"He senses something,call it desperation"
Abri os olhos.
Sinceramente,ainda não sabia como eu conseguia realizar esse ato.E,falando sério,eu realmente queria não poder fazer isso.O mundo onde eu vivia era um lugar tão horrível que abrir os olhos era uma tortura.Principalmente agora.
Caminhei lentamente até o refeitório com todos olhando para mim,como de costume.Acho que a vantagem de ser o mais novo em um Internato para jovens infratores era que todos tinham medo do que eu seria capaz de fazer."Ai,meu Deus,ele assassinou os pais","Com apenas 17 anos,dá para acreditar?","Foi aquele ali que matou os próprios pais a sangue frio?".Mas,do mesmo jeito que era uma vantagem,era também uma desvantagem.Todos tinham medo de mim,ninguém nem ao menos se aproximava para trocar algumas palavras.Isso deveria me deixar aborrecido,mas me deixava mais irritado ainda.Mas,com o tempo,aprendi a me acostumar.Aprendi a me acostumar com a raiva,aprendi a me acostumar que as pessoas julgam qualquer um.Metade daquelas pessoas me criticando e me temendo?Elas não sabiam nada além do que ouviam.Não sabiam a real história por trás de tudo aquilo,não sabiam como eu me sentia.Mas eu não tinha nem a chance de me explicar,então aprendi a me acostumar.
O refeitório estava calmo.Silencioso.As pessoas jogavam conversa fora,falavam sobre nada,coisas sem sentido...Fui me sentar,me perguntando o que ainda fazíamos ali.Estávamos em guerra,pelo amor de Deus !Qual era a lógica de ainda nos manter presos?Não,claro que não.Eles não podem nos soltar.Não podem nos deixar fugir para ao menos tentar salvar a própria vida.Não.Eles tiveram que nos transferir para mais longe ainda,com nada além de àgua ao nosso redor.Um oceano infinito.
Não sei se ficava feliz por estar a salvo da guerra,ou triste porque vou passar a via nesse lugar.
-Vai quebrar o copo - ouvi Louis dizer,seguido de uma risada.Me virei,mas ele se sentou ao meu lado antes,e tirar o copo de vidro das minhas mãos.Só agora percebi que o apertava com muita força - Estressada,donzela?
-Cala a boca - disse,e ri.
Louis era a unica pessoa daquele internato que não tinha medo de mim.E isso,é claro,intrigava as outras pessoas.Por algum motivo,elas ficavam incomodadas em relação a isso.Riam,olhavam torto,faziam piadas...Quer dizer,por que eles não calam a boca e cuidam da própria vida?É irritante.
-Sério,por que está estressado ? - ele voltou a perguntar.
Louis sorriu torto e,automaticamente,eu sorri também.Me senti um pouco envergonhado quando percebi que estava olhando pra ele com um sorriso estúpido na cara.
-Nada - respondi,me levantando - Podemos sair daqui?Eles estão me incomodando.
Me referi às pessoas nos olhando,claro.Louis riu e se levantou,tentando adotar uma pose ameaçadora - o que não deu muito certo,pois ele tinha apenas seus 1,75 de altura e era mais magro do que a maioria.Não era exatamente o que se poderia chamar de "ameaçador".
-A vida de vocês é tão entediante assim que precisam cuidar das nossas!?Por que não vão matar alguém ou roubar algo?Pelo amor de Deus - gritou.
-Uau.Que medo - ironizei.
Ele me mostrou a língua e me empurrou até o corredor.Depois de vários empurrões,finalmente chegamos ao nosso quarto.Me joguei na cama.Louis se sentou ao meu lado.
-Estressado por causa da guerra? - perguntou.
-É claro - exclamei - Por que eles simplesmente não nos deixam ir?Ou nós morremos e não sobraria mais ladrões e assassinos no mundo,ou o mundo acaba e não sobraria mais ninguém para matar e nada para roubar.É tão simples.
Louis riu.
-Não é tão simples assim.Você precisa ficar a salvo.Nós precisamos ficar a salvo.E esse é o unico lugar que pode nos dar segurança.
-Não vejo nada de seguro em estar preso em uma ilha no meio do mar,longe da civilização humana decente.
Louis começou a gargalhar.Sorri ao ouvir sua risada.Ele se aproximou e bagunçou meu cabelo.
Olhei para o outro lado da sala e meu coração parou.Eu não conseguia me ver,mas tinha quase certeza de que estava branco como a parede.Percebi que estava tremendo,não conseguia engolir a saliva,e suava frio.
Lá estava ela de novo.A mulher alta com a blusa branca manchada de sangue.Seu cabelo ainda caía graciosamente sobre os ombros.Mas eu estava preocupado demais com sua expressão pálida e morta e o sangue em sua blusa para me preocupar com seu cabelo.
"Mãe",pensei.Eu teria gritado,mas não conseguia abrir a boca.Toda vez que isso acontecia eu não conseguia falar,ou me mexer.
-Mãe? - ela disse - Você me considera sua mãe?Não se faz isso com a própria mãe !
Olhei um pouco mais para o lado e um homem de terno,também com uma mancha de sangue na camisa de baixo,apareceu.
-Ela tem razão - disse o homem com a sua voz rouca e pesada.
Meu coração estava acelerado,meu pulmão não trabalhava normalmente.
-Por quê você fez isso !? - minha mãe gritou,se jogando no chão e bagunçando o cabelo.
-Monstro ! - meu pai gritava,abraçando minha mãe no chão - Monstro !
-Eu não...Eu... - gaguejei.
-Harry?Está tudo bem? - ouvi Louis,e me virei para ele.
Mas,ao em vez de sentir alivio,senti mis desespero.Seus olhos estavam inchados,e sua roupa também estava manchada de sangue.Toda ela.Dos três,Louis era o que mais sangrava.
-Louis... - sussurrei,e caí no chão.
Louis olhou para a própria barriga,aparentemente acabando de perceber que sangrava,e soltou um grito.
-O que você fez !? - gritou ainda mais alto,tentando parar o sangramento - Monstro !
-Eu não...Louis...
-Por que fez isso !?
As lágrimas começaram a rolar,e eu não pude conter os gritos.Os três se aproximavam,gritando ofenças e tocando em mim.Em poucos segundos eu estava todo sujo de sangue também.As expressões de desespero deles,os gritos,a surpresa...Eu não aguentava aquilo.
-Parem ! - gritei o mais alto que pude - Pelo amor de Deus,parem !
Eles começaram a falar mais alto.Griar cada vez mais.Juntei os joelhos na barriga e tampei os ouvido,gritando e chorando mais do que deveria.
De repente,tudo parou.Os gritos pararam,o desespero sumiu,e a dor tomou conta.Meu pescoço queimava,eu não aguentava a dor.Quando tudo finalmente tomou forma,se dissolveu de novo,e o preto dominou minha visão.
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Utopia
RomanceNesse exato momento há 6,470,818,671 de pessoas no mundo. Algumas estão correndo de medo, outras estão voltando para casa. Algumas mentem para conseguir passar o dia, outras estão simplesmente enfrentando a verdade. Alguns são homens maus que luta...