Prólogo

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01.12.2017

Quando abri a porta de manhã, pronta a sair de casa, a minha mãe, dona Filomena, dona de si, de mim e de tudo e mais alguma coisa aqui de casa, gritou-me para chegar a horas. Claro, basicamente isso quer dizer "Mal saias da escola, vem para casa. Não tenhas vida para além disso. Não fortaleças amizades. Não fiques mais cinco minutos para ver o rapaz que gostas sair pelo outro pavilhão. Tu fazes o que eu digo, porque a mãe sou eu e eu mando em ti e tu como filha não te atrevas a desautorizar-me".

Sim, eu sei que ela nem sempre faz questão de me lembrar o que pensa em relação à minha insignificância, mas eu sempre lembrar-me-ei da importância que a minha mãe me dá.

Recebi o teste de história. Não me contive de tão contente. A professora felicitou-me. O aroma do seu perfume que permanecera no ar quando se afastou de mim, me fez respirar fundo. Ela andava sempre com aquele ventinho cheiroso em seus movimentos delicados.

Disse que se sentia orgulhosa. Quatro de nós tínhamos tido nota máxima e eu senti-me a milhas do chão, por fazer parte desses quatro elementos. É aquela sensação de que a gravidade deixou de existir e tu estás a flutuar um pouco a cima da tua cadeira!

A Diana fez-me um sorriso. Ela não teve nota máxima, mas também teve bons resultados. Então quando saímos para o intervalo de almoço, ela ligou para a mãe dela, por entre pulos de alegria e anunciou os seus resultados. Ouvi a voz da mãe dela dando urros do outro lado.

É claro que não valia a pena ligar para a minha mãe a dar a notícia. Ela ficaria chateada por estar no trabalho e se mandasse SMS, ela nem sequer ía ler. Já estou habituada.

Sem me aperceber, a dor de dentes que andava a dar cabo da minha capacidade de raciocínio, passou. O paracetamol tinha feito resultado, para variar. Ao menos isso. Já me sentia mais leve.

Cheguei a casa após um dia cheio de aulas e me deparei com um apartamento vazio. Porque é que ela me obrigava a vir directa da escola, se ela nem sequer estava em casa?

Mandei a mochila para cima da mesa da cozinha e fiz a revisão diária que fazia sempre. Com o feitio da minha mãe, não conseguiria ficar duas horas a estudar sem parar nos dias anteriores ao teste, então o truque era mesmo este, todos os dias me dedicar a revisar o que dera na escola nesse dia e depois no dia do teste que fosse o que tinha de ser. Até agora este método tinha sido prefeito. Nem por isso a minha mãe me felicita. Para ela, ter boas notas é uma obrigação. Como se toda a gente conseguisse atingir boas notas no décimo primeiro ano a todas as matérias. Ou como se lá por ser uma "obrigação" minha, estudar, não merecesse incentivo, motivação e até elogios.

Elogios, os massageadores de ego, como eu gosto de lhes chamar. Fizeram-me falta uma vida inteira.

Amanhã vou passar o dia com o meu pai. Como sempre, não me sinto lá muito entusiasmada. Não que ele me trate mal, mas não me sinto à vontade com ele. A namorada dele, Camila, tenta parecer a minha melhor amiga e eu não quero ser ou parecer mázinha, mas soa-me tanto a falsidade que não consigo entrar na boa onda dela. Ninguém é assim tão... afável. Ou talvez seja eu que estou demasiado habituada à apatia da minha mãe, sobre tudo que diz respeito à minha pessoa. Talvez não consiga perceber que realmente existem pessoas que se diferenciam da minha mãe e que dão alguma importância aos meus sentimentos. Ainda assim, será mesmo o caso de Camila?

Acabei de ouvir o trinco da porta. Já chegou a minha carcereira apática. Deve estar com mais um dos namorados dela. Tenho que reduzir-me ao silêncio se for o caso. No outro dia, troquei o nome do Zé, por Carlos e deu a maior confusão. Pensei realmente que a minha mãe (ou minha barriga de aluguel) me fosse encher de porrada quando o Zé se foi embora. Porque raio é que eu tenho que decorar os nomes? Ela anda sempre com mais do que um ao mesmo tempo e isso confunde-me por completo. Mas ela nunca se confunde, faz segredo de tudo e então é demasiado arriscado eu dizer à frente de um deles "Já fui ao supermercado, trouxe o arroz, como você pediu". Porquê? Porque quando vou a saber, ela disse que ela mesma não pôde atender o telemóvel (*celular), porque estava na caixa do supermercado a ser atendida. Ficava bem complicado saber o que dizer à frente dos namorados dela. Embora ela ande com mais do que um ao mesmo tempo, facilitaria-me bastante a vida se não mentisse tanto, mas a senhora dona Filomena, parece que mente tanto quanto respira.

Ó não. Lá vem ela! Até que estava a demorar...

Eu já sabia. Lá vou eu fazer o jantar. Não que não goste de o fazer, mas ela está ao telemóvel, para não variar, falando a alguém que está preparando o jantar.

É preciso ter muita lata! É por isso que a minha avó diz-me sempre que lá vou a casa dela "Tens que ajudar mais a tua mãe". Ajudar mais? Só mesmo se lhe der banho.

Eu vou...

Este foi o último desabafo que Violeta Santos escreveu no seu diário antes de morrer. Numa sexta-feira ao cair da noite, dia 1 de dezembro de 2017.

Caso Violeta (Andamento)Onde histórias criam vida. Descubra agora