8.Ceticismo Parte VII

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A voz ressoava na sua cabeça repetindo a frase como um prego atravessando sua testa, era verdadeira e assustadora como o vulto no beco onde Aghi estava e sinistra como o vento congelante que atravessou seu corpo. E se existia uma coisa que ele acreditava com veemência era que maus pressentimentos são uma forma elegante do universo dizer: eu avisei que daria merda.

Vinte minutos de ônibus e lá estava ele na madeireira Sherp. Miguel conseguiu o emprego por indicação de um amigo, filho do dono da empresa, ele trabalhava lá sem muita perspectiva de promoção ainda que dominasse todos as etapas de trabalho e todos os mecanismos da empresa — que variavam do bom e velho trabalho braçal até o setor administrativo.

Seu gerente, o senhor gordo de bigode, sabia da competência de Miguel, mas pensava que só o fato dele, um jovem de vinte anos, ter um emprego remunerado já era mais que o suficiente e descartava qualquer hipótese de promoção dentro da empresa.

E quando Miguel chegou na empresa — um terreno com duas pequenas salas para o setor administrativo e uma cobertura feita por telhas onde a madeira era trabalhada em ripas, tábuas e caibros —, o gerente ao lado de outros seis funcionários, aproveitou para diminuir a importância dele como sinal de boas vindas:

— Você atrasou vinte e cinco minutos, Miguel! Outra vez! — Exclamou o gerente bonachão.

— Trânsito, você sabe como é, Emílio. — Disse com um tom de deboche.

O tom de deboche tinha um motivo simples: naquela semana, Emílio o gerente, atrasou-se duas vezes seguidas, sua justificativa em ambas as oportunidades foram o trânsito e obras de infraestrutura. Ainda que tais obras nunca existissem em sua região.

— E aquela moto? Ela não serve para costurar o trânsito? — Disse com um ar tão pejorativo que sua mãe ganhou um apelido indigesto na mente de Miguel.

— Verdade... Mas ela tá no conserto. — Mentiu.

— Que conserto? Te vi com ela outro d...

— Pois é, mas hoje ela tá no conserto. — Disse Miguel ao interromper outra afronta.

Miguel deixou todos conversando e dirigiu-se ao pequeno vestiário dos fundos. Deixou sua jaqueta e a camisa preta — na camisa estava escrito a frase: "ONDE HÁ MUROS HÁ O QUE ESCONDER" —, e vestiu a camisa polo cinza com o logotipo da empresa, um S grande e amarelo.

Seu dia de trabalho consistiu em somar preços de tábuas em centímetro linear, anotar cerca de quatro ou cinco pedidos de madeira que se transformariam em terças e caibros para telhados e é claro, ajudar Emílio com a organização do estoque. Ajudar Emílio na organização do estoque significava na verdade fazer todo o trabalho de organização, enquanto Emílio tentava conseguir alguma amante nas redes sociais ou olhar preços de carros que ele nunca compraria.

O dia precisava passar rápido, a mente dele estava distraída com a possibilidade de Aghi ser um garoto mau e roubar sua casa. Ora, se a criança fosse alguém mau, ou cúmplice de um adulto ruim, e aquilo fosse uma nova categoria de golpe para roubar casas, quem poderia detê-lo? Sua irmã na cama? Seu avô doente? É claro que não. Seria o roubo mais fácil da história dos assaltos domiciliares.

No fim da tarde mandou uma mensagem no celular da irmã perguntando se estava tudo bem, e alguns minutos depois ela respondeu positivamente. Sofia explicou que estava assistindo televisão com Aghi e que o avô estava descansando, ou seja, Miguel sentiu que nenhuma crise aconteceu durante aquela tarde e sua paranoia parecia infundada, mas a coceira e a voz que alertava por coisas ruins ainda martelava sua cabeça, ele não conseguiria sossegar até estar em casa.

A medida que as horas passavam os funcionários batiam seus pontos, encerravam seus trabalhos e marchavam para suas casas. Seu turno se encerraria apenas as vinte horas e trinta minutos daquela noite, ele seria o último a ir embora e entregaria a chave ao vigia noturno.

E quando o horário de sua saída enfim chegou, ele estava exausto. Naquele dia estava mais exausto que o normal, a jornada não teve nenhum trabalho inesperado que justifica-se tão cansaço, mas a paranoia e os acontecimentos na parte da manhã envolvendo Aghi o consumiram mais do que de costume.

Trocou de roupa rapidamente, entregou as chaves para o vigia e correu para o ponto de ônibus — sem ao menos dizer até amanhã. O pobre homem sem entender gritou algo que Miguel entendeu como vá com Deus, mas também desconfiou que poderia ser boa noite.

Sentiu que sua sorte começou a mudar quando avistou o ônibus assim que chegou no ponto, o veículo estava com poucos passageiros e ele poderia sentar-se. A medida que o ônibus avançava em direção a seu bairro as pessoas desciam a cada parada. Estranhou quando percebeu que só restavam ali três homens: Ele, o motorista e o agente de bordo.

Deu sinal quando avistou seu ponto, desceu as escadas do veículo e já estava em seu bairro. Algo não parecia certo naquele lugar, as ruas estavam vazias e escuras e apenas os prédios distantes possuíam luzes acesas. A iluminação na rua contava com nem ao menos metade de suas lâmpadas funcionando e as poucas que funcionavam piscavam em intervalos regulares.


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Ômega - O Guardião Santo (Fantasia/Suspense/Sobrenatural)Onde histórias criam vida. Descubra agora