Capítulo 4

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Quando chegaram, a casa estava tranqüila. Maude suspirou, genuinamente aliviada.
- Até o momento, tudo está indo bem - disse, sorrindo para Anahi e Christopher - Agora, vamos fazer silêncio ao subir...
- Por que vocês estão fazendo tanto silêncio? - perguntou uma voz profunda e irritada. Anahi sentiu todas as resoluções que tomara enfraquecerem, quando virou-se e encontrou-se diretamente com os olhos negros e zangados de Poncho.
Ela baixou o olhar. O coração batia forte dentro do peito, enquanto escutava Maude explicando por que os três estavam tão silenciosos.
- Sabíamos que você estaria cansado, querido - disse ela gentilmente.
- Cansado que nada! - disse, segurando um copo com um líquido amarelo-escuro e bebendo tudo num só gole. Olhou para Anahi. - Vocês estavam a par de minha briga com Anahi.
- Ela estava sob os efeitos do ponche, Poncho - revelou Christopher, sorrindo - Estava anunciando sua independência e preparando uma revolução sagrada.
- Por favor, cale a boca - conseguiu pronunciar Anahi, em um sussurro torturante.
- Mas, querida, você estava tão corajosa na casa dos Barrington - repreendeu Christopher. Não quer ser uma mártir da liberdade?
- Não. Isso está me enojando - corrigiu ela, engolindo em seco. Olhou para o rosto duro de Poncho. De repente, todas aquelas palavras ásperas voltaram e ela desejou fervorosamente ter aceitado o convite de Nan para passar a noite em sua casa.
Distraído, Poncho brincou com o líquido amarelo que havia sobrado no copo - Boa noite, mãe, Chris.
Ao se encaminhar para a escada, seguida por Christopher, Maude lançou um olhar de desculpas para Anahi.
- Você não prefere discutir sobre a fusão com a empresa Banes? - Christopher sorriu para Poncho - Seria muito mais simples.
- Não me abandonem - urgiu Anahi.
- Foi você quem declarou guerra, querida - respondeu Christopher - E eu acredito na política de não-interferência.
Ela apertou as mãos, tremendo debaixo de seu casaco de pele, apesar do calor da casa e do fogo nos olhos de Poncho.
- Bem, vá em frente - murmurou ela, deixando os olhos caírem para a gola aberta da camisa de seda dele - Você já me atacou uma vez, pode arrancar o meu braço.
Ela riu delicadamente e o fitou, surpreendendo-se ao ver divertimento em seus olhos.
- Venha até aqui conversar comigo - disse ele, virando-se para guiá-la até seu escritório. Hunter, o cachorro de porte grande, levantou e abanou o rabo. Poncho afagou-o carinhosamente enquanto se sentava no braço da poltrona, perto da lareira.
Anahi ocupou a cadeira diante dele, observando distraidamente a madeira empilhada no chão.
- O papai costumava usar essa lenha - lembrou ela, referindo-se afetuosamente ao pai de Poncho, embora ele fosse apenas um primo distante. Ele era como o pai que ela havia perdido.
- Também costumo usar, quando preciso me esquentar. Mas hoje não está tão frio respondeu ele.
Ela analisou aquele corpo grande e bruto e se perguntou se ele jamais sentia frio. Seu corpo parecia irradiar calor, como se houvesse uma fogueira ardendo debaixo daquela pele morena.
Poncho bebericou sua bebida e entrelaçou as mãos atrás da cabeça. Seus olhos verdes pregaram Anahi à cadeira.
- Por que você não tira esse casaco logo, em vez de parecer que está dez minutos atrasada para algum compromisso?
- Estou com frio, Poncho - murmurou ela.
- Então, aumente o termostato.
- Não vou ficar aqui por tanto tempo, vou? - perguntou, esperançosa. Aqueles olhos escuros e tranqüilos analisaram minuciosamente a pele suave e rosada que aquele vestido branco revelava, fazendo-a se sentir jovem e incômoda.
- É necessário me olhar dessa maneira? - perguntou, inquieta, brincando com a barra do vestido.
Ele tirou o maço de cigarro do bolso e, lentamente, acendeu um.
- Que revolução é essa? - perguntou, com naturalidade.
Ela piscou.
- Ah, isso que o Chris disse? - perguntou, engolindo em seco. - Eu só... - Ele riu.
- Anahi, não consigo me lembrar de nenhuma conversa com você em que não tenha gaguejado.
Ela contraiu os lábios.
- Não gaguejaria se não me bombardeasse sempre que tem oportunidade.
Ele ergueu a sobrancelha escura. Parecia completamente tranqüilo, imperturbável. Tal postura a irritava, e a levava a se perguntar se não havia algo que o descontrolasse, o tirasse do sério.
- Eu a bombardeio?
- Você sabe muito bem disso - Ela analisou as linhas duras de seu rosto, reparando em sua exaustão - Você está muito cansado, não? - perguntou, de repente, calorosa.
Ele deu uma tragada.
- Estou morto admitiu.
- Então, por que não vai dormir? - indagou.
Ele a analisou calmamente.
- Não queria ter estragado sua festa - Aquela ternura familiar em sua voz despertou certo aborrecimento, e ela tentou não fitá-lo.
- Tudo bem.
- Não, não está tudo bem. - Ele jogou as cinzas no cinzeiro, ao lado da poltrona. Suspirou profundamente, aliviando o peito - Any, acabei de terminar um relacionamento. Essa mulher não me deixa em paz e, quando você disse aquelas coisas, eu exagerei - Ele deu de ombros - Tenho estado bastante irritado, ou, do contrário, não teria dito tais palavras - Ela deu um breve sorriso.
- Você a amava? perguntou gentilmente. Ele explodiu em risadas.
- Não seja infantil. Preciso amar uma mulher para levá-la para cama?
As bochechas dela ruborizaram, deixando-a com um nó na garganta.
- Não sei - admitiu.
- Não - disse ele, com o sorriso desaparecendo - Acho que não. Eu acreditava em amor, quando tinha a sua idade.
- Cínico - acusou-o. Ele apagou o cigarro.
- Culpado. Descobri que o sexo é melhor sem a barreira emocional.
Ela baixou os olhos, mortificada, tentando não ver o divertimento profano no rosto dele.
- Está envergonhada, Any? - repreendeu-a - Achei que tivesse amadurecido depois da
experiência com Harris.
Ao fitá-lo, lançou-lhe chamas azuladas.
- Temos de discutir isso de novo? - perguntou.
- Não, se você aprendeu algo com esse episódio. Ele olhou para o vestido - Mas tenho minhas dúvidas. Você está usando algo por baixo dessa maldita camisola?
- Poncho - explodiu ela - Não é uma camisola!
- Mas parece.
- É o estilo. Ele a fitou.
- Em Paris, a moda é um colete aberto, sem nada por baixo.
Furiosa, ela jogou o cabelo para trás.
- Se eu morasse em Paris, seguiria a moda. - Ele limitou-se a sorrir.
- Seguiria? - Poncho fitou-a novamente, concentrando-se no decote, despertando sensações estranhas nela. - Será?
Ela segurou as mãos, pousando-as em seu colo. Sentia-se humilhada e desprezada.
- Sobre o que você queria falar comigo, Poncho? - perguntou.
- Convidei algumas pessoas para nos visitarem. Ela se lembrou do convite que fizera a Lawrence Donavan e conteve a respiração.
- Quem? - perguntou educadamente.
- Dick Leeds e a filha dele, Vivian. Eles vão passar uma semana aqui, enquanto eu e Dick resolvemos esse problema trabalhista. Ele é o chefe do sindicato que está nos dando toda essa dor de cabeça.
- E a filha dele? - perguntou, detestando-se pela própria curiosidade.
- É loura e sensual.
Ela o fitou.
- Do jeito que você gosta - devolveu. Com ênfase no sensual.
Ele a observou, divertindo-se em silêncio. Estava tão furiosa que seria capaz de jogar algo nele.
- Bem, espero que você não pense que vou ajudar Maude a entretê-la - disse - Porque também vou receber um convidado.
Alertas de perigo irradiavam daqueles olhos escuros.
- Que convidado? - perguntou resumidamente.
Ela ergueu o queixo, com coragem - Lawrence Donavan.
Algo explodiu no rosto dele.
- Na minha casa, não - disse, num tom cortante.
- Mas, Poncho, já o convidei - queixou-se.
- Você me escutou. Se não quisesse passar vergonha, devia ter me consultado antes acrescentou secamente. Como ia agir, Anahi? Encontrá-lo no aeroporto e só depois me contar?
Ela não conseguia encará-lo.
- Mais ou menos isso.
- Ligue para ele e diga que houve um imprevisto - Ela levantou os olhos e fitou-o. Poncho estava sentado com uma pose de conquistador, mandando na vida dela. Se ela cedesse, nunca mais seria capaz de enfrentá-lo. Nunca. Não podia deixá-lo vencer dessa vez. Contraiu o maxilar, teimosa.
- Não.
Ele se levantou lentamente, com delicadeza para um homem tão grande. Aqueles ombros largos a intimidavam, mesmo sem ver seus olhos firmes e intensos.
- O que disse? - perguntou em um tom suavemente falso.
Ela entrelaçou os dedos, indiferente.
- Eu disse não - repetiu, com a voz áspera. Seus olhos azuis o atraíam. - Poncho, essa casa é minha também. No mínimo, passou a ser depois que você me convidou para morar aqui - ela o relembrou.
- Não disse que você podia usar essa casa para encontros românticos!
- Você traz mulheres para cá - devolveu ela, relembrando, com angústia, a noite em que, depois de chegar em casa mais cedo que o previsto, acidentalmente encontrou Jéssica King e ele sentados nas mesmas cadeiras em que se encontravam agora. Jéssica estava nua até a cintura, e Poncho também. Anahi quase não reparara na loura. Seus olhos estavam enfeitiçados pela visão do peito nu e forte de Poncho, explorado pelas mãos daquela mulher. Depois disso, não conseguira tirar essa imagem da cabeça; aquela boca sensual, aqueles olhos enegrecidos pelo desejo...
- Trazia - corrigiu ele gentilmente, lendo o pensamento dela com uma precisão perturbadora. - Quantos anos você tinha naquela época? Quinze?
Ela assentiu, desviando os olhos.
- Só isso.
- E gritei com você, não? - relembrou - Não esperava que você chegasse em casa tão cedo. Estava ansioso, impaciente e frustrado. Quando levei Jéssica para casa, ela estava chorando.
- Eu não devia ter entrado sem bater - arrependeu-se - Mas tínhamos ido à festa do colégio, eu havia recebido um prêmio e mal podia esperar para lhe mostrar.
Ele sorriu calmamente.
-Você sempre vinha me falar de seus triunfos. Até aquela noite - Analisou a aversão que ela demonstrava. - Construiu uma parede entre nós desde então. No momento em que começo a me aproximar, arranja algum motivo para nos afastar. Da última vez, foi Jack Harris. Agora é esse escritor.
- Não estou tentando construir nenhuma parede - disse, na defensiva. Seus olhos o acusavam. - É você que não me deixa ser independente.
- O que quer? - perguntou ele.
Ela analisava os detalhes cuidadosos da lareira, em tons bege e branco.
- Não sei - murmurou. - Mas nunca vou descobrir se continuar me sufocando. Quero ser livre, Poncho.
- Nenhum de nós é livre - disse, filosofando. Seus olhos estavam pensativos, seu tom, amargo. Ele a encarou intensamente. - O que a atrai em Donavan? - indagou, de repente. Ela deu de ombros e um lampejo iluminou seus olhos.
- Ele é divertido e me faz rir.
- Isso é tudo o que procura em um homem, diversão?
A maneira como ele falou lançou-lhe arrepios pelo corpo. Quando Anahi o fitou, a
expressão em seu rosto era enigmática.
- O que mais posso querer? - perguntou sem pensar.
Um sorriso lento e sensual curvou os lábios dele.
- O fogo que um homem e uma mulher podem despertar ao fazer amor.
Sentindo-se incômoda, ela se mexeu na cadeira.
- Hoje em dia, isso é supervalorizado - disse, fingindo ser sofisticada.
Ele jogou a cabeça para trás e gargalhou.
