Avel

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21 de setembro de 2066 - 01h

- Alvo identificado!

Minha comunicação com a central de inteligência é rápida, pois ela é rápida, pelo menos mais do que eu.

- Vamos bloquear todos os acessos do alvo, prossiga na perseguição - escuto dentro da minha cabeça.

Vejo que ela corre em direção a alguns prédios, preciso interceptá-la antes que ela saia da cidade e vá para o subúrbio, onde sei que encontrá-la novamente será como procurar uma agulha no palheiro, apesar dos rastreadores que colocaram em seu corpo.

No subúrbio de Browns a criminalidade faz uso de interceptores de comunicação avançados e que prejudicam qualquer tipo de rastreamento, mesmo os de última geração.

O mundo mudou, mas os hackers não, continuam ferrando com o trabalho da gente - comento irritada comigo mesma.

- A troca precisa ser realizada até as 10h - me lembra a central.

Como se eu precisasse ser lembrada...

Eu sabia dos termos da missão, parecia ser simples a princípio, mas não contava com as habilidades do alvo.

- O que acontece se eu falhar? - me recordo do questionamento que fiz ao meu empregador antes de assumir o serviço.

- Muito simples - disse o sujeito sorrindo, que se chamava Alex - Você morre! Só precisamos de uma de vocês.

Essa lembrança acelerou meus instintos e aumentei a velocidade da minha corrida, apesar de já estar ofegante.

Não podia alertá-la e por tudo a perder.

Imaginei que mesmo ela, sabendo ou não que estava sendo caçada, teria que em algum momento parar para descansar ou se alimentar.

A missão era uma troca, como se fosse um eletrodoméstico de uma loja, nada mais que isso. No caso a melhor comparação, uma mais exata, seria como se eu fosse um tipo de upgrade para uma versão mais moderna.

Eu só aceitei o serviço pois fiquei intrigada com o convite e o pagamento era tentador.

- Por que estão me oferecendo esse trabalho, não tenho experiência alguma neste ramo e, segundo me contaram, ela é perigosa.

- Veja você mesma, Avel...

Alex me empurrou um transmissor de imagens e pude ver a semelhança na mesma hora. O alvo era idêntico a mim.

Tínhamos a mesma altura, provavelmente o peso era semelhante, mesmo tom de cabelo castanho escuro, cor da pele e do verde dos olhos, seria impossível não pensar que éramos irmãs gêmeas, a não ser por um detalhe, eu não tinha mãe...

Fui trazida ao mundo pelos modernos meios de inseminação artificial, totalmente gerada numa encubadora de laboratório. Se seguirmos as premissas básicas da reprodução dos seres vivos do planeta Terra, eu não poderia ser considerada humana, eu nem deveria existir...

Só que eu existia e perseguia alguém que poderia ter o mesmo DNA que eu, dada a semelhança. E quem sabe até antes de matá-la eu pudesse descobrir algo mais a seu respeito - imaginei de forma tentadora.

Até um dia antes eu tocava a minha vida dentro da mesma rotina, um namoro aqui e ali, estudos de aperfeiçoamento, academia, um trabalho comum numa central de comunicações online, tudo que uma jovem de 21 anos deseja da vida.

Só que a ganância falou mais alto...

Isso era mentira e eu sabia muito bem disso. Me pegaram como mosca no mel por que eu sempre levei uma vida isolada, sem amigos, família, ninguém com quem compartilhar um sentimento afetivo mais próximo.

E na hora em que me vi no alvo, antes de saber que eu tinha que destruí-la e tomar o seu lugar, tive a esperança de poder, pela primeira vez na vida, me relacionar com alguém que mesmo não tendo nenhum parentesco comigo, ilusoriamente parecia ser alguém que faria parte da minha família, caso eu tivesse tido uma...

E não ter tido uma família, não ter aprendido a amar, conviver de forma harmoniosa com outras pessoas, a falta de um pai e uma mãe, creio que tudo isso me deixou fria, tanto que não pensei duas vezes quando fiquei sabendo do objetivo da missão, mesmo nunca tendo matado uma mosca sequer.

- Vão me dar algum tipo de arma? - perguntei para o Alex.

- Não! Você terá que usar as próprias mãos. Não podemos danificar o alvo...

- Você fala dela como se ela fosse um objeto qualquer...

- Ah Avel, sua ingênua, e todos não somos?

Enquanto divagava nas minhas lembranças, percebo que finalmente ela resolveu diminuir o ritmo, o que inconscientemente lhe agradeço.

Estava exausta e se não fosse os treinos que realizava desde meus 10 anos, eu já a teria perdido de vista.

Uma nave de patrulha voa baixo pela cidade e parece que isso a incomodou, pois está parando.

- Alvo entrou por uma janela no prédio da 22 com a 13 - informo a central.

A resposta vem imediatamente.

- Acesso lateral liberado. Estamos com o alvo no sensor.

Dou uma diminuída no ritmo até passar para uma caminhada rápida e os músculos das minhas pernas agradecem.

Em menos de 30 segundos eu já estou colada na porta. Estendo a palma da minha mão sobre uma ranhura e tenho acesso a um leitor ótico.

Arrasto o dispositivo para a altura da minha cabeça e deixo a luz vermelha penetrar em meus olhos.

- Doutora Avel, seja bem-vinda - uma voz robótica salta de algum ponto do dispositivo para dentro da minha cabeça.

A porta se abre e eu respiro profundamente antes de entrar para finalmente realizar a troca.

Quase AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora