Capítulo 8 - Mnemofobia

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Chegando em casa, Maria apenas esvaziou as sacolas que continham os materiais que elas compraram para as aulas. O cansaço batia forte e a noite chegava lentamente. O clima era fresco, mas logo esfriaria. A brisa entrava pela janela da sala agitando as leves cortinas beges. Sentir que estava sozinha era reconfortante e ao mesmo tempo deprimente. A falta de uma boa conversa diária, ou um simples bom dia, atormentava a mente daquela menina que uma vez foi sã.

O banho foi rápido e o deitar também. As luzes quase todas acesas não era um problema para Maria. O sono já estava a porta e o cansaço a pressionava contra a cama.

Eram 5:40 da manhã quando Maria Clara despertou de uma vez só como na noite anterior. O suor escorria pelo seu rosto como se tivesse corrido uma maratona, mas seu coração não palpitava como antes. Palpitava ainda mais, porém nada vinha em sua cabeça, apenas o sentimento de medo e terror antes que o sol nascesse.

A sensação de insegurança é pior que a falsa segurança. Se sentir sozinho no mundo arrancava de seu ser, toda vontade de seguir em frente. Toda vontade de ser alguém. Maria Clara entrava em um estado crítico, onde seus pensamentos eram interrompidos por uma onda de sofrimento e dor que não sabia de onde vinha. A incerteza de um futuro melhor era mais constante que o pensamento de dor na perda de Janete. Estava mais presente que a dor de não ter familiares por perto. Estava mais presente que sua própria vontade de viver.

Com lágrimas nos olhos, Clara viu o dia amanhecer, sentada em sua cama olhando para a janela. Sentiu como se seus olhos não pudesse mais ver por longos minutos. Marejavam a cada lembrança que surgia em sua mente. Lembranças que ela não sabia que sua mente guardou por tanto tempo. Lembranças que para ela, não era dela.

Domingo que sempre fora um dia abençoado, parecia não estar mais sob as mãos divinas. Mario não estava em casa, quando Maria Clara resolveu sair um pouco. Olhar coisas boas e esquecer seus mais recentes pesadelos, tomar um café ou até mesmo visitar uma igreja.

Aquele momento de perturbação martelava sua mente de tal forma, que o medo de dar "bom dia" parecia tomar todo seu corpo. Maria sentia que não podia confiar em ninguém, que não existia uma pessoa boa se quer no mundo.

Olhar as borboletas, ouvir o cantarolar dos pássaros, limpava qualquer mente perturbada pelo passado. Clara caminhava na calçada esperando que algo de bom acontecesse; esperando que sua vida mudasse, e fizesse toda felicidade voltar a seu lar.

Sempre me peguei pensando em uma futura família, com a casa cheia de crianças sentadas à mesa de 6 cadeiras. Todos esperando uns aos outros para fazer a oração antes do jantar, e poderem juntos falaram sobre como o dia havia sido. Mas num piscar de olhos, a realidade me apunhala e me mostra que nem sempre as coisas são como sonhamos.

Se Maria pudesse descrever seu atual sentimento, depois daquela caminhada longa, ela descreveria como vergonha, ou talvez constrangimento. Ela sabia que algo tinha acontecido. Sabia que aquilo tudo não poderia ser apenas um pesadelo. Quando aquelas imagens causaram desesperos, tocaram a sua alma de alguma forma, despertou em sua mente algo que não poderia ser só imaginação, mas realidade.

Eram quase 10hrs quando Maria entrou em casa, trancou a porta e sentou-se no sofá da sala. Aconchegando-se no canto esquerdo do sofá, tirou o calçado e lançou as pernas onde sentou. Pegou o livro que estava em cima da mesa de centro e desfolhou como sinal de curiosidade. O nome do livro era O jardim dos Esquecidos. Maria nunca havia lido aquele livro, mas ela imaginou que seu pai que havia tirado da estante quando mexeu na ultima vez. Leu as primeiras linhas em voz alta e percebeu que aquilo se tratava de uma história não tão boa quanto a sua.

Devolveu o livro à mesa e fechou os olhos tentando descansar um pouco.

- Maria Clara! Acorde!

Com os olhos quase abertos, Maria levantou-se e olhou ao redor, a procura de quem a chamou.

Seu pai estava de pé na porta da sala, a olhando de longe. O olhar dele era meio estranho. Talvez ela que estivesse ainda sonolenta. Coçou o olhos procurando enxergar melhor.

- O que? – Perguntou insatisfatoriamente.

- Já são 2 da tarde! Não tem nem almoço pronto. Qual o seu problema?

Clara arregalou os olhos, pois seu pai não se dirigia a ela assim fazia tempo. Tudo parecia fora do lugar, e um pouco mais esclarecido. Clara sabia que algo havia mudado, mas não sabia se era ele ou ela.

Andou até a cozinha arrastando os pés mostrando que não estava afim de fazer nada. Revirou os olhos assim que passou perto do pai, e ele, sem que ela esperasse, a puxou pelo braço. Encarou-a esperando que ela dissesse algo contra a atitude dele. Sem falar nada, Clara puxou seu braço de volta e continuou a andar só que dessa vez, batendo firme os pés.

A temperatura já estava abaixando quando Maria terminou de fazer a comida. Esperava que seu pai comesse logo antes que esfriasse e tornasse a lhe dar ordens.

- O almoço já está pronto! – Gritou Maria Clara sem demonstrar nenhum interesse em falar.

Seu pai entrou pela cozinha resmungando algo no telefone e assentindo como se tivesse recebendo ordens. Puxou a cadeira da sala de jantar e sentou-se sem sequer lavar as mãos.

- Já lavou as mãos papai? – Clara perguntou num ar debochado servindo seu pai enquanto ele falava ainda ao telefone.

Uma pausa para um comentário. Acha que o pai dela ficou na boa, fingindo que não escutou? Está enganado se acha isso. Ele fez algo bem pior dessa vez, mas ainda não vou contar para não causar espanto logo agora. Continuando...

Mario desligou o telefone deu um breve sorriso para a filha, como se estivesse satisfeito e nada surpreendido pela atitude. Seria seu pai um homem ruim, ou sua mente já estava perturbada por um suposto acontecimento?

Aquela imagem de querido pai parecia ter sido desfeita em um simples olhar. De uma hora para outra perceber uma mudança drástica, fazia com que seus sentimentos de amor, esperança, confiança, desmoronassem ou quebrasse com uma pedrada de realidade, e não saber onde está o erro, é pior que saber e não saber como consertar. É como aquela famosa fobia de baratas. Quando ela some, é muito pior que a ter debaixo dos próprios olhos. 

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