35. Família parte V

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A tristeza de Aghi, ao olhar a carapaça sem alma a sua frente, era imensa. A criatura era um Carniçal usando o corpo de Todorov como uma roupa, uma figura grotesca, de imitação humana, tão típica daquela espécie. O Carniçal, insistia:

— Filho, eu senti tanto sua falta...

— Não faça isso. Não finja que é o senhor Todorov.— Interrompeu o garoto.

— Filho, eu...

— Chega, por favor. eu sei quem você é. Você é um Carniçal usando o corpo sem vida dele. — Lamentava Aghi.

Quando escutou essas palavras, o homem imediatamente trocou o semblante amigo para um sorriso pavoroso, os dentes amarelos destacavam a arrogância, com que a criatura se revelava ao garoto, ainda que continuasse com o rosto humano, era outra coisa.

— Você é um garotinho insuportável, não é mesmo?

A voz agora era horripilantemente familiar.

A chuva cada vez mais forte, quase empurrava Aghi contra o chão. Não conseguia entender porque justamente as mesmas criaturas que corromperam a alma de Todorov o seguiriam até aquele lugar, tão desolador para seu amigo.

— O que vocês querem?

— Não é obvio?— Sorriu novamente.

Foi então que Aghi foi chamado à realidade, Miguel não estava lá. Outra das criaturas estava naquele cemitério, tinha a forma de uma mulher. Lembrou-se da descrição feita por Miguel e Sofia, então deduziu que estavam usando o corpo da mãe de Miguel.

Tentou correr na direção do amigo, mas foi segurado pelo Carniçal. A criatura era forte, a mão agarrou seu ombro, não conseguia escapar.

Não tenha pressa, nós vamos juntos. Joana tem uma surpresa para o filhinho dela.

— Vocês são a pior coisa desse mundo.

Os dois caminharam juntos, a contragosto do garoto, na direção de Miguel. A chuva cada vez mais forte impedia a visão do rosto daquela mulher, só podia ver uma silhueta em meio às sombras.

— Miguel, Miguel! Essa não é sua mãe! — Gritou, desesperado.

— Pode gritar o quanto quiser, ele não liga a mínima. É a mãe que ele perdeu, ela voltou. Você é só o garotinho chato que ele acolheu. Agora vou te levar até lá, bem pertinho, mas você precisa prometer que não vai atrapalhar. Eu não quero te machucar.

A criatura arrastou Aghi na direção deles, foi então que percebeu: o rosto de seu amigo parecia hipnotizado, quase que em uma realidade única, local onde não escutaria nada além da voz daquele ser que estava à sua frente.

— Como eu senti sua falta, meu filho. — Dizia a mulher, enquanto levemente tocava o rosto de Miguel.

— Mãe, eu não consigo ver seu rosto.— Observou, Miguel.

Então a mulher, cujo a face estava bloqueada por uma tenebrosa sombra, se mostrou. Era linda, Aghi deduziu que aquele era o rosto da mãe de seu amigo, jovem, antes de sua morte, sem que um dia sequer tivesse se passado após sua morte. Era incrível, era tenebroso.

— E então, querido? Como estou? Me reconhece?— A voz mudou, não era mais tão instigante, era mais humana.

— Como você pode estar aqui? Você estava morta.

A mulher largou seu rosto, e o abraçou com força, era como um reencontro de mãe e filho, mas Aghi sabia que algo estava errado. Não poderia ser a mãe de Miguel.

E foi quando viu, as mãos da mulher atrás do corpo de Miguel, não eram humanas, suas unhas eram garras afiadas. O garoto tentou gritar, mas o Carniçal na pele de seu tutor o segurou e com a mão na frente de sua boca o impediu.

— Você vai apenas assistir. Ela vai dar a ele o descanso que ele sempre quis.— Disse o Carniçal.

A mulher trouxe o corpo de Miguel para junto do seu, e afundou o rosto em lágrimas do garoto contra seu ombro, era a preparação para o assassinato dele.

— Tudo vai ficar bem, querido. Ficaremos juntos, eternamente. — Ela disse, enquanto afagava sua nuca com a mão humana, sua outra, em forma de garras, dançava levemente atrás de seu corpo, preparando o momento certo.— Seremos nós três, querido.

Miguel moveu o rosto, com os olhos lacrimejantes, voltados fixamente para Joana. O olhar era claro: expressava todo o amor que ele sentia pela mãe, toda a saudade que ele sentiu durante aquele tempo. Não tinha culpa, não tinha raiva por ter ficado sozinho e ter sofrido tanto para cuidar da irmã e do avô. Era uma expressão de carinho e ternura, que não condiziam com o ar ríspido e defensivo do amigo.

— Me desculpa, mãe. Do fundo do coração, só me perdoe.

— Não se desculpe, querido, apenas descanse.

Após dizer essas palavras sombrias, um raio cortou os céus e um estrondo, que se seguiu, serviu para chamar a atenção enquanto a mulher o atacava pelas costas.

Foi em vão, Miguel se virou rapidamente e a segurou pelo braço. De alguma forma ele estava preparado.

— Me solte, Miguel. Estou aqui pra te trazer a paz. A paz que você procurou a vida toda.

O rapaz fechou os olhos, respirou fundo, enquanto a mulher se debatia tentando soltar o braço. Foi quando a encarou, em meio a chuva que caía. As lágrimas que corriam em sua face se perdiam em meio as águas.

— Eu quase acreditei, se fosse realmente minha mãe você poderia me levar. Eu nem me importaria.

— Do que você está falando, querido?

Ele suspirou fundo novamente.

— Minha mãe, me contou uma vez, que meus avós a deixavam com a vizinha enquanto trabalhavam. A mulher a maltratava muito, em alguns casos até fisicamente, sempre sem deixar provas. Aquela mulher a chamava sempre da mesma coisa, em um tom de desprezo: querida. Ela suava frio só de escutar essa palavra, ela nos chamava de filho, filha, às vezes amor, mas nunca de queridos.

— Me solte, agora. — Disse a mulher, agora com sua voz gutural, de um Carniçal.

Miguel lentamente guiou aquelas garras, enquanto a criatura se debatia quase revelando sua verdadeira forma. Aos poucos, as enormes unhas cravavam o corpo da mulher, e ela se contorcia em desespero.

Nos últimos momentos de vida, aquela criatura deu lugar ao semblante da mãe de Miguel, parecia assustada. Por um breve momento ele reconheceu sua mãe naquele corpo, foi então que ela perdeu a forma humana e deu lugar a uma criatura branca, com presas e sem olhos. Um Carniçal sem vida.

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Muito obrigado, por acompanhar esse livro! 

Aquele abraço!

****PRÓXIMO CAPITULO 09/06****

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