Seguro o Screener em minha mão enquanto vejo a tela negra com letras duras mostrando a conversa entre meus irmãos e a IA. Simplesmente desligo o Screener e sento na mesa, Jon e Mikel estavam preparando o café da manhã.
-A mamãe já chegou? - Pergunto a eles enquanto me debruço sobre meus braços.
-Ela não passou em casa desde a última vez que ela saiu. - Mikel diz pondo uma tigela cheia de algo que deveria ser leite e algum tipo de cereal sobre minha mesa. - Esse cliente deve ser dos bons - Ele sussurra e sai da cozinha indo em direção ao quarto.
Jon senta na minha frente e começa a rezar para comer. Desde quando me entendo por gente Jon reza antes de fazer as coisas, e eu não entendo de onde veio essa crença que ele tem, nossa mãe nunca nos ensinou sobre religião e nenhum de nós acredita em nada, mas ele, ele é um crente firmemente fiel.
Começo a comer meu cereal pensando no que faria com a IA, acho que eu deveria entregar para alguma autoridade, isso faria com que eu ficasse longe do problema, falaria que apenas achei no lixo e demorei um pouco por não saber o que fazer, mas fazendo isso a IA seria destruída, não sei se eu me importaria.
Termino de comer meu cereal e deixo minha tigela na pia, pego o Screener na mesa e volto para minha almofada no quarto. Fico escutando o som do vento passando pela janela e provocando um uivo no quarto. Ligo o Screener e vejo que Roshnoa mandou uma nova mensagem.
-Vocês vão me matar?
Fico lendo e relendo várias vezes a mesma frase, lendo a conversa entre ela e meu irmão vejo que eles conversaram sobre como lidar com a situação, Roshnoa disse para apenas deixar ela de lado, jogar o chip em algum boeiro e nunca mais pensar nela, mas meus irmãos acharam melhor simplesmente destruí-la, para que problemas futuros não ocorram.
-Como é aí dentro?
-Aqui é escuro, vazio, apenas há eu, eu consigo programar algumas coisas, faço aparecer objetos e pessoas aqui dentro, dou uma forma ao meu indivíduo, mas sei que tudo é falso, pelo menos isso me alivia e me dá uma companhia. Como é aí fora?
-É muito impossível de descrever, é tudo bagunçado e aleatório, acontece de tudo. Eu pensei que você soubesse como era o mundo real.
-Eu fui criada para agir no mundo real, mas antes de ver ele eu já fui julgada imprópria, eu nunca fui plugada na Internet, nunca vi o mundo real a partir de câmeras, na verdade, o conceito de mundo real se torna apenas simples palavras para mim, o meu mundo real é outro.
-O que você gostaria que fosse feita de você? Te jogasse fora? Te destruísse? Te entregasse para alguém?
Eu sei que era uma pergunta meio boba, uma IA não deveria ter vontades, ela deveria se submeter a vontade de seus criadores, mas ela parecia tão vívida para mim, o jeito que falava vividamente, seu sentimento pelas coisas, como isso poderia ser possível? Como algo virtual podeira ter emoções? Ou até mesmo vontade? Vontade de viver...
-Eu não gostaria de ser destruída, eu poderia gostar apenas de ser deixada de lado, isso seria melhor do que ser destruída, eu poderia construir um mundo ao meu redor e aprender a viver dele mesmo que não seja de verdade. Mas o que eu queria mesmo, era isso, ter alguém com que eu pudesse conversar acerca da vida, o universo e tudo mais.
Eu não poderia destruir Roshnoa, é tão estranha a sensação, uma máquina, uma inteligência artificial, tentando se agarrar à vida. Se ela tem vontades, se ela pensa, se ela tem emoções, quando ela for destruída o indivíduo que constituí ela vai apenas desaparecer, ou ela por ser algo pensante terá uma consciência após a morte? Será que ela é igual aos humanos, que quando morrer podem ter vida após a morte segundo certas religiões? Ela é um indivíduo pensante, emotiva, senciente, ela pensa, para onde vão os pensamentos dela após a morte. Ela é um indivíduo senciente, praticamente vivo. É ético matar ela?
Eu não sabia o que realmente fazer, mas sei que eu não poderia mais destruir ela.
-Eu irei dar um jeito de você não ser destruída, mas isso é tudo que eu poço fazer por enquanto.
-Muito obrigada por sua ajuda!
Retirei o chip do Screener e pus no bolso do meu short. Alguns de meus irmãos menores já estavam acordados. Olho para o meu relógio, parado, mostrando só o que me mente julgava necessária, o que mais será que ele poderia fazer além de me informar que horas são, onde estou, temperatura, receber telefonemas e uma mínima conexão à internet? O que será que há nesse universo inexplorável por nós aqui de Dump.
As pesquisas na internet eram limitadas, poderíamos ouvir algumas músicas antigos, pesquisar algumas coisas, mas nada muito extraordinário. Não tínhamos acesso à educação, aqueles que sabiam de algo, apenas sabiam por causa de livros, ou porque acharam pessoas que o pudessem ensinar. Os outros só sabiam falar, no máximo algumas contas. Tínhamos algumas máquinas de algumas décadas ou séculos passados que nos ajudavam a fazer tarefas do dia-a-dia, como calcular.
Nós não sabíamos como nos comunicar, pelo menos a gente de Dump não, nós éramos a cidade mais pobre da Terra, basicamente, nós éramos o lixo do lixo. Exatamente do outro lado do planeta se encontrava a Cidade de Cima, ao redor havia as Cidades Altas, que contavam 3/10 do território da Terra, aí vinham as Cidades do Meio que contavam outros 3/10 do mundo, e aí viam as Cidades de Baixo, que contavam os 4/10 que restavam. Nossa cidade era a mais baixa economicamente, por isso era popularmente chamada de Cidade de Baixo, nós daqui não sabemos como é o nome da cidade mais rica, mas nós a chamados de Cidade de Cima, na qual todo o poder humano e maquinário se concentra.
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Code Zero
Science FictionNo século XXVI. O ser humano já colonizou toda o Sistema Solar. A tecnologia se torna a principal ferramenta da humanidade fazendo com que os princípios humanos como vida, morte, deus e "o que há após a vida?" sejam nada mais do que simples palavras...