continuação

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G1 — E não era pra se prostituir?
Ana Lúcia— Não, era só para trabalhar mesmo.

G1 — E você em algum momento chegou a dizer: “Não, eu não quero fazer”?
Ana Lúcia Chegamos. Todo mundo chega falando isso.

G1 — E aí?
Ana Lúcia— Eles dizem: “Não, agora você vai ter que pagar o que me deve”. “E quanto eu lhe devo”. “Você me deve R$ 1,5 mil de passagem, R$ 1 mil pra entrar no país, cabelo, roupa, você me deve muita coisa. Quando você me pagar tudo o que me deve, eu te mando de volta pro teu país”. Mentira, né?! Porque você nunca consegue pagar a dívida com eles. Porque a dívida sempre está aumenta cada vez mais. E a gente quase não comia. A gente comia quando fugia, normalmente na sexta-feira.

G1 — Pra onde?
Ana Lúcia Pra lanchonete que era na beira da praia.

G1 — E vocês não procuraram a polícia?
Ana Lúcia— Não, porque a gente fugia, mas eles sabiam onde a gente estava. Por isso a Kelly foi morta. Os seguranças seguiam a gente.

G1 — E eles ameaçavam?
Ana Lúcia— Ameaçavam. Diziam que se a gente saísse de lá, do lucro que estava dando pra eles, eles vinham para o Brasil matar nossa família, matar nossos filhos. E falavam que tinham endereço, que tinha foto, que sabia onde eles estudavam, como eles viviam. E realmente sabiam de tudo, porque a menina frequentou a nossa casa.  Saía com a gente, comia e bebia. Eles sabiam tudo. E você vai arriscar?

G1 — Como foi a primeira experiência sua?
Ana Lúcia— Foi horrível. Num primeiro momento, você sentada ali exposta no sofá, chega um homem que você nunca viu na vida, fala assim: “É essa”. Aí te pega, te leva lá pra dentro do quarto, tem relação sexual contigo e depois sai com você e paga. Você se sente uma mercadoria. Depois é exposta a outro traficante, a um policial, é exposta a isso tudo. Você não tem querer. O teu querer é o deles. É chato, é ruim, você chora, esperneia, mas não adianta. Você tenta fugir. Tentamos fugir várias vezes, mas não conseguimos.

Muitas meninas morreram lá. É uma máfia"

Ana Lúcia

G1 — Como?
Ana Lúcia— A gente tentava, porque a gente saía, né?! A gente não sabia que estava sendo seguida, estava sendo seguida por dois carros. Foi quando eles botaram o carro na frente e atrás, e “sai”, “sai”, “sai”, botaram a gente dentro do carro e levaram de volta pro abrigo. Então eles foram ameaçando a gente o tempo todo, que sumiam do país, que nossa família não ia mais saber da gente. E realmente isso acontece muito. Muitas meninas morreram lá, estão presas desde a minha época e nunca mais conseguiram sair do país. É uma máfia, uma máfia russa, uma máfia muito perigosa. Aí não tentamos mais fugir.

G1 — Mas a Kelly tentou?
Ana Lúcia— A Kelly achou o passaporte dela. Aí a primeira coisa que ela fez foi ir lá na Eliá falar. “Ana Lúcia, achei o meu passaporte. Agora a gente vai fugir e vai no consulado com meu passaporte”. Tava tudo certo. Aí fomos ao restaurante, na danceteria, foram muitas meninas lá. Só que ela deixou uma das meninas brasileiras, que foram na nossa frente, saber. Aí a menina entregou ela, disse que ela tinha achado o passaporte e que ia fugir comigo, que a gente ia ao consulado e que não ia mais voltar. Falou tudo.

G1 — A acharam a Kelly?
Ana Lúcia— Aí foram caçar ela. Aí acharam a gente, mas a gente não estava mais em Tel Aviv, estava em outra cidade. Por que eles acharam? Porque o pessoal que seguiu a gente avisou onde que nós estávamos. Foi quando pegaram ela, já era de manhã, pegaram ela, botaram dentro do carro e levaram ela. Aí a gente não soube mais dela. Pegaram a gente e na boate a Célia me chamou e perguntou onde a gente estava. Eu falei pra ela. Ela disse: “Pois é, porque a Kelly usou tanta droga, que ela morreu”. “Como ela morreu, se ela estava com a gente até agora?”. “Ah, ela morreu, acharam o corpo dela na rua, de overdose”. No outro dia, chegaram e falaram que a Kelly tava internada no hospital, que tinha achado o corpo dela na rua. A gente não podia falar com o Brasil, a Kelly no hospital, morta, praticamente. O coração batia, mas não tinha mais cérebro, né. Espancaram, bateram muito nela. E aplicaram uma heroína na veia e foi direto para o cérebro dela. E ali o cérebro morreu logo, né. O coração dela ainda batia, por isso levaram para o hospital. Enrolaram o corpo dela em um lençol com o passaporte, com passagem, com tudo. Jogaram ela no meio da rua. Assim eu soube depois que cheguei no Brasil.

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