P r ó l o g o

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"Sobre o que a gente têm um acordo subentendido que ninguém fala?" -Sigmund Freud

Eu sempre fui uma garota muito romântica.

Vocês sabem, tudo na vida tem início, meio e fim, é a lógica das coisas. Acho que o meu calvário, de alguma forma, começou bem cedo, quando eu tinha por volta de oito anos e era uma criança boba, ingênua e sonhadora, que vivia no mundo da lua. Provavelmente perdida nos encantos da Terra do Nunca.

Meus passatempos favoritos eram, além de brincar de boneca com a minha prima, assistir com ela os filmes mais melosos de princesa que existiam, e acreditava piamente que o amor era aquilo que eu via na tela de uma porcaria de televisão de vinte e nove polegadas.

Para mim, a paixão entre um homem e uma mulher era a coisa mais pura e perfeita que existia, e deveria durar pela eternidade, sem interrupções, sem sombras de momentos ruins, com direito a passarinhos cantando, tapetes mágicos e florestas encantadas. A parte da maçã envenenada eu simplesmente ignorava.

Uma criança tem o direito de sonhar, não é mesmo? E o meu maior sonho era achar o meu príncipe, me casar com ele e ser feliz para sempre. Um sonho tão aparentemente inocente como esse não deveria dar errado, mas deu. Terrivelmente errado.

Então eu cresci, me apaixonei, e idealizei um homem comum como se ele fosse um maldito príncipe encantado. Aquele com o qual eu sempre sonhara.

Infelizmente, assim como diz a música; o mundo, de fato, é um moinho. E ele faz questão de triturar nossos sonhos também, juntamente com todas as outras coisas boas.

O resultado catastrófico disso tudo foi que eu matei o meu marido.

Sim, eu matei o meu marido e não me arrependo.

Nunca imaginei que seria capaz de fazer o que fiz, mas circunstâncias extremas nos fazem descobrir um lado diferente nosso. Um lado obscuro, sombrio, que fica preso e enterrado nos confins do inconsciente, e raramente deixamos escapar, porque é frio e assustador demais. E sabem o que é mais assustador nisso tudo? Ele é real.

Dolorosamente real.

Esse é aquele pedacinho da gente que não ousamos revelar nem a nós mesmos, muito menos ao mundo. Mas gostamos de manter uma máscara de sensatez e sobriedade, porque precisamos disso para um funcionamento harmônico da sociedade.

Essa sou eu, bem lá no fundo, e não preciso esconder mais. Nem mesmo me sinto culpada por não sentir culpa.

Mas confesso que tenho pavor quando penso em como serão as coisas daqui pra frente sem ele. Meu marido sempre foi a muleta na qual eu me apoiava, e paradoxalmente, também foi a ferida que me fez necessitar de apoio.

Dizem que quem canta seus males espanta, espero que isso funcione para a escrita também, talvez eu consiga exorcizar alguns demônios enquanto escrevo esse livro, e encontre alguma paz que há muito tempo já perdi. Cada palavra nesta obra é um grito de desespero que precisa ser dado, antes que eu enlouqueça de uma vez. Se é que já não enlouqueci.

Passo a passo, dia após dia, eu vou chegando mais perto da beira do abismo, do fundo do poço. Ou qualquer outra analogia idiota que as pessoas costumam usar para se referir à uma tristeza profunda e avassaladora.

Mentira, não existe nenhum abismo que possa corresponder a esse sentimento.

Já experimentou, alguma vez, ficar só com os seus próprios pensamentos? Já experimentou dançar com a sua consciência, martelando dentro da sua maldita cabeça?

Te garanto que não é nem um pouco prazeroso. Mas, pelo menos, essas últimas semanas atrás das grades de ferro me serviram para eu refletir sobre cada perverso momento que eu passei ao lado do meu marido.

Agora é uma questão de necessidade concretizar todos esses pensamentos de alguma maneira, e foi essa a que eu escolhi. Sempre me dei muito bem com a palavra escrita.

Para qualquer um que ousar prosseguir com essa difícil leitura, eu desejo que você tenha o estômago forte. Um pouquinho de compaixão e empatia também serão bem vindas.

Mãe, eu espero que você leia isso e seja capaz de me perdoar um dia. Espero que volte a me enxergar como a sua filha e consiga olhar nos meus olhos novamente, apesar do que eu fiz. E veja, no fundo da minha retina, a sua menina. Eu estou escrevendo pra você, principalmente; e pro mundo também, para que todos compreendam os meus motivos.

Para que todos saibam quem foi Bernardo Machado quando as portas e as janelas de casa se fechavam.

Um Dia Meu Príncipe ViráOnde histórias criam vida. Descubra agora