25.Amargo Parte VI

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Finalmente um feriado apareceu na vida de Miguel. O dia era bom e esperado, ao contrário das criaturas horríveis conhecidas como Carniçais, que nos últimos dias se tornaram cada vez mais raras e quando surgiam eram apenas aberrações brancas estranhas espreitando o mais longe possível.

Aghi já estava completamente a vontade na casa de Miguel e em sua escola se tornou querido por colegas e professores rapidamente, o garoto era esperto e esforçado, ainda que portador de uma feição preocupada de alguém que sempre aguarda por algo ou alguém. Os professores achavam que isso era comum aos órfãos, mas Miguel sabia que o jovem na verdade aguardava pelo tal Guardião Santo.

Dias e dias, e nada dele aparecer. Aghi cumpriu o prometido, da escola partia rapidamente para casa de Miguel, onde passava o dia com Sr. Arcanjo e Sofia. Não saia para becos ou ruas escuras, apenas aguardava na casa do amigo por uma visita que nunca acontecia.

Era evidente que o garoto estava tenso e o amigo precisava fazer alguma coisa para entretê-lo com alguma atividade. Aproveitou o feriado para fazer a vontade de Isabel e conhecer a banda do primo da garota, sujeito desconhecido em nome e aparência, sua banda maltratava instrumentos musicais na igreja do bairro.

Jovens reunidos para tocar em um templo, provavelmente tocariam em qualquer lugar com um público cativo, típico de garotos que formam uma banda e aceitam qualquer oportunidade para treinar seus instrumentos. Aghi ao contrário de seu colega pouco otimista estava entusiasmado em participar do evento. Caminhavam na rua em direção a casa de Isabel, calados, até que Aghi rompeu o silêncio:

— Cadê sua moto?

— No mecânico. Eu também sinto falta dela, cara. — Miguel parecia desanimado.

—Você não parece bem. Está doente?

—Não, Aghi. Não viaja. Só queria ficar quieto na minha casa ou ir ao cinema, sei lá. Não gosto de igrejas, me trazem algumas recordações estranhas.

Aghi fixou os olhos nele antes de fazer a pergunta óbvia:

— Então, por que você não diz isso pra Isabel?

— Porque as pessoas fazem coisas que não gostam para agradar pessoas que elas gostam. Entendeu?

Aghi apenas abriu um sorriso de canto de boca e balançou a cabeça negativamente.

— Eu gosto da Isabel e isso é importante pra ela. Mas eu não preciso soltar foguetes e dançar de felicidade. Vai dizer que o tal Todorov não te obrigava a ir à igreja?

— Bem, ele já foi padre. — Aghi colocou a mão na cabeça em um gesto de surpresa. —Parando pra pensar acho que não fui a muitas igrejas.

— Espera ai. Se ele era um padre então você é católico? — Miguel parecia surpreso.

— Na verdade meus pais eram Luteranos, e o papai era muito amigo do Sr. Todorov. Como o senhor Todorov era muito estudioso ele me fez entender o funcionamento de diversas religiões e culturas.

Outra surpresa vinda do garoto que sabe o nome de Deus. Não sabe nem ao menos sua religião. No fundo Miguel esperava uma resposta parecida, afinal o comportamento do menino não era radical e seu tom não era característico de líderes religiosos.

— Você não deixa de me surpreender, Aghi.

Aghi sorriu, parecia feliz. Mas como estava se tornando rotina à felicidade de ambos não durou muito tempo. Perceberam que a rua estava sinistra e deserta, de um jeito assustadoramente familiar. Trocaram olhares que faziam referência à presença de Carniçais.

— Estamos sendo seguidos, Miguel.

— Eu já imaginava. Estava com medo de você confirmar. Acho que eu dou conta, certo?

Aghi não respondeu, apenas olhou para rua a deserta, movimentava a cabeça enquanto olhava as paredes rabiscadas dos prédios escuros. O garoto movia os lábios como alguém contando um rebanho na fazenda.

— São uns vinte e dois. — Concluiu Aghi.

— Vinte e dois? Porra! Como assim? Carniçais?

À medida que Miguel se surpreendia com os números, sombras despontavam na rua, eram homens e mulheres pálidos, trajando poucas roupas. Aos poucos cercavam os garotos e Miguel percebia que o número de vinte duas criaturas não correspondia à realidade.

— Vinte e dois? Tem uns quarenta, Aghi! Você não sabe contar?Merda!

Não poderia existir confronto naquele momento. Ainda que Miguel conseguisse se transformar no tal Ômega, isso não poderia garantir uma vitória e muito menos a segurança de seu jovem amigo.

— Aghi, vamos correr. Você consegue?

—Acho que sim. — O garoto parecia mais preocupado que o normal.

Miguel acelerou os passos e quando as criaturas repararam começaram a correr em sua direção. O jovem puxava Aghi com força, seu medo de ser pego por aqueles monstros só não era maior que o de deixar o amigo ser capturado.

Não existia muita opção para fuga, apenas corriam pelas ruas escuras, escolhendo sempre as de maior largura. Estavam desertas, e as criaturas se aproximavam rapidamente. Enquanto Miguel temia por suas vidas teve um breve relance de uma edificação conhecida: era sua escola.

Talvez entrar na edificação possibilitasse uma fuga ou luta mais justa. Segurou Aghi pelo pulso e pulou o muro. Caíram na grama e esperaram que as criaturas os perseguissem, mas não aconteceu. Nenhum dos monstros pulou o muro, era quase um aviso de que o objetivo dos carniçais estava cumprido: levar os garotos para a escola vazia.

A escola estava deserta, abandonada. Todas as luzes do velho edifício estavam apagadas. Um dilema tomou seus pensamentos: Esperar que os carniçais invadissem a escola ou adentrar na óbvia armadilha que os aguardavam.


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Obrigado pela leitura

 Aquele abraço!

 ****PRÓXIMO CAPÍTULO 29/07****

Ômega - O Guardião Santo (Fantasia/Suspense/Sobrenatural)Onde histórias criam vida. Descubra agora