Capítulo 2

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Ao chegar na festa, Anahi descobriu que a organização estava impecável. O florista
entregara vasos de flores secas de cores fulgurantes, além de arranjos de margaridas e mosquitinhos para decorar a mesa do bufê. A festa, que deveria ser uma reunião íntima, tinha mais de cinqüenta convidados, nem todos contemporâneos de Anahi. Ela percebeu que vários deles eram políticos. Mande estava fazendo lobby para que os legisladores protegessem uma área da Carolina do Sul, impedindo que se tornasse uma zona comercial. Certamente, ela havia pedido para Eve incluir aqueles políticos na lista de convidados, especulou Anahi.
Nan Barrington, filha de Eve e uma das amigas mais antigas de Anahi, puxou-a para o lado enquanto os músicos tocavam rock.
- Minha mãe odeia rock - confessou enquanto a banda tocava - Não sei por que ela contratou essa banda, já que eles só tocam isso.
- Por causa do nome - arriscou Anahi - A banda se chama Glen Miller, com um "N" só.
Provavelmente, sua mãe achou que eles tocassem o mesmo tipo de música de Glenn Miller.
- Minha mãe é assim - concordou Nan, rindo. Ela passou o dedo pela borda do copo com
ponche. O cabelo louro brilhava enquanto olhava ao redor. - Achei que Poncho fosse vir depois que chegasse de viagem. Já são mais de dez horas.
Anahi sorriu para a amiga. Nan era apaixonada por Poncho desde a adolescência. Ele, no entanto, fingia não ver, tratando-as apenas como adolescentes.
- Você sabe que Poncho odeia festas - relembrou ela.
- Não pode ser por falta de acompanhantes - suspirou Nan.
Anahi franziu o cenho. Segurando seu copo, se perguntou por que aquela afirmação a incomodava tanto. Sabia que Poncho tinha várias namoradas, mas fazia muitos anos que ela não convivia com ele em Greyoaks. Mesmo que precisasse ficar lá, tinha muitas coisas que ele podia fazer. Podia visitar parentes na França, na Grécia e até mesmo na Austrália. Podia fazer cruzeiros com amigas como Nan. Havia eventos escolares, amigas para visitar, festas para ir. Não havia por que ficar em Greyoaks. Principalmente depois da última briga com Poncho, por causa de Jack Harris. Ela suspirou, lembrando como ele fora duro. Jack Harris ficara completamente constrangido enquanto Poncho dizia tudo o que pensava, com a mesma voz fria e cortante, que sempre acompanhava seus momentos de irritação. Quando ele se virou para Anahi, ela precisou se controlar para não fugir. Estava realmente com medo dele. Não que ele fosse agredi-la. Era um medo diferente, estranho e constante.
- Por que franziu a testa? - perguntou Nan.
- Franzi? - Ela riu, deu de ombros e bebeu o ponche. Fitou o vestido azul de alça da amiga
alguns centímetros mais baixa do que ela. - Adorei sua roupa.
- Não chega nem aos pés da sua - Nan suspirou, observando o vestido branco e delicado
de Anahi, em estilo grego, deixando um ombro nu. As várias camadas de chiffon flutuavam a cada movimento - Seu vestido é um sonho.
- Tenho uma amiga estilista, em Atlanta - explicou, sorrindo - Esse é da primeira coleção
dela. Ela promoveu um desfile naquela nova loja de departamento na Peachtreè Street.
- E, além disso, tudo fica bem em você - disse Nan, com sinceridade - Você é bem alta e
esbelta.
- Magrela, como Poncho diz. - Ela riu e, de repente, congelou ao ver aqueles olhos escuros e sombrios, em um rosto duro como granito.
Ele continuava tão alto e grande quanto ela se lembrava, com aquele encanto musculoso e masculinidade ostensiva. O cabelo negro brilhava sob a luz do candelabro que pendia do teto. O rosto bronzeado tinha uma arrogância nata, herança de seu avô, que criara um pequeno império a partir das cinzas dos antigos estados da Confederação. Seus olhos eram frios, mesmo ao longe. Ele apertou os lábios, deixando transparecer um pouco de crueldade. Anahi tremeu involuntariamente, enquanto ele analisava o vestido revelador que ela usava, claramente recriminando-a.
Nan seguiu o olhar dela, e seu rosto de acendeu.
- É Poncho! - exclamou - Anahi, você não vai cumprimentá-lo?
Ela engoliu em seco.
- Vou, claro - respondeu, vendo Maude se aproximar para cumprimentar seu filho mais
velho enquanto Christopher acenava carinhosamente do outro lado da sala.
- Você não parece muito entusiasmada - observou Nan, analisando o rubor nas faces da amiga e o leve tremor em suas mãos.
- Ele vai ficar furioso porque não estou usando laço no cabelo e carregando meu ursinho
de pelúcia - disse, com uma risada triste.
- Você não é mais criança - declarou Nan, defendendo a amiga, apesar da atração que
sentia por Poncho.
- Diga isso a ele - suspirou - Viu? -murmurou, quando ele ergueu a cabeça arrogante e sinalizou para que ela se aproximasse.
- Estou sendo intimada.
- Não seja tão dramática, como Maria Antonieta a caminho da guilhotina - sussurrou Nan.
- Não consigo evitar. Meu pescoço está formigando. Nos vemos depois - despediu-se,
caminhando na direção de Poncho com um sorriso lânguido.
