Ando pela calçada, desviando das pessoas que andavam com passos rápidos na rua, até o centro da cidade procurando algo que me interessasse, algum lugar para ficar ou simplesmente alguém para conversar, mas este último era impossível, ninguém parava um instante para nada, compras acontecendo em segundos e as pessoas apenas indo embora, esbarrões acontecendo e ninguém pedia desculpas
Fui até à praça principal e sentei na beira do que algum dia já fora uma fonte d'água, fiquei reparando nas pessoas passando pelo centro, consegui ver um carro passando pelo céu, eles não eram muito corriqueiros aqui na parte de baixo do mundo. Alisei o pacote do dep que estava no meu bolso, deslizava ele para os meus dedos imaginando a sensação.
Meus irmãos mais velhos trabalhavam em uma loja que vendia peças de máquinas, mas nem sempre eles vendiam as peças só por dinheiro, as vezes pediam cigarros, álcool ou alguma droga psicodélica. Uma vez eles estavam usando em casa e bem naquele dia minha mãe voltou mais cedo para casa, eu nunca vi minha mãe com tanta raiva, achei que meus irmãos não sair vivos aquele dia.
Rasguei o dep dentro do bolso e o segurei com o meu punho, o calor da minha mão ia fazer ele dissolver e entrar na minha mão, apenas fiquei esperando. Fixei minha visão em uma loja que vendia roupas, ficava vendo as pessoas entrarem na loja, verem uma roupa, digitar o código da roupa no relógio e ir embora da loja.
A loja começou a se fragmentar em minha visão, ela começava a ficar toda triangulada e parecia vibrar como se estivesse dançando. Fitei o céu e pude ver ele saindo do azul e indo para um tom de rosa bebê em poucos segundos, imagens começam a aparecer no fundo rosa e se moverem. Abaixei o meu olhar para as pessoas que andavam de um lado para o outro, elas começaram a dissolver no chão e se misturarem. Senti o relógio apertar meu braço enquanto a minha consciência se retirava do meu corpo e pairava no ar, como se eu estivesse me vendo em 3ª pessoa. O relógio começou a apertar mais o pulso do meu eu sentado, mas mesmo eu fora do meu corpo eu conseguia sentir. Olhei para mim e pude ver o relógio crescendo no meu braço e começando a me envolver, entrando nos meus ouvidos, nariz, olhos e por fim boca.
Toda minha visão ficara escura, não conseguia escutar e nem respirar. Sentia um suave vento percorrendo meu corpo, tento mover meus braços sem sucesso. Apenas deixo minha consciência se esvair totalmente da realidade. Sinto um toque nas minhas costas e tudo treme, um terremoto no meu subconsciente. Todo o breu à minha frente se estilhaça em mil pedaços e na minha frente se encontra a realidade.
Estava tudo escuro, poucas pessoas ainda andavam nas ruas, a lojas continuavam abertas, mas desta vez sem nenhum consumidor. Sinto algo sobre minhas costas e olha para trás, era um homem alto, vestido um uniforme de alguma organização que eu não conhecia.
-Tudo bem garoto? Você parece meio perdido. - Ele me perguntou enquanto um hálito de menta adentrava meu nariz.
-Sim sim, eu moro por aqui, só estava refletindo sobre a vida. - Digo me levantando, sinto o meu corpo pesar sobre os meus pés e a minha visão tremer, o dep ainda fazia um pouco de efeito.
-Quer que eu te leve para casa? - O homem perguntou, pude ler no escuro seu sobrenome, Abel.
-Não precisa, obrigado mesmo. - Digo para ele e tomo o caminho para minha casa.
Vou me esgueirando entre becos, esse horário era perigoso nas ruas, as pessoas costumavam a raptar outras e vender seus órgãos, palavras da minha mãe. Escuto barulhos por onde eu estava e eu me apresso sob o véu da noite. Ao chegar em minha casa vejo que só a luz do meu quarto e de meus irmãos está aceso, minha mãe ainda não deveria ter chegado.
Entro em minha casa e escuto as vozes de meus irmãos no quarto, não só a de Mikel e Jon, mas a dos outros também. Entro no quarto e vejo todos os meus irmãos sentados em círculo ao redor da boneca que agora se encontrava sem sua cabeça presa em seu corpo e sim no colo de Jon. Ao escutarem meus passos no quarto, todos eles olharam para mim.
