Floresta do Sul

Capítulo XXI

Em algum momento devo ter cochilado, pois quando abri os olhos e chequei o relógio de pulso, já havia se passado uma hora. Rhys já não estava na cama e, para evitar que meus neurônios estourassem, não pensei muito no que havia acontecido.

Todo meu corpo estava formigando, seu cheiro estava em meus cabelos, seu rosto adormecido em meus pensamentos. Sentia tudo sobre ele em mim.

As espadas haviam sumido de onde eu as deixara. Me levantei e conferi rapidamente a casa, mas Rhys não estava ali. Desci e abri a porta olhando para os dois lados da rua, conferindo se não havia ninguém, e saí rápido. Desci direto para cozinha e todos já estavam lá. Pedi minhas sinceras desculpas a Selena e Laurien, que compreenderam totalmente.

Rhys não estava ali também e me perguntei o que ele estaria fazendo enquanto tomava meu café.

. Quando todos saíram e fui ajudar na limpeza, notei que várias travessas estavam espalhadas sobre o balcão de ardósia da cozinha, e panelas se espremiam em cima do fogão à lenha.

– Como é a Festa de Inverno? – Pergunto a Laurien, que mexia algo em uma panela enquanto eu lavava os pratos pouco adiante.

– Se eu lhe contar vai perder toda a graça. – Ela sorri. – Mas não muda muito de como é dentro do Reino.

– Bom, nada esclarecedor. Nunca fui a essa festa, nem lá dentro, e a única festividade que comemorávamos no orfanato era o Solstício de Verão.

Ela me olha por um minuto, em silêncio, e para de mexer o que estava dentro da panela. Ela pisca, balança a cabeça, e então volta ao seu serviço voltando a encarar o fogão.

– O que você fazia lá dentro então?

– Acho que nada. Eu lia, dormia, acordava, comia, pensava e conversava com minha amiga. Nada emocionante demais. – Me lembrei de sua expressão quando contei que nunca fui a festa e lhe encarei com a testa franzida. – É tão estranho ou... curioso assim que eu nunca tenha ido a esta festa?

– Bom, é um evento bastante importante. Nós, os Legionários, raramente comemoramos algo, ou organizamos eventos que normalmente existem no Reino. Mas essa é uma festa que todo o continente comemora. – Ela dá de ombros. – Mas não se preocupe, não terá que fazer nada, a não ser se divertir.

– Imagino que todos vocês se divertem muito, já que não os vejo fazer muito isso em dias comuns. – Ela sorri tampando a panela e mexendo em outra.

– Sim, é verdade. Mas nem todos aproveitamos muito a festa. Rhys, por exemplo... Ele sempre foi muito atento e cuidadoso com nosso povo, mesmo tendo de assumir a responsabilidade tão cedo. Nas festas ele fica apenas sentado, observando. Sei que gosta de nos ver se divertindo, mas sei que nestes momentos ele também está afiando os ouvidos para além da música, tentando descobrir se tem inimigos ao redor, o que é meio difícil, já que até os Legionários do Norte comemoram a data no território deles também, dispensando os Caçadores de seus serviços.

– Parece mesmo uma data importante. – Aponto. – Mas... por que Rhys teve que assumir a liderança do acampamento tão jovem?

Ela continuou mexendo o que parecia ser um caldo, seu olhar estava distante, provavelmente se recordando do passado. Achei que ela não me contaria, mas então começou a falar, a voz mais baixa e rouca:

– A mãe de Rhys amava nosso povo. Ela foi a melhor mulher que este acampamento já teve. Ela liderava todos nós, e era muito boa. Todos conheciam Kasie, e ninguém ousava contestá-la, mesmo que ela fosse a imagem da gentileza. Nem mesmo os Legionários do Norte atacavam, ela mataria todos que tentassem ferir seu povo, estávamos sempre acima de qualquer coisa para ela. Rhys tinha dezoito anos quando ela se foi. Todos automaticamente colocaram a responsabilidade sobre ele, já que ele era o filho da melhor líder que esta floresta já teve. Mas Rhys não estava pronto, e ninguém se preocupou muito com seu luto, apenas se preocupavam em quem assumiria este povo. Ele então fez uma viagem, e voltou dois meses depois, quando alguns começavam a se revoltar. Eu tentei ajudá-lo, tentei, mas ele...