Ela se adiantou, passando pelos convidados, com o coração aos solavancos, batendo
com força, no mesmo ritmo do rock que sacudia as paredes. Aqueles seis meses não haviam apagado a última briga. A julgar pelo olhar áspero de Poncho, a discussão continuava fresca em sua mente.
Ele deu uma tragada no cigarro, olhando fixamente para ela. Anahi percebeu como ele
estava perigosamente atraente no terno escuro. A seda branca da camisa contrastava perfeitamente com a pele morena e a beleza arrogante. O cheiro da colônia oriental dele penetrou-lhe as narinas, ecoando sua masculinidade vibrante.
- Oi Poncho - cumprimentou-o, nervosa, contente ao ver que Maude havia desaparecido no mar de políticos. Assim, não precisava fingir seu entusiasmo.
Ele a analisou de cima a baixo, demorando-se no decote que revelava vislumbres
enfeitiçantes de seus pequenos seios.
- Está fazendo propaganda de si mesma, Any? - perguntou asperamente - Achei que
você tivesse aprendido a lição com Harris.
- Não me chame de Any - devolveu ela - E não é mais decotado do que a roupa das outras mulheres.
- Você não mudou nada - ele suspirou - Cheia de fogo, renda e com as pernas trêmulas. Achei que você fosse amadurecer depois da formatura.
Os olhos esmeralda dela ardiam.
- Tenho vinte anos, Poncho! - Ele ergueu a sobrancelha.
- O que quer que eu faça?
Ela começou a dizer que não queria que ele fizesse nada, mas, de repente, a raiva
desapareceu.
- Ah, Poncho - lamentou-se- Por que você tem que estragar a minha festa? Estava tão divertida...
- Para quem? - perguntou ele, olhando para vários dos políticos presentes. - Para você ou para Maude?
- Ela está tentando salvar os animais ao longo do rio Edisto - disse, indiferente. - Eles
querem expandir parte dessa região.
- Sim, vamos salvar as cobras e os mosquitos, a todo o custo! - concordou ele, zombeteiro, embora Anahi soubesse que ele era preservacionista, como Maude.
- Lembro que você foi à TV para apoiar a proposta a favor da floresta nacional.
Ele levou o cigarro aos lábios.
- Sou culpado - admitiu com um leve sorriso. Olhou paia o grupo de rock e seu sorriso desapareceu.
- Eles todos estão tocando a mesma musica?
- Não sei. Achei que você gostasse de música - implicou.
- Gosto, mas isso - acrescentou, lançando um olhar para o grupo - não é música.
- Para a minha geração, é - ela respondeu, desafiando-o - Se você não gosta de música
contemporânea, por que veio até aqui, seu ermitão velho?
Ele deu um leve tapinha na bochecha dela.
- Não seja tão espertinha. Vim porque não a vejo há seis meses, se quer saber a verdade.
- Para quê? Para me levar para casa e gritar comigo no caminho?
Ele juntou as sobrancelhas escuras.
- Já fiz muito isso? - perguntou resumidamente.
- Não o bastante - ela respondeu com um sorriso imprudente, bebendo o restante do
ponche.
- Está sendo ousada, menina? - indagou ele, calmamente.
- É autopreservação, Poncho - admitiu suavemente, olhando para ele por sobre o copo
vazio, que ainda repousava nos lábios. - Estou anestesiando meus nervos, para não me incomodar quando você começar a me irritar.
Ele deu outra baforada.
- Isso foi há seis meses - ele disse severamente. - Já esqueci.
- Não, não esqueceu - suspirou ela, vendo a raiva que brotava nele. - Eu realmente não sabia o que Jack estava planejando. Provavelmente eu devia saber, mas não sou tão vivida assim.
Ele exalou profundamente.
- Não, com certeza não é. Eu achava que isso era bom, mas, na verdade, quanto mais
velha você fica, mais me questiono.
- Era exatamente o que Maude estava dizendo - murmurou ela, perguntando-se se ele lia a mente das pessoas.
- Talvez ela esteja certa - Ele a fitou intensamente, analisando o vestido diminuto e revelador. - Esse vestido não é adequado para sua idade.
- Quer dizer que não se importa se eu crescer? - perguntou docemente.
Ele ergueu a sobrancelha laconicamente.
- Não sabia que você precisava da minha permissão.
- Parece que preciso - insistiu ela - Se eu fizer algo em relação a isso, você vai correr atrás de mim.
- Isso depende do tipo de amadurecimento a que você se refere - respondeu ele, apagando o cigarro. - Promiscuidade está fora de cogitação.
- Não no seu caso!
Ele jogou a cabeça para cima, com os olhos em chamas.
- Que diabos minha vida particular tem a ver com você? - perguntou, com a voz gélida. Ela quis retroceder.
- Eu só estava brincando, Poncho - defendeu-se, sussurrando.
-Não estou rindo - limitou-se a dizer.
- Você nunca ri comigo - disse ela, com a voz áspera.
- Pare de agir como uma adolescente infantil.
Ela mordeu o lábio inferior, tentando conter as lágrimas que se acumulavam em seus
olhos.
- Com licença. Vou brincar com minhas bonecas. Obrigada pelas boas-vindas calorosas - acrescentou, antes de misturar-se à multidão, afastando-se dele. Pela primeira vez, desejou nunca ter ido morar com a família de Poncho.

Manha de outono AyA - ADP (Finalizada)Onde histórias criam vida. Descubra agora