CAPÍTULO 5

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Na central do disque-denúncia, serviço de atendimento policial para chamadas envolvendo crimes, um dos atendentes registrou no computador um contato ‘duvidoso’:

A SENHORA X, CÓDIGO DE CHAMADA 0010, DECLARA TER PRESENCIADO PESSOAS MORDENDO OUTRAS PESSOAS NO PESCOÇO NA ÁREA DO CAIS DO PORTO. UMA DAS PESSOAS MORDIDAS MORREU NO LOCAL EM DECORRÊNCIA DE MUITA PERDA DE SANGUE.

    O atendente não se conteve ao finalizar aquele registro que mais parecia saído de uma história em quadrinhos de terror. Der­ramou-se em gargalhadas incontroláveis.

    Os colegas de trabalho queriam saber por que tantos dentes à mostra do vizinho, que teve dificuldades até para falar por causa da crise de riso.

    Não conseguia controlar a boca, lembrava o Coringa, inimigo de Batman.               

    Distante daquele ambiente de segurança pública e, nas bancas de jornal, no dia seguinte à denúncia de ataques de dentes em pescoços, muitas amanheceram abarrotadas de curiosos, que se aglomeravam para comprar e entender, na imprensa sensaciona­lista, quais os significados das gargantas perfuradas por um ma­níaco à solta na cidade.

    O Foco News, tabloide sensacionalista, havia conseguido soltar aquela notícia-bomba que desagradava em muito os con­correntes.

    Em letras negritadas, em caixa-alta, com imagens de caninos de monstros, que foram desenhados pelo departamento de arte do jornal, os leitores respondiam com filas e mais filas para a aquisição do material de primeira qualidade aos maníacos por notícias escandalosas.

    Um monstro terrível atacava os cidadãos da cidade maravi­lhosa.

    Uma multidão ávida pela história muito real de terror na ci­dade, até pior que bala perdida de confrontos entre traficantes e polícia.

    A única explicação, mais lógica para aquele fenômeno ins­tantâneo de vendas, o editor Carneiro Júnior, proprietário do Foco News, sabia dizer na ponta língua: “O leitor quer histórias boas. O sucesso do meu jornal é contar histórias boas. O meu jornal, ao invés de virar embrulho de peixe, vai pra estante dos nossos leitores. O meu jornal faz história”       

    Na redação do jornal O Estado, o editor Arlindo se queixava pela absurda invasão do Foco News em setores do jornalismo investigativo de primeiro padrão. O desgraçado do Foco News acha que é quem para estampar uma notícia na capa como se fosse o dono do Rio de Janeiro. Ah, ele vai perder. A minha equipe de jornalistas tem mais talento para fazer reportagens excelentes. Que isso? Que falta de respeito um jornal sensacio­nalista se meter onde não foi chamado. Jornalismo investigativo é o do meu jornal. O Foco News entende muito de escândalos de artistas.  

    Quando o editor-chefe estava nervoso, os subordinados logo compreendiam pelas expressões faciais (trêmulas) no aquário, sala com paredes de vidro da chefia, que tinha visão privilegiada dos funcionários na parte baixa da redação. O aquário também tremia com os solavancos do editor, que estava um pouco acima do peso.   

    Arlindo buscava manter-se na liderança de veículos impressos de comunicação. Dirigia um negócio lucrativo havia mais de trinta anos, desde que herdara do pai, também jornalista, o jornal com tradição de mais de cinquenta anos na família.

    Não será um popularesco Foco News com nenhuma tradição familiar a me derrotar na minha cidade maravilhosa. Passou-lhe a mão no celular e ligou para Lisa. Nela eu confio cega­mente. Essa jornalista está no caminho certo da liderança do meu jornal.

    Lisa havia tomado conhecimento da notícia-bomba do Foco News, que desaparecera das bancas em menos de três horas de distribuição. Mas restavam as edições on-line, novo recurso da imprensa, que se beneficia da Internet.

    O telefonema de Arlindo, para cobrar uma reportagem que superasse a concorrência de jornais, que plantavam notícias es­quisitas e maquiadas de investigações sérias, não surpreendera Lisa que havia imaginado tal repercussão.

