36. Família Parte VI

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Miguel sentiu uma dor dilacerante, nunca imaginou que reencontrar sua mãe seria uma experiência tão desagradável, tão triste. Sentia que desde que aquelas criaturas, os Carniçais, entraram em sua vida nada de bom poderia ser poupado, nem mesmo as memórias mais inocentes.

A raiva enquanto observava o corpo do Carniçal, que roubara o corpo de sua mãe, era imensa, um sentimento de frustração e medo tomava sua alma. Se eles poderiam chegar a esse nível, quem poderia garantir verdadeiramente a segurança das pessoas que ele amava? Ninguém estaria a salvo enquanto essas coisas existissem.

Seus lamentos foram interrompidos, pelos gritos do homem que afirmava ser Alexandro Todorov, mentor de seu amigo.

— Desgraçado! Você a matou!— O homem correu na direção do Carniçal e tomou a criatura sem vida em seus braços.— Você matou a Agonia, você matou a Agonia.

Agonia. Não poderia pensar em um nome melhor para aquele monstro, ladrão de tumbas.

Olhou para Aghi, o amigo ainda parecia triste, desolado, contudo, parecia lúcido novamente. Era óbvio pelo semblante do garoto que o homem era um Carniçal. Não restavam dúvidas sobre o que aconteceu.

As duas criaturas mataram o verdadeiro Todorov e roubaram seu corpo, chegaram a Cidade Cinza e arrombaram o leito eterno de sua mãe para roubar outro corpo. A invasão ao cemitério foi calculada para acontecer enquanto estavam presos na escola com Thomas, de tal forma nem a sensibilidade de Aghi, a tais criaturas, poderia prever o plano sujo de usar as pessoas que eles mais amavam em um jogo sórdido.

O homem, soltou o Carniçal e enfurecido partiu na direção de Miguel. De alguma forma aquele monstro poderia ter sentimentos por outro ser? Pensou. Mesmo que tal criatura amasse, seria um amor doentio e egoísta, afinal, não se importavam com os sentimentos de ninguém.

O homem desferiu um soco na direção de Miguel, mas o punho nem sequer passou perto acertá-lo. Talvez o corpo influenciasse na força e velocidade, pois, esse Carniçal não parecia grande ameaça naquela forma.

Miguel desferiu um contragolpe, um punho no rosto do falso Todorov. O corpo velho foi de encontro ao chão imediatamente. O monstro em pele de homem se esforçava para levantar e atacá-lo novamente.

— Vou ter dar uma chance.— Observou, Miguel.— Eu não quero mais lutar, estou furioso como nunca fiquei em toda minha vida, mas se você abandonar o corpo desse homem, deixo você fugir.

Aghi se aproximou, estava observando fixamente o Carniçal em corpo de tutor.

A criatura, estava com um ar de ódio. Passou a mão pelos lábios e cuspiu sangue. Aquela altura a chuva se tornara fina, em outra ocasião poderia ser até considerada agradável.

— Responda logo — o tom de voz de Miguel se tornara ríspido.

A criatura fitou os dois garotos, o rosto enrugado e sisudo de homem sério deu lugar ao sorriso sádico. Com um semblante sinistro e uma voz horripilante a criatura disse:

— Vocês são ridículos! —Gargalhava o homem. — Quando recebemos um corpo ele se torna nosso, sem devoluções. Realmente pensam que estão seguros? Acham que as pessoas que vocês amam estão seguras? A alma dessa cidade nos pertence!

Miguel caminhou na direção e desferiu outro soco em sua face. A criatura começou a gargalhar.

— Vocês não vão machucar mais ninguém, nem que eu tenha que destruir cada um de vocês.— Disse, enquanto segurava o homem.

— Destruir?— Perguntou o falso Todorov, então seu sorriso se tornou macabro. — Você não pode fazer nada, não conseguiu nem honrar a memória de sua mãe.

Tomado pela raiva daquelas palavras, Miguel começou a agredir a criatura com diversos golpes, tal agressão causou a quase total desfiguração do rosto do homem. Mesmo com os ataques constantes o Carniçal não parava de rir, enquanto Aghi desesperado implorava que Miguel se contivesse.

Quando finalmente parou aquela sessão infame de violência, o homem Carniçal fitou seus olhos, de tal forma que se possível fosse estaria lendo sua alma.

— Você ama a violência não é mesmo, Miguel? — Abriu um sorriso perverso novamente para concluir. — É exatamente como seu pai.

— Seu, merda! Não ouse falar do meu pai.

— Não caí nessa! Ele só quer te provocar.— Aghi agarrou forte o braço de Miguel.

A criatura aos poucos deixava de ser humana, se transformava no ser albino, esquelético e sem olhos, tal qual seus semelhantes daquela espécie.

— Seu pai exalava culpa e morte, carne ruim, péssima. Não daria para aproveitar nem os ossos.

Miguel enfurecido empurrou Aghi com a mão e com todas as suas forças começou a atacar o Carniçal. Aos poucos a criatura parou de rir e começou a grunhir de dor. Alguns instantes depois ela se calou para sempre, mas não foi o suficiente para Miguel.

Ele continuou os socos, enquanto o sangue da criatura era lançado para todos os lados, ele se sentia mais satisfeito e menos humano. Suas pupilas perdiam o brilho e seus dentes sangravam o lábio inferior com fúria.

Golpeou até abrir a criatura, enquanto Aghi gritava algo que ele não podia escutar. Quando seus golpes deixaram de ser suficiente, ele começou a rasgar a criatura, era como se quisesse a devorá-la naquele lugar.

Antes que pudesse se entregar aos instintos animalescos que o tomavam, ele finalmente conseguiu escutar as palavras de Aghi:

— A Sofia! A Sofia está aqui, Miguel!

Parou imediatamente e voltou seu olhar para a direção que Aghi mostrava, enxergou sua irmã ajoelhada no chão, o pijama molhado pela chuva e marcado pela lama do cemitério.

O rosto de Miguel tomado pelo sangue do monstro, retornou a expressão comum e percebeu a garota a encará-lo, os olhos dela pareciam fixos nele, mas distantes. Era um olhar incompreensível.

Foi então que a névoa dissipou e a garota desmaiou na grama molhada.

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Obrigado pela leitura

Aquele abraço!

****PRÓXIMO CAPÍTULO 23/06****

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