Janeiro de 1966, Sítio do Pica-Pau Amarelo, próximo ao Arraial dos Tucanos. Benta, Nastácia e as meninas, enfim, se mudam para o sítio, chegando lá ainda na parte da manhã. São recebidas por Barnabé, que lhes apresenta a esposa Judite. Benta não a conhecera em sua última visita ao sítio. Barnabé apenas a mencionara por alto, explicando que a esposa estava visitando uma das irmãs dela. Antonica e Maria Emília correm, serelepes, pelo terreno do lugar, gritando de alegria e rindo, extasiadas com a vastidão de verde. Benta e Nastácia olham ao redor, admirando a beleza do lugar. Nastácia, que ainda não conhecia o sítio, se mostra ainda mais encantada, abrindo os braços para o sol e o vento.
– Mas esse lugar é lindo, Benta!
Pelo resto da manhã, as recém-chegadas organizam seus pertences na nova casa. Benta e Nastácia dividem um dos quartos, enquanto as meninas ficam com outro. Benta coloca, na estante da sala, os livros que trouxera. Romances, dicionários, livros de mitologia, livros didáticos. Com ajuda de Benta, Nastácia prepara o almoço.
À tarde, Barnabé leva Benta, Nastácia e as crianças para conhecer o Arraial dos Tucanos. O ponto mais movimentado é a grande praça central, no meio da qual se encontra a igreja do lugar. Alguns metros à frente da porta da igreja, um coreto azul e branco chama atenção por estar decorado com bandeirolas coloridas. Em volta da praça, arbustos podados de forma retilínea se assemelham a um pequeno muro verde. Em seguida, a prefeitura, a delegacia e estabelecimento comercial, com destaque para a Venda do Elias. Barnabé as apresenta ao proprietário, Elias, um turco de cerca de trinta anos, que lhes conta sua história. Seu sotaque é mistura um pouco de turco e de baiano, resultando numa combinação curiosa.
Na venda, há de tudo um pouco. Utensílios de cozinha, cosméticos, ferramentas, artigos de papelaria e muito mais. Bobs de cabelo, escorredor de macarrão, martelo, cadernos, esmalte de unha, ímãs, molas, canetas, bilhetes de loteria, chaves de fenda, frigideiras, bolas de gude, couro para pandeiro. Tudo junto e misturado. No canto direito do balcão, um porta-rolos de ferro e madeira com um rolo de papel de embrulho, de cor esmaecida e aparentando ser áspero.
– Babel d'imbrulho bode ser fuleiro, mas mercadoria é boa!
– O senhor tem algum critério de separação e classificação de mercadorias, Seu Elias?
– Sim. Ordem alfabética. Em turco.
Benta ri e conta que acabara de se mudar para os arredores. Elias se oferece para contar sua história. Benta, curiosa e motivada pela mesma avidez por aprendizado que a levara a ler e lecionar, decide ouvir.
Elias conta que viera da Turquia ainda criança, com os pais. Estabeleceram-se em Ilhéus, na Bahia, onde vivia Nacib, tio de Elias. Alguns anos depois, com o falecimento de Nacib e o declínio da economia cacaueira na Bahia, a família (incluindo Gabriela, a viúva de Nacib, e os filhos do casal, Farid e Fátima) decidiu se mudar para o interior de São Paulo, vivendo por dois anos no centro urbano de Taubaté até se mudar para o Arraial dos Tucanos. Elias e Gabriela acabaram se apaixonando e se casando, o que causou alguma controvérsia e falatório, por conta da diferença de idade (ela é cerca de trinta anos mais velha que ele). A solidez do relacionamento, entretanto fez dissipar tais reações e as pessoas acabaram por se acostumar (a simpatia de Gabriela ajudou, bem como a sua ótima mão para culinária, que cativa as pessoas pelo estômago).
Na manhã seguinte, após o café, Nastácia decide explorar o terreno do sítio mais detalhadamente. Ela circunda a casa da frente para os fundos, seguindo pelo pomar. Mangueira, macieira, laranjeira, jabuticabeira. O terreno é realmente fértil. Um pouco mais adiante, uma horta, cuidada por Barnabé. Salsa, cebolinha, alfavaca, hortelã, alface, cenoura.
Já um pouco fora dos limites do terreno, Nastácia descobre uma caverna e decide explorá-la. Na caverna, ela descobre um curso d'água. Deduz ser a mesma água que é captada pelo poço do sítio. O reflexo da luz solar no interior da caverna, combinado com a composição mineral do lugar, confere à água um brilho levemente azulado. Nas laterais do curso d'água, diversos cristais, alguns soltos. Nastácia se abaixa para observá-los mais de perto e se espanta ao ver fadas sorrindo nas faces dos cristