Capítulo 8

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Ela encarou o rosto de um estranho, e sentiu a voz embargada.
- Poncho, você jamais iria... - Irrompeu em lágrimas, assustada com o que lia nos olhos escuros dele.
Ele se moveu, comprimindo Anahi contra a porta com seu corpo enorme e ardente. Ela sentiu a pressão daquelas coxas fortes e poderosas, o cinto de metal contra a barriga. Ouviu o farfalhar do atrito entre os tecidos, enquanto as mãos de seu guardião tomavam as suas para amainar sua resistência.
- Não faria? - rosnou ele, lançando um olhar para os lábios trêmulos de Anahi.
Impressionada com o rosto escuro e leonino daquele homem, tão próximo ao seu, ela o encarou desamparada até que ele repentinamente cobriu-lhe a boca com os lábios, forçando-lhe a cabeça sob uma pressão impiedosa. Ela manteve os lábios firmemente fechados; o corpo trêmulo, sentindo um medo súbito do que Poncho lhe solicitava. Ela enrijeceu-se, lutando instintivamente, enquanto ele pressionava os lábios contra sua boca, escravizando-a mordiscando dolorosamente seus lábios inferiores.
Um soluço irrompeu-lhe da garganta apertada, enquanto abria espaço para o implacável, ardor daquele homem experiente. Nada do que havia experimentado antes a preparara para aquela paixão adulta que sentia por Poncho. E aquela paixão produziu uma reação que mesclava medo e choque dentro dela. Não era um namorado provocando seus sentidos.
Era Poncho. O Poncho que a havia ensinado a cavalgar. O Poncho que a havia levado para as aulas de líder de torcida e jogos de futebol americano com sua amiga Nan. Poncho, um homem confiante, um protetor e agora...
Ele ergueu o rosto subitamente, examinando os danos que causara aos lábios inchados e machucados de Anahi. Ela estava com os olhos feridos, as faces arisca-mente ruborizadas e os cabelos desgrenhados.
- Você está me machucando - sussurrou ela, nervosa. Então, enfiou os dedos por dentro dos cabelos soltos, para ajeitá-los, com lágrimas escorrendo-lhe dos olhos.
Os olhos de Poncho pareceram enrijecer-se ao encará-la. Sua respiração tornou-se intensa e rápida. Os olhos cintilavam, revelando sentimentos incomensuráveis.
- Isso é o que acontece quando você joga esse adorável corpinho para cima de mim - declarou ele com voz cortante. - Avisei antes que você começasse a exibi-lo, mas não me deu ouvidos. Talvez eu tenha finalmente conseguido fazê-la entender.
Ela inspirou soluçante, emitindo um som que pareceu perturbá-lo. Os olhos dele suavizaram-se, apenas ligeiramente, enquanto vagavam pelo rosto daquela mulher.
- Deixe-me ir, Poncho implorou ela, num sussurro trêmulo. Prometo que vou vestir apenas farrapos fechados para o resto da vida!
As sobrancelhas pesadas de Poncho arquearam-se, unidas, e ele largou os braços dela, apoiando as mãos sobre cada lado de suas faces contra a porta, pressionando-a para que ela sentisse a força de seu peito e suas coxas vigorosas.
- Está com medo? - perguntou com a voz grave e indolente.
Anahi engoliu em seco, assentindo, hipnotizada por aquele olhar.
Ele pousou os olhos sobre aqueles lábios inchados e feridos e baixou a cabeça na direção dela mais uma vez. Ela sentiu uma língua acariciando-lhe a boca delicadamente, curando-a e atormentando-a. Soluçou mais uma vez, mas agora não de dor.
Ele afastou a cabeça e prendeu seu olhar ao dela. Deparou-se com uma expressão de curiosidade e incerteza. Ela sentiu a sinceridade dos olhos de Poncho e viu o fôlego esvaindo-se de seu corpo. O coração acelerava com a intensidade daquele momento. Subitamente, desejou trazer aquela boca para junto de si, para senti-la novamente. Abrir os lábios de Poncho e sentir seu gosto. Beijá-Io voraz e intensamente e sentir aquele corpo contra o seu como antes, mas, desta vez, sem raiva.
O queixo de Poncho enrijeceu-se. Seus olhos pareciam explodir em luz e escuridão.
Então, de repente, soltou-a, afastou-se dela e retornou ao bar. Serviu-se de outra dose de uísque, encheu um copo de conhaque para ela e dirigiu-se à porta, onde ela se encontrava, dura como gelo. Estendeu a mão e lhe entregou o drinque.
Sem dizer uma palavra, ele tomou a mão dela e puxou-a para a mesa. Ao encostar no móvel, ele se deteve, segurando Anahi diante de si, enquanto ela bebericava, nervosa, o forte líquido âmbar.
Ele bebeu o drinque de uma só vez, afastando o próprio copo, e, em seguida, o dela.
Estendeu os braços para tomá-la pela cintura e trazê-la para junto de si com delicadeza. Ele encarou as faces ruborizadas de Anahi durante um momento e disse, num ímpeto silencioso, pleno de emoções:
- Não pense demais - declarou ele, num tom que a fez lembrar da infância. A voz gentil de Poncho a acalmava quando sentia seu mundo desabar - As táticas podem ter sido diferentes, mas foi apenas uma discussão. Chega.
Ela deixou transparecer uma calma que não sentia, e parte da tensão se dissipou de seu corpo ainda em choque.
- Isso não parece um pedido de desculpas - retrucou ela, lançando-lhe um olhar tímido.
Poncho arqueou a sobrancelha.
- Mas não vou me desculpar. Você que pediu isso, Anahi, e sabe muito bem disso.
Ela suspirou trêmula.
- Eu sei.
Com os olhos, ela percorreu as linhas poderosas do seu peito.
- Não quis dizer o que disse.
- A única coisa que você precisa lembrar, meu anjinho - disse ele, indulgente, - é que a luta verbal faz o sangue de um homem ferver. Você pode me provocar sem se dar conta. Está me escutando?
- Estou. - Os olhos escuros e curiosos a encararam por um instante - Não pensei que você... ela se interrompeu, tentando encontrar as palavras.
- Não temos o mesmo sangue, não precisamos que você se proteja de mim, Any - declarou ele num tom grave e tranqüilo - Não estou ficando maluco e reajo Como qualquer homem normal quando vê uma mulher em um vestido tão decotado. Christopher também poderia ter perdido a cabeça da mesma forma - acrescentou, áspero.
Ela sentiu o coração agitado e segurou a respiração.
- Talvez - sussurrou - Mas ele teria sido... gentil, acho.
Poncho não quis discutir a questão. Sua mão quente e grande erguera o rosto dela diante de seus olhos - Uma outra diferença entre mim e Christopher, Any, é que não sou um amante gentil. Gosto de mulheres experientes.
- Elas cobram o dobro do honorário? - indagou ela com um quê de petulância e um sorriso oblíquo, tocando cuidadosamente em seus lábios feridos com as pontas dos dedos.
Os lábios de Poncho ficaram mais protuberantes e seus olhos cintilaram. Era como se nunca houvesse vivenciado uma cena tão alienante.
- Isso funciona em mão dupla, querida - respondeu ele, pensativo - Algumas mulheres teriam devolvido o elogio, com interesse.
Ela o encarou no fundo dos olhos. Isso está começando a ficar interessante, pensou ela, atordoada.
- As mulheres mordem os homens? - perguntou, num suspiro, como se fosse um tema impróprio para ouvidos decentes.
- Mordem - respondeu ele, também em sussurro.
- E agarram e gritam como carpideiras.
- Não quis dizer depois - retificou ela - quis dizer, quando... é, deixa para lá, você só quer zombar de mim. Pergunto para o Christopher.
Ele riu baixinho.
- Você realmente acha que ele já sentiu esse tipo de paixão? - indagou.
Ela franziu o cenho.
- Ele é homem.
- Os homens são diferentes - ele a lembrou. E baixando os olhos para os lábios dela, continuou. - Coitadinha, eu machuquei você, não? - perguntou, gentil.
Ela se afastou e ele a soltou.
- Tudo bem - murmurou Anahi - Como você disse, fui eu que pedi por isso - Ela desviou o olhar de Pincho - Você é muito sofisticado.
- E você uma menininha deliciosa - retrucou ele.
- Não queria ter sido tão violento, mas queria mostrar como você é capaz de provocar um homem com um vestido desses - Ele sorriu, seco - Meu ponto de ebulição é baixo, Any, e eu avisei.
- Não achei que estivesse falando sério - declarou ela, com um suspiro.
Poncho varreu Anahi com os olhos.
- Agora você já sabe.
- E sei muito bem - concordou ela. Ao virar-se para sair, quase derrubou o inestimável vaso de porcelana de Maude sobre a mesa de mármore - Vou devolver todos os vestidos que comprei, antes que seja tarde.
- Any, não seja ridícula - repreendeu ele - Você entendeu o que eu quis dizer. Não quero que saia por aí com decotes que vão até a cintura, só isso. Ainda é jovem demais para perceber no que está se metendo.
Ela se dirigiu à porta, toda digna de si e com a postura tão perfeita que até a Mademoiselle Devres a teria ovacionado.
- Não sou mais criança, Poncho, sou?
Ele virou-se de costas, inclinando a cabeça e acendendo um cigarro com mãos firmes.
- A que horas o tal do escritor chega aqui? - Ela soluçou, nervosa e hesitante.
- Amanhã de manhã.
Observou-o caminhar até a janela e abrir a cortina para olhar para fora. Suas costas largas a encaravam e, de súbito, ela se recordou do aconchego e da sensualidade das palmas das mãos daquele homem.
- Não vai me pedir para cancelar o compromisso de novo, vai? - perguntou ela, testando-o, sentindo um arrepio de medo e excitação percorrer seu corpo.
Ele a fitou do outro lado do cômodo durante um tempo e, finalmente, respondeu:
- Ao menos não vou ter de me preocupar com você fugindo, sorrateiramente para a convenção com ele, enquanto ele estiver sob o meu teto - afirmou, indiferente. E ele teria o caminho livre para seduzi-la, pelo que vi hoje.
Os olhos de Any o metralharam.
- Isso é o que você pensa! - gritou.
Ele apenas riu, gentil e sensual.
- Antes de você sair, agarrada ao peito nu e atraente dele, lembre-se de que não fui eu que tentei seduzi-la. Você já deve ter percebido que adolescentes safadas não são o meu tipo. Não que você se encaixe nessa categoria - acrescentou ele, com um riso sarcástico - Ainda falta muito para você ser uma mulher de 21 anos.
Essa doeu, doeu muito mais do que o sabor arrasador de tê-lo como amante.
- Larry não concorda com isso - informou-lhe.
Ele havia levado o cigarro à boca rígida, seus olhos rindo de Any.
- Se eu tivesse a experiência limitada dele, também concordaria com ele menosprezou-a.
Aquela declaração deixou Anahi desconfiada.
- E o que você sabe sobre as experiências dele? - Ele a estudou por um longo e estático silêncio.
- Você achou mesmo que eu ia deixá-la ir para Creta com ele e aquela irmã irresponsável sem investigar quem são essas pessoas?
O rosto de Any enrubesceu de ódio.
- Não confia em mim mesmo, não é?
- Muito pelo contrário. Confio totalmente. Não confio é nos homens - afirmou, arrogante.
- Você não é o meu dono - gritou ela, enfurecida com aquela certeza serena.
- Vá dormir antes de me tirar do sério outra vez.
- Com todo o prazer - retrucou ela.
Saiu pela porta sem nem mesmo desejar boa-noite e passou metade da noite sem conseguir dormir.

Aquela noite, os sonhos de Any foram invadidos por Poncho. E, quando acordou com o estrondo do trovão e o barulho da chuva, tinha em mente a imagem vivida de si mesma naqueles enormes braços e aquela boca ardendo em sua pele. Aqueles pensamentos eram tão embaraçosos que a atrasaram para o café. Achava que não ia conseguir encarar Poncho sem trair as suas emoções e se entregar.
Mas suas preocupações eram infundadas. Poncho já havia ido para o escritório quando Anahi desceu as escadas e deparou-se com Vivian, sozinha à mesa do café.
- Bom dia - cumprimentou Vivian, educada. Suas feições louras e delicadas estavam ressaltadas pela blusa e saia amarelas. Parecia magra e ultra-elegante. Ela mirou a calça jeans e o suéter branco de gola rulê com desgosto.
- Você não acredita em moda, não é?
- Na minha própria casa, não - respondeu, apanhando o creme para acrescentar sobre seu café fumegante. A sra. Johnson entrava e saía da cozinha, trazendo mais das formidáveis louças para a mesa.
Vivian a observou colocar duas colheres de açúcar no café.
- E também não conta calorias, não é mesmo? - divertiu-se.
- Não preciso - respondeu Anahi, tranqüila, sem deixar transparecer sua irritação - Por onde andam Maude, Christopher e Dick Leeds?
Vivian a observou erguer a xícara até a boca e, com olhos de águia, deteve-se no machucado de seu lábio inferior, que palpitava levemente esta manhã, um doloroso lembrete da chocante intimidade que tivera com Poncho. Os olhos apertados da loura cravaram-se no prato de Any ao ver ovos mexidos.
- Você e Poncho ainda ficaram muito tempo aqui embaixo ontem à noite - disse em tom de conversa.
- Tínhamos assuntos para resolver - murmurou Anahi, odiando perceber que aquela lembrança a atormentava novamente. Estava sendo forçada a ver Poncho de uma maneira totalmente nova, e não sabia ao certo se era isso que desejava. Agora, temia-o mais do que nunca: um medo delicioso e efêmero que acelerava seu pulso somente ao imaginar aquela boca dominando-a. Como teria sido, perguntava-se, relutava em imaginar, se ele não tivesse se enfurecido...
- Você deve ter sentido a falta de Poncho hoje de manhã - comentou Vivian com os olhos estranhamente desconfiados e monitorando Anahi, que se servia de ovos e presunto. Ele me pediu para descer assim que o despertador tocasse para que tomássemos café juntos.
- Que simpático.
Anahi estava de cabeça baixa e não viu o sorriso malicioso que se formou nos lábios de Vivian.
- Ele estava louco para sair antes que você descesse - continuou com a voz fria e baixa - Acho que está com medo de que você tenha interpretado com exagero o que aconteceu ontem à noite.
O garfo de Anahi pesou sobre os dedos, colidindo fortemente com o prato de porcelana e produzindo um som alto e tilintante. Anahi ergueu o olhar, espantada.
- O quê? Ele disse isso? - perguntou, incrédula. Vivian era a imagem da sofisticação.
- Claro, querida. Estava eriçado de remorsos e deixei que desabafasse. Foi o vestido, claro. Poncho é homem demais para não se deixar provocar por uma mulher seminua.
- Eu não estava...!
- Ele faz sexo muito bem, não acha - perguntou Vivian com um sorriso dissimulado. - É um amante tão vivo, tão atencioso e excitante.
O rosto de Anahi estava roxo. Ela tomou um gole de café, ignorando a temperatura da bebida.
- Você entende que isso não pode voltar a acontecer? - perguntou a mulher gentilmente, sorrindo para Anahi. - Agora entendo por que Poncho não contou para você a verdadeira razão de eu ter vindo para cá com meu pai, mas... - Ela se interrompeu no meio da frase, insinuante.
Anahi a fitou, sentindo seu mundinho seguro desabar à sua volta. Era como se estivesse sendo enterrada viva. Mal conseguia respirar, sentia-se sufocada.
- Você quer dizer que...
- Se Poncho ainda não contou, não vou contar. Ele não queria anunciar a notícia logo. Não até que sua família me conhecesse.
Anahi não conseguia assimilar as palavras. Então era isso. Finalmente Poncho decidira
se casar com aqueIa perua loura. E, depois de ontem à noite, ela chegou a pensar que...
Cerrou o rosto. O que importava agora? Poncho sempre havia sido como um irmão, apesar do ardor violento da noite passada. E, segundo ele, aquilo fora apenas para adverti-la. Ele receava que ela interpretasse demais? Ele ia ver só!
Vivian, presenciando o olhar de desespero estampado no rosto da jovem, cobriu o
sorriso com a xícara de café que bebia.
- Vejo que entendeu. Não vai contar nada para Poncho sobre o que eu disse, certo? Ele
ficaria tão bravo comigo...
- Claro que não - respondeu Anahi, em voz baixa. - Meus parabéns.
Vivian sorriu docemente.
- Espero que nos tornemos grandes amigas. E esqueça o que aconteceu com Poncho. Ele
também só quer esquecer. Afinal de contas, foi apenas uma distração, nada para se levar a sério.
"Claro que não" pensou Anahi, sentindo-se repentinamente vazia. Forçou um sorriso,
mas, felizmente, o resto da família chegou naquele momento e ela conseguiu enterrar a tristeza na conversa.

Manha de outono AyA - ADP (Finalizada)Onde histórias criam vida. Descubra agora