Liris

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21 de setembro de 2066 - 7h30

Eu ouvi tudo que meu reflexo tinha pra falar por quase meia hora.

Não a interrompi, deixei que ela desse todos os detalhes do seu trabalho contratado.

Tive certeza que ela não me contou tudo, faltava uma peça em todo aquele quebra-cabeça, mas mesmo assim resolvi libertá-la, só que me deparei com um problema.

Havia planejado prendê-la e consegui com perfeição, tirando o vacilo que quase me custou todo o plano, agora eu não sabia o que fazer para abrir a porta.

- E aí, meu tempo está acabando, vai me soltar ou não?

- Eu gostaria, mas não sei como...

- Me passa essa barra de metal que você acertou minha cabeça.

Quebrei o vidro do visor com um golpe e empurrei a barra para dentro.

Ela o pegou e com ele destruiu a tranca da janela e em pouco tempo saia para a parte externa.

Veio rápida na minha direção e percebeu que eu empunhava a arma que havia retirado do cofre.

- Vá com calma Avel que ainda não terminamos, fique aí mesmo, numa distância segura.

- Eu já lhe disse tudo que eu sei...

- Mentira! Ainda falta algo, eu sei. E agora que está sentindo o gosto da liberdade novamente, quem sabe não queira colaborar comigo e terminamos isso de uma vez por todas.

Ela tentou dar mais um passo para frente, mas eu levantei a arma na direção do seu peito.

- Por favor, fique onde está!

- Doutora, eu já lhe contei tudo. Como fizeram contato comigo, o valor do contrato, o prazo, os porquês, onde eu ia lhe encontrar...

- Faltou somente o detalhe principal...

- E qual seria ele Liris?

Eu tive que rir, era óbvio demais.

- Você deixou claro que veio trocar de lugar comigo. Algo deu errado, pois era para eu estar presa ainda no laboratório, mas por algum motivo que desconheço, consegui escapar e você me perseguiu até aqui, então tenho duas perguntas que deve responder rápido, pois seu tempo está acabando...

- Fale de uma vez!

- Primeiro eu quero saber por que me deixaram escapar, pois sei que foi isso que aconteceu.

Avel tentou dar um passo rápido à frente, mas disparei com a arma elétrica na sua perna direita e ela tombou, soltando um urro que mesclava ódio e dor.

Quando se recompôs e me encarou eu sabia que ela queria me matar.

- Já me respondeu a segunda pergunta! Está claro que vai ter que me eliminar para realizar a troca, é isto que está tentando desde o início, só preciso saber o que vai garantir que realizou essa troca com êxito para o seu contratante.

Desta vez Avel respondeu rápido, como se não tivesse mais nada a perder.

- Você tem um chip central de memória, onde está armazenado todo o seu conhecimento.

- Todo o meu conhecimento?

- Sim, como se fosse um backup da sua vida toda. Preciso deste chip para atualizar o que foi implantado em mim e assim somar o meu conhecimento com o seu.

- E pra isso você tem que me matar...

Avel ficou calada e com a cabeça abaixada.

- Fale de uma vez, preciso ouvir da sua boca...

- Sim! - berrou ela e eu vi que de alguma forma Avel estava triste por ter que confirmar aquilo - Na hora que eu retirar o seu chip você vai parar de funcionar Liris.

- Então eu sou um tipo de máquina?

- Eu sinto muito em lhe dizer isso, mas você não era. Foram eles que a transformaram num ser autômato e parece que para concluir todo o processo, você precisava ainda se sentir viva, lutar pela sua vida.

- É por isso que facilitaram a sua fuga do laboratório, para que eu a pudesse perseguir e eliminar, roubando os seus dados.

Fiquei chocada com o que Avel me disse, pois aquilo não fazia sentido.

Se agora eu era uma máquina por que é que eu tinha tanta vontade de chorar? Por que eu sentia uma dor tão grande dentro de mim?

Percebi que meus olhos marejavam e vi que ela se encontrava na mesma situação e mais uma sensação humana tomou conta de mim.

Senti pena dela... Ou um tipo de amor, não sei dizer...

- Tenho mais duas perguntas antes de tomar uma decisão: por que você aceitou esse trabalho e quem é o responsável por esta tecnologia desumana que implantaram em mim?

Por mais estranho que possa parecer, vi que Avel ria e chorava ao mesmo tempo, antes de me responder.

- Essas perguntas são fáceis - disse enquanto as lágrimas limpavam o pó do seu rosto bonito, o meu rosto - Elas têm uma só resposta.

Quando Avel me contou o restante do que eu precisava saber, fui tomada por uma fúria e desejei, talvez pela primeira vez na minha existência, matar alguém.

Concluí que ela estava sendo sincera, agora tudo fazia sentido e levei algum tempo antes de chegar numa conclusão.

No fim, pedi que Avel se levantasse, não podia fazer isso com ela sentada, seria errado.

Apontei a arma na direção da sua cabeça e antes de prosseguir, quis demonstrar a minha gratidão.

- Espero que acredite em mim Avel, quando digo que gostei de lhe conhecer...

Quase AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora