Capítulo 6 - Quarto Escuro

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Um quarto escuro de um rico hotel era o cenário da cena. Sombras e luzes oscilantes dos aparelhos eletrônicos em stand-by dançavam nas paredes. Ao longe, ouvia-se um latido e uma sirene se afastando, além dos roncos dos motores que se dissolvem naturalmente no ar. No amplo quarto uma música soava, era uma balada, uma mulher cantava baixinho qualquer letra dramática acompanhada de uma melodia repetitiva. Na cama, os lençóis cor de champanhe escorriam como montanhas líquidas sobre a pele e pêlos eriçados do corpo do homem. Estava deitado de braços abertos, letárgico; os olhos vermelhos e inchados de alguém que chorou a noite inteira.

O banheiro tinha aquele clima que todos os banheiros possuem, abafado, porém frio, como uma bolha de proteção; impessoal e rígido, ao mesmo tempo parecia que de suas paredes brotaria olhos, bocas e ouvidos. Se cômodos fossem entidades com carne, de certo que os banheiros seriam loucos pela modernidade assim como apegados ao que é antigo.

Laércio se arrastou ao banheiro com todas as suas particularidades e generalidades. Cambaleou até o balcão de mármore em frente ao dolorosamente limpo e iluminado espelho. Estava tão cansado. Quanto mais tempo permanecia deitado, mais exausto ficava; era algo além do físico. Como algo etéreo o absorvendo como uma esponja, no fundo ele sabia exatamente o que era aquilo.

Era um sonho? Que diferença fazia; nas últimas semanas ele flutuou entre o palpável e seus delírios. Olhou seu reflexo no espelho. A beleza é apenas o produto final de equações, culpas e ego. Seu rosto, de algum modo, não parecia mais o de sempre, mas tudo estava no lugar; algumas mulheres de seu passado jurariam que continuava bonito como sempre, mas suas sujeiras estavam estampadas em cada linha de expressão que cortava dolorosamente sua carne.

Abriu a torneira, a água demorou menos de um segundo para cair, mas nesse pequeno momento, o reflexo da luz branca brilhou no ralo metálico da pia, os olhos de Laércio doeram. Era o que tinha se tornado? Um mero nosferatus que se aninha em cantos escuros e solitários? A água caiu como uma espuma branca, pareceu macia, confortável e quente.

Toque. A água escorreu por entre os dedos; sua pele parecia bem mais velha. A água o fez lembrar dela, sua presença era frequente em um cheiro agradável, a carne de panela que ela tanto gostava, em certos acordes de alguns instrumentos... Ela havia se tornado uma mera chave, a âncora entre a podridão e algo mais podre ainda. Talvez, eles nasceram predestinados a isto, seus poderes almejavam e sussurravam para que avançassem os velhos limites erguidos. Agora, quando iria conhecer uma mente livre de limites? Um corpo superior a tudo isso?

— Papai?

— Opalina é você? — Os olhos mais fechados do que abertos oscilaram em um pálido brilho. — Ainda pode me ouvir Opalina?

— Estou aqui papai, mas apenas como uma assinatura...

— Ficará comigo?

— Você sabe que eu não posso... Não mais.

— Estou com medo filha. — Sua pele enrugava-se na morna água da banheira, onde estava deitado.

— "O medo é o primeiro inimigo do homem de conhecimento", sabe disso papai.

— Porque ainda está aqui Opalina? Vingança... Pena?

— (...) Talvez apego. E preciso lhe alertar... O poder controla as vias da reencarnação, é como um destino traçado sutilmente, é a corrupção que se precisa passar. Você está imensamente mais poderoso agora e os seres do além véu sabem disso. Algo muito maior e caminhos de sofrimento lhe aguardam.

Sortilégio - Passado, Futuro, Ciência e MagiaOnde histórias criam vida. Descubra agora