Capítulo XIX

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– O que aconteceu aqui? – Rhys pergunta apontando para o chão com a areia ainda espalhada.

Já era noite. Eu estava com meu casaco azul marinho, uma calça velha e escura e uma camiseta verde musgo. Não tive ânimo para juntar toda aquela areia depois que concordei em ir com Rhys para o Reino. Eu estava nervosa, tensa, não sabia o que esperar. Não pretendia deixar que Rhys visse a sujeira, mas ele simplesmente entrou enquanto eu já descia as escadas.

– Hum... eu queria fazer uma plantação...

– Dentro de casa? Com areia? – Ele arqueou uma das sobrancelhas bem desenhadas.

– Certo. Eu estava usando isso para treinar meus socos.

– Bom, podia ter me falado. – Ele olha para o chão divertido. – Lhe arrumava algo melhor. Nosso pobre travesseiro aqui parece ter sofrido.

Sorri um pouco e avancei. Quando parei na frente dele, ele passou os olhos em mim, de cima a baixo, e na volta se deteve em minha mão enfaixada. As tiras estavam molhadas agora devido ao banho. Ele delicadamente pegou minha mão direita, examinando, como se visse através da faixa.

– Não me lembro de você ter saído com um arranhão na colina. – Diz ainda olhando para minhas mãos.

– Eu... Treinei mais do que devia.

Ele beijou meus dedos.

— Tome cuidado.

***

Já haviam semanas, meses, que eu estava na floresta. Eu não via ou sentia aquela muralha enorme ao meu redor há tempos. E foi estranho para mim mesma confessar que só de olhar para ela agora, era como se... eu finalmente enxergasse que eu vivi minha vida toda de maneira errada, presa em um lugar e presa em mim mesma, lutando para me libertar.

O caminho da floresta até ali fora silencioso. Eu estava nervosa, não sabia que sensações teria quando visse o Reino de novo lembrasse de tudo que passei ali dentro. Rhys também se manteve calado e seu corpo estava tenso. Imagino que tanto pelo perigo de eu ser descoberta como por medo de que eu fugisse. Ele não poderia fazer muito para me pegar ali dentro.

Eu era reconhecida, todos já deviam ter visto fotos minhas. Se eu corresse, se eu tirasse o capuz e eles me vissem, Rhys teria que fingir que não me conhecia e ir embora, ou ir atrás de mim e ser pego.

Mas eu não iria fugir. Tinha bastante motivos para isso. Primeiro, eu não iria destruir tamanha confiança que Rhys teve em mim, em me dar este espaço, me mostrar que para ele eu não sou só a princesa sequestrada e levada para a Floresta do Sul. Eu era algo importante para ele.

Segundo, eu não queria voltar para o castelo. Fazendo festas, me casando, tomando conta de um Reino, enquanto tudo que treinei e aprendi a lutar fosse esquecido. Enquanto quem eu me apaixonei ficasse para trás. Traindo à ele e à mim mesma, me condenando a uma vida infeliz.

Terceiro, eles não me resgataram, eles escondiam algo, isso eu já sabia e já era motivo suficient.

Quarto, eu não queria mais ir para o orfanato agora. Não sabia o que Miranda faria, talvez me levasse de volta para o palácio. Não arriscaria.

E quinto, eu não queria deixar Rhys agora. Eu queria ir na Festa de Inverno, queria aproveitar mais alguns dias com ele. Não sei quantos dias mais, confesso.

Olhei para o muro alto e apontei a lanterna para pouco mais que a metade dele. A lua estava brilhando lá em cima, ajudando nossa visão. Meu coração estava disparado com a ideia de entrar ali de novo. Rhys enrijeceu o corpo, caminhando ao lado do muro e eu o segui. Ele pegou algo escondido entre as árvores e arrastou. Era uma daquelas redes, que caí quando pulei o muro do palácio, fugindo de Rhys.

– Onde este muro vai dar? – Pergunto.

– Um beco perto do Centro de Comércios, mas as casas ao redor do beco estão abandonadas. – Assinto enquanto ele termina de arrumar a rede.

Volto a apontar a lanterna para o muro e percebo uma escada feita de corda, terminando no alto da muralha, bem presa, ao que parecia. Rhys pegou a mochila exageradamente grande e colocou de volta nas costas.

Ele termina de conferir a rede, puxa a escada com força, testando a firmeza, e confere se não está deixando nada para trás. Ele olha para mim e sorri fraco enquanto se aproxima.

– Você pode escolher o vestido que quiser, pode escolher sem pressa, mas por favor, não saia de perto de mim. – Ele para a um suspiro de mim. Levanto um pouco o queixo, o encarando.

– Não sairei. – Minha voz sai em um sussurro. A lanterna em minhas mãos ainda na direção do muro. Ele delicadamente coloca uma mecha de meu cabelo atrás da orelha me fazendo sentir arrepios em toda a extensão do corpo.

– Se acabar se misturando demais com as pessoas e, por um segundo, me perder, fique calma, não demonstre que está procurando ninguém, eu irei te encontrar. Se mantenha de capuz e tente evitar os lugares muito iluminados.

Assinto sem tirar os olhos dos seus. Ele abaixa as mãos e tira algo do bolso.

– É uma máscara simples, comprei ela ontem, não é muito chamativa e não tem cheiro ruim. Se alguém te encarar demais, finja uma tosse.

Pego o tecido grosso e sorrio. Não importava o que fosse, uma joia de diamante ou uma máscara, eu sempre ficava comovida por Rhys dar algo a mim. Me afasto um pouco e passo o círculo ao redor do pescoço.

Quando iria passar os cabelos por ela Rhys me deteve, caminhou até minhas costas e fez o serviço. Suas mãos pegaram as mechas com delicadeza, me fazendo estremecer quando seus dedos roçaram minha nuca. Quando ele voltou a se colocar na minha frente, eu puxei a parte frontal do tecido negro e encaixei em meu rosto. Dos olhos para cima estava descoberto, mas o capuz ajudaria nisto também.

– Ótimo, não vão lhe reconhecer se permanecer nas sombras, não tirar a máscara ou o capuz e não erguer muito a cabeça.

– Certo. – Abaixo a máscara de volta, apenas para a escalada.

Caminhamos a curta distância até a escada de corda e suspiramos quase ao mesmo tempo.

– Vamos.

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