Faltavam apenas alguns dias para as outras se iniciarem na faculdade de Maria Clara. É claro que se fosse pra fora do país demoraria mais, ainda mais que a prova era para o segundo semestre. Era janeiro quando Maria ainda ajudava os alunos a se recuperar. Boa parte era reforço para alunos que fariam dependência.
As aulas na faculdade começariam em fevereiro. Bem no início, e creio que a animação de Maria não era das melhores. Não falei, mas Maria iria cursar literatura, enquanto Lethícia iria para engenharia civil. As duas ganharam bolsa (não do mesmo valor) através de um programa do próprio governo, mas não entraremos nesse mérito.
Era sexta-feira, e já dá pra imaginar que era pra estar todo mundo curtindo na rua, mas não era o caso de Clara, muito menos de Lethícia que ficava com seu irmão sempre que seus pais saíam.
Ao entardecer, podia-se escutar um passarinho que lhe tirava a atenção enquanto escrevia seus relatos no computador. Maria Clara respirava fundo e voltava a escrever assim que sua atenção voltava para o teclado do computador. Enfim o silencio. Sozinha em casa, Maria foi ate o quarto de seu pai novamente em busca de mais informações a respeito da mulher com quem seu pai falava.
Mario sempre foi um cara esperto, e dessa vez, deixara seu quarto vazio quando fora trabalhar. Nada de anotações no bloco de notas em cima da cabeceira, muito menos notebook em cima da cama.
Sexta-feira que costuma ser um dia mais animado se tornara cansativo e silencioso. A noite chegou e o a luz já brilhava minguante. A brisa entrava pela janela da sala quando Maria se sentou no sofá e esperou pacientemente o sono chegar. Podia se ouvir a música alta vindo da casa da esquina que não era tão próxima, e a luz acesa na casa de Lethícia.
Eram 19:45 quando Maria sentiu fome. Ainda estava com o almoço no estômago quando enfim faz o lanche que seria da tarde ao invés de jantar. Pegou um pão e acrescentou um pouco queijo e orégano como gostava de comer, fez um pouco de café e pôs açúcar mesmo sabendo que lhe tiraria o sono. Sentou-se a mesa e comeu.
O silêncio da casa era receptivo aos depressivos e a falta de luz também atraía. Se fosse um pouco mais fria, diria que atrairia aqueles irmãos que resolvem coisas sobrenaturais, mas não é o caso. A casa só não era mais tão alegre como antes, quando Maria e seu pai se divertiam aos fins de tarde.
21:32 foi a hora em que Maria se deitou em sua cama e pediu a Deus um pouco de paz, ou talvez um pouco de esperança. Toda aquela solidão deveria ser desfeita, mas ao mesmo tempo em que ela machucava, ela acariciava sua cabeça lhe mostrando que ali estava bom.
* * *
"Estava escuro, e eu só sentia um peso sobre meu corpo. O calor e o respirar que não era meu. Gotas pingavam sobre mim e eu não conseguia respirar com tanta facilidade. Eu podia sentir meu coração acelerar de tal forma, como se eu tivesse corrido quilômetros e meus braços se mantinham presos não sei onde."
Num só pulo, Maria se levantou da cama ofegante olhando para o relógio que marcava 22:10. A janela estava aberta e o vento frio entrava para dentro de seu quarto fazendo com que seus pelos se arrepiassem.
Clara fechou os olhos na esperança que sua tremura passasse e seu coração voltasse ao ritmo ideal. Por um instante sentiu como se fosse chorar, mas o mesmo tempo sentiu um alívio por ser apenas um sonho.
Deitou-se e esperou que o sono voltasse, mas a agitação em sua mente lhe atordoava de uma maneira que fazia aquilo tudo se tornar real. Maria Clara virava de um lado para o outro em sua cama, sem conseguir se manter quieta por 2 meros minutos. Aquele sonho se tornou mais vivo que o que ela havia vivido no dia anterior. Seu corpo foi coberto de calafrio quando começou a ter lembranças que ela já havia esquecido.
Haviam situações que sua memória já havia feito questão de deixar de lado, mas para ter certeza que se teve momentos bons, precisa-se de momentos ruins para ter com o que comparar.
A vida por mais dura que seja, é um aprendizado diário, onde podemos aprender com nossas próprias escolhas, ou com a dos outros. Saber que não precisamos errar pra ter noção que algo é errado, é essencial. Há aquelas pessoas que realmente preferem errar, mas se você prefere não se jogar de um penhasco porque já viu alguém se jogando de um você está de parabéns. Aprendeu através de outro.
O sábado seria mais agitado que imaginava, a começar com Lethícia batendo na porta da sala às 9 horas da manhã.
- Já estou indo - Falou Clara prendendo seu cabelo em um rabo de cavalo, indo em direção a porta.
- Acordou agora? – Lethícia parecia surpresa em ver a amiga acordando tarde em relação ao de costume.
- Sim, tive uma noite péssima, mas está tudo bem – Respondeu Clara já fechando a porta após Lethícia entrar.
- Eu te chamei umas 3 vezes e você não me ouviu. Pensei até que não estivesse em casa.
- Eu estava deitada ainda. Mas ouvi na segunda chamada, só que estava com preguiça de gritar – Maria deu um sorriso e andou até o banheiro para lavar o rosto.
Lethícia andava juntamente com ela, procurando ser atenciosa com a amiga.
- Eu estava pensando em ir comprar o material pra faculdade. Falta pouco tempo pra começar e eu não queria deixar tudo pra cima da hora. Vamos comigo? – Lethícia falou com um sorriso pidão.
- Agora?
- Sim. Toma só um café e vamos. Não posso voltar muito tarde porque tenho que ajudar minha mãe mais tarde.
Maria assentiu fechando brevemente os olhos.
- O que foi? - Lethícia parecia atenta a todos os movimentos de Maria. Apoiada na porta do banheiro esperou a resposta de Clara.
- Nada, é só dor de cabeça mesmo, mas vai passar depois que eu tomar café. Tenho certeza.
Maria escovou os dentes e procurou uma roupa simples para ir comprar o material. Ela não se sentia muito animada, mas entre ficar em casa lembrando daquilo tudo, e sair com sua amiga, ela preferia a boa companhia da amiga.
É claro que nem sempre a gente vai escolher a melhor opção, mas para o momento aquela era a que mais lhe traria coisas boas. Lethícia sempre foi uma companheira e tanto. Sempre buscou incentivar a amiga a ser melhor e a buscar a melhor maneira de se sentir bem sem ferir o outro.
- Coloca esse short amiga, ele é lindo! – Falou Lethícia segurando o short preto nas mãos.
Maria Clara pegou sem questionar e vestiu sem muito esforço. Vestiu a blusa azul que mais gostava e seus tênis brancos mais antigos.
- Agora só falta o café.
Lethícia sentou-se a mesa e esperou que Maria preparasse o café. Arrumou os pães e pegou uns biscoitos no armário da cozinha.
As duas se sentaram e tomaram café. Comeram e por incrível que pareça, não sorriram como sempre faziam.
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Em Memória
Ficción GeneralComunicação não era lá uma das preferências de Maria Clara. Estabelecer amizades talvez também não. Era na suposta solidão que encontrava alguém de suma importância em sua vida, e com essa pessoa ela vivia e revivia cada lembrança de um passado dist...