negligência a busca pela verdade" ele pensou, desconsolado. Um homem com sua visão, relegado às estantes de exoterismo nas livrarias era, na prática, uma maldição.
Além de suas próprias publicações, havia centenas de livros que usara como referência. Havia espaços vazios e cada um deles era uma lacuna em sua mente. Não se recordava dos nomes, dos assuntos ou dos autores. Procurou por um catálogo, mas não encontrou. Sabia que tinha uma cópia no computador, o que lhe deixou ainda mais frustrado. Estava tarde, mas não sentia sono. Sua cabeça, porém, latejava ainda mais.
Começou um trabalho minucioso, pegou cada um dos livros e percorreu todas as páginas, em busca de anotações, de papeis deixados ali dentro, bilhetes, sinais de alerta. Em algum lugar, deveria haver o código de acesso ao computador.
Em determinado momento, foi até a escrivaninha em busca de um caderno ou algo em que pudesse anotar toda aquela informação. Entre papeis e envelopes, encontrou sua agenda telefônica e teve uma ideia.
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O Homem de seus Sonhos (2017)
Ficción GeneralEm 2010, eu escrevi dois contos para uma antologia em homenagem a Lovecraft, a qual infelizmente acabou não sendo publicada. Após sete anos, reescrevi o primeiro deles, desta vez sem o limite de caracteres exigido pela editora.