- Silêncio! - Anahi repreendeu-o. - Assim, vai acordar a casa toda.
Ele deixou os dentes brancos à mostra, contrastando com sua pele morena.
- Está vermelha como uma beterraba - comentou. - O que entende de amor, menina? Seria capaz de desmaiar se um homem começasse a fazer amor com você.
Ela o fitava, ofendida.
- Como você sabe? Talvez Lawrence...
- Talvez não! - interrompeu ele, com olhos confiantes e sagazes. - Você ainda é virgem, Any. Se eu tivesse alguma dúvida quanto a isso, teria arrancado você de Creta tão rápido que nem teria percebido.
Ela fez careta.
- A virgindade não é nenhum prêmio hoje em dia - suspirou ela.
O silêncio dele durou tanto tempo que a atenção de Anahi voltou-se para o tique-taque do relógio de seu avô, pendurado na parede.
- Não comece a pensar em se livrar da sua - advertiu-a.
- Poncho, não seja tão antiquado - reclamou. - Afinal - acrescentou, com um sorriso travesso - como você estaria hoje se todas as mulheres do mundo fossem puras?
- Muito frustrado - admitiu. - Mas você não é uma das minhas mulheres, e não quero que se ofereça como uma ninfomaníaca.
Ela suspirou.
- Não corro esse risco - acrescentou, fazendo-se de boba - Não sei como fazer isso.
- Esse vestido é um bom começo. Ela olhou para baixo.
- Mas cobre meu corpo - protestou - É muito mais recatado do que o vestido de Nan.
- Reparei - disse ele, divertindo-se.
- Nan o considera o homem mais sensual da Terra. Ela sabia que o encontraria na festa.
As feições de Poncho endureceram.
- Nan é uma criança - resmungou, virando-se. - Sou muito velho para incentivar essa adoração heróica.
Nan tinha a mesma idade de Anahi. Ao ouvir aquilo, seu coração caiu num precipício e ela sentiu vontade de bater nele. Poncho sempre a fazia se sentir desajeitada e ignorante.
Fitou suas costas largas. Era muito bom olhar para ele. Poncho era grande e vibrante, cheio de vida. Um homem tranqüilo, carinhoso. Um déspota!
- Se não posso convidar Larry, acho que vou encontrá-lo no congresso de escritores.
Ele virou-se para fitá-la, intimidando-a.
- Está me ameaçando, Any? - perguntou.
- Não ousaria fazer isso - respondeu, com veemência.
Sua expressão era incompreensível.
- Depois, voltaremos a esse assunto. - Fitou-o, zangada.
- Tirano - resmungou.
- Isso é o melhor que você tem?
- Chauvinista! - disse, tentando novamente - Você me irrita, Poncho.
Ele se aproximou lentamente.
- O que acha que faz comigo, Anahi? - rosnou. Ela olhou para seu rosto arrogante, ele estava muito próximo.
- Devo irritá-lo na mesma medida - admitiu, suspirando - Paz?
Ele sorriu para ela, indulgente.
- Paz. Venha aqui.
Poncho segurou o queixo dela e ergueu seu rosto. Anahi fechou os olhos, esperando o toque breve e familiar daquela boca. Mas não sentiu nada.
Confusa, abriu os olhos e fitou-o, a uma distância debilitante. Estava tão perto que podia ver as manchas douradas em sua íris castanha e as pequenas linhas que se formavam no canto dos olhos.
Ele tocou no pescoço dela, acariciando-a calorosamente.
- Poncho? - sussurrou, insegura.
Ele contraiu o maxilar. Ela pôde ver o músculo enrijecendo-se por baixo daquela boca sensual.
- Bem-vinda, Any - disse asperamente, começando a se afastar.
- Você não vai me dar um beijo? - ela perguntou, sem pensar.
Ele ficou totalmente sem expressão. Apenas seus olhos ardiam lentamente enquanto a fitava
- Está tarde - disse abruptamente, virando-se - E estou cansado. Boa noite, Any.
Ele saiu e deixou-a ali, parada, olhando para o vazio.

Manha de outono AyA - ADP (Finalizada)Onde histórias criam vida. Descubra agora