- Maria! – Gritou Mario do balcão da livraria. – Preciso de você aqui.
- Já vou. – Respondeu descendo as escadas apressadamente, indo a seu encontro conforme pedira. Enquanto a sola de seu desgastado all star tocava os degraus da escada, Maria sentia que o caminho duplicara-se diante da necessidade de seu pai de tê-la por perto e desejou poder ser bem mais rápida do que vinha sendo. Uma qualidade que - ela supôs - ser bem vista e aproveitada por ambos.
Sábado e domingo eram os dias em que ela trabalhava com seu pai, e já estava quase na hora de ser liberada. Como vocês podem notar, ela não ia mais à igreja – o que era de suma importância pra eles antes do falecimento da mãe. Igreja era um assunto mais que sério para toda sua família. A tradição sempre foi mais respeitada que sua própria devoção a Deus. E pode ter certeza que se a devoção fosse prioridade, ela não teria aberto mão dEle por eventuais compromissos. Não estou dizendo que ir à igreja o torna fiel, crente, estou dizendo que por mais que as circunstancias não fossem boas, abandonar Deus não estaria em uma de suas opções. Mas não vamos tratar de religião a princípio.
Logo que terminara seu trabalho, Clara caminhou até o banheiro e trocou sua blusa preta, que tinha o nome da livraria, e colocou uma regata branca florida pra ir ao shopping com sua amiga. Era mais que notável a pressa que ela estava quando passou correndo por seu pai, dando tempo apenas de tocar seu ombro em sinal de despedida.
Sair após o trabalho era comum, porém nem sempre era pra seu próprio prazer. Muita das vezes era em prol da necessidade dos outros; ir à escola para dar aulas de reforço para dois tipos de alunos, os que se dedicavam e buscavam cada vez mais o aprendizado e os que precisavam fazer recuperação no início das férias, que só lhe trazia alegria quando o resultado era positivo. Isso significava que seu desempenho estava bom, e que seu método de ensinar fazia um bom efeito. As duas davam aula como voluntárias. Já haviam terminado o Ensino Médio, e agora faziam apenas cursinho pra Universidade.
Mas no momento atual, Maria se dedicaria a estudar com Lethícia, e mais tarde, se desse tempo elas iriam ao shopping, comprar uns livros e algumas peças de roupas. A maneira com que Clara se vestia, trazia sobre si comentário de mau gosto, e por mais que isso não a agradasse, dar ouvido ao que os outros falavam dela nunca foi seu tipo.
Maria sempre teve em mente que cada um deve se vestir da maneira que achar melhor, e ela tinha ciência que pessoas da moda a chamariam de poluição visual. Desde pequena ela se vestia de forma casual, e como seu pai não sabia muito de moda feminina pra poder ajudá-la nunca disse nada a respeito do seu modo de vestir-se, fazendo com que ela escolhesse as roupas que gostaria de comprar pra seu próprio uso.
Lethícia via que sua amiga não se vestia lá grandes coisas, ou melhor, conforme os padrões atuais, mas ela preferia não se meter em questões alheias. Cada um se vestir da maneira que tem vontade, o torna único. Maria partia do princípio: Se estiver sentindo-se bem, não tem porque se sentir mal com o que achassem dela. Vale acrescentar que nos dias atuais existe uma ideia de assumir as raízes. Mas entende-se que as pessoas assumem o que elas querem, não o que a mídia mostra ou impõe. É cada um com si mesmo, e ninguém com isso.
Chegando a casa de Lethícia, assim que a porta foi aberta pela amiga, Clara arrastou seus velhos tênis no tapete de entrada e deu um breve sorriso, com um ar de saudação. Não fazia tempo que elas se viam, mas é aquela sensação que a maioria das pessoas têm quando vê o melhor amigo; uma sensação de "é sempre bom te ver". Aquela saudadezinha que fica quando vai dormir e tem que esperar até o outro dia pra conversar. É uma sensação gostosa. Uma saudade sem dor. Uma saudade saudável se é que pode ser descrita assim.
Clara entrou, e se sentou no sofá da sala e esperou que Lethícia trouxesse seus cadernos e livros para que as duas pudessem resolver algumas questões para adiantar a matéria.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Em Memória
General FictionComunicação não era lá uma das preferências de Maria Clara. Estabelecer amizades talvez também não. Era na suposta solidão que encontrava alguém de suma importância em sua vida, e com essa pessoa ela vivia e revivia cada lembrança de um passado dist...