    Ela sabia com que tipo de chefe lidava: um tipo gangorra (cai para o lado mais adequado à sobrevivência e, neste caso, a do jornal).

    “Lisa, nem discorrerei sobre o assunto que perturbou a reda­ção na manhã de hoje. Serei direto”

    “Sim, Arlindo”

    “O seu trabalho é finalizar rápido aquela reportagem sobre as mortes no cais do porto. Um terrorista internacional vive lá e o Rio de Janeiro corre muito perigo. O que você tem de apuração sobre isso?”

    “Alguns dados”

    “Compile esses dados com rapidez. Eu quero fazer umas chamadas de capa com especialistas em guerras. Os especialistas vão explicar quais seriam as consequências para os cariocas se o Cristo Redentor fosse alvo de homens-bomba no fim de semana próximo”

    Meu Deus, o Arlindo enlouqueceu. Passou dos limites. Ele quer comparar o Brasil aos Estados Unidos na questão da guerra com Bin Laden, pensava Lisa.

    O Foco News havia despertado Ulisses Sardenha, caçador de vampiros, hospedado num apartamento alugado para cavalheiros solteiros na Lapa.

    A leitura de periódicos, na Internet, facilitava pesquisas rápi­das para ganho de tempo com as atividades de caça a seres es­tranhos à realidade humana.

    Ele descendia de uma família de caçadores de demônios. Na Europa, os antepassados fizeram fortuna com reis que patroci­navam cavaleiros inspirados na peleja da luz com as trevas.

    Não deixaria que no Brasil, País sem tradição de caçadores de vampiros, houvesse a proliferação de demônios.

    Pelas coordenadas, no programa de computador, que havia sido desenvolvido para detalhar as ocorrências de supostas mortes por assassinatos de mortais para mortais, a notícia – dez mortos (moradores de rua) com perfurações nos pescoços –, era muito sintomática ao questionamento matemático da espécie de não-humanos entre os cariocas. O cruzamento de informações, em números que podiam ser estatística esquematizada no com­putador, geraria resultados justificáveis a uma caçada pelos vampiros no Rio de Janeiro.

    A informática permitira avanços extraordinários para núcleos familiares que se dedicam estudar culturas milenares.

    Ulisses, com o lado visionário de seu saudoso pai (que mor­rera sem ter realizado um sonho: fundar uma escola que for­masse caçadores de vampiros) desenvolvera softwares capazes de analisar o comportamento dos seres humanos nas mais diver­sas fases do tempo, desde que houvesse uma narrativa que am­bientasse onde foram as incursões de cada indivíduo, como se um mapa genético das ações más ou boas ficasse disperso e dis­ponível para uma matemática que unisse essas etapas da vida.

    A informática, naquilo que os vampiros não temiam por ela estar distante do sentimento das religiões, para Ulisses seria a desgraça dos demônios, embora Julieta também se servisse de uma estratégia parecida e elaborada por cientistas a serviço de Antônio, autoridade no Vaticano. 

    Na central de disque-denúncia, os atendentes não passaram mais mal pelo excesso de gargalhadas ao estilo Coringa. Havia uma verdade que a imprensa explorara, apontando problemas reais que afligiam moradores de rua, na zona portuária.

    Um assassino ou grupo de extermínio exigia a limpeza das ruas. Notícia antiga e repaginada, de acordo com as classifica­ções dos jornais, que se valiam do sensacionalismo ou não para atrair leitores.

    Julieta comunicou o fato das mortes de dez mendigos, muito estranhas pela maneira que os corpos foram achados, para bispo Antônio via-chat.

    O Vaticano, imediatamente, ordenou que a missão continu­asse porque havia muitas verdades inconvenientes no Rio de Janeiro. Aborto de forma alguma. 

    Ulisses concluiu que os vampiros haviam agido por impulsos extremamente nocivos à própria espécie, matando dez mendigos sem desaparecer com os cadáveres. Ou seria uma ordem de um vampiro-rei para que os humanos ficassem confusos acredi­tando na versão da imprensa? 

Santuários do Vampiro - volume IOnde histórias criam vida. Descubra agora