-Henry... - Mikel tentou se pronunciar.
-Tudo bem Mikel, eu já imaginava algo assim quando deixei vocês sozinhos com a boneca. - Peguei a cabeça do colo de Mikel. - O jeito vai ser desmontar e vender as peças agora.
Todos os meus irmãos estavam calados, principalmente Nike, Rok e Ang, os irmãos mais novos que eram os que mais falavam. Deitei em uma das almofadas que usávamos para domir.
-Eu vou ficar com a cabeça para recordação, o resto do corpo vocês podem desmontar e vender, ou façam o que quiser. - Meus irmãos concordaram com uns sons esquisitos e começaram a pegar ferramentas para desmontar a boneca.
Olhando para o pescoço da cabeça dava para ver que o jeito que ela foi quebrada era anormal, os encaches tinham sido destruídos, eu não acho que eles tinham quebrado a boneca, ela já devia estar toda destruída internamente devido a queda, e além do mais, ela foi descartada, ela devia já estar com algum defeito.
Passo meus dedos nas feições da boneca, a face dela era bela, mas extremamente sem emoção, mesmo quando uma pessoa fica sem expressar nada, você consegue ver uma certa seriedade no rosto, mas na boneca, era simplesmente um rosto de nada, olhos perdidos fitando o nada.
Passo meu dedo sobre sua boca, com uma leve força consigo abrir sua boca, dentes perfeitamente simétricos, uma língua rosada sem marcas. Dava para ver sua garganta um pouco mau construída pois acho que ninguém repararia muito nisso. Mas tinha algo na garganta, uma marca um pouco mais funda. Olho na nuca da boneca e não tinha nenhuma parte com relevo. Enfio meu dedo na garganta da boneca e pressiono meu dedo contra a parte em baixo relevo da garganta, algo estala.
Olho para a face da boneca e nada aconteceu, viro a cabeça dela e pude ver em sua nuca algo saindo, puxo essa coisa até ela sair da nunca da boneca. Ao terminar de puxar pude ver o que era, um chip, um chip idêntico àqueles que todo ser humano continha em sua nuca.
-Galera. - Todo mundo parou de mexer nas peças da boneca e voltaram seus olharem a mim. - Olhem isso.
Levanto o chip e todos concentram seus olhares nele. Levanto e vou até eles, todos eles boquiabertos por causa do chip. Achar um chip era muito difícil, era praticamente impossível, você só conseguia um matando alguém, mas todo mundo queria ter um, pois era só retirar todas as memórias do chip e colocar as suas, assim você teria duas vidas, você poderia estar em dois lugares ao mesmo tempo, era sobrenatural o que um chip poderia fazer.
Jon se levanta e começa a mexer em sua caixa cheia de tralhas, jogando tudo que estava lá dentro para fora.
-Jon, o que você está fazendo? - Mikel pergunta levantando seu pescoço e tentando ver o que Jon fazia.
Jon não respondeu, ele apenas virou toda sua caixa no chão fazendo cair tudo quanto era coisa. Ele pegou algo no meio das coisas que caíram no chão e se voltou para nós.
-Isso. - Ele mostrou o que tinha pego do chão, era um Screener, um aparelho que mostrava tudo que estava dentro de algo, era usado bastante por policiais para conversar com vítimas mortas e desvendar crimes. - É só por esse chip aqui dentro que saberemos de onde ele veio.
Jon passou o Screener para mim, eu giro ele em minhas mãos vendo as várias entradas disponíveis, procurando a de um chip, quando eu achei apenas pus o chip e esperei ele ligar. A tela piscou algumas vezes e apareceu um monte de códigos que eu não conseguia compreender. A tela escureceu, e apareceu um traço verde piscando na tela, e então apareceram palavras na tela.
-Olá, aonde eu estou? Por que está tudo escuro?
VOCÊ ESTÁ LENDO
Code Zero
Science FictionNo século XXVI. O ser humano já colonizou toda o Sistema Solar. A tecnologia se torna a principal ferramenta da humanidade fazendo com que os princípios humanos como vida, morte, deus e "o que há após a vida?" sejam nada mais do que simples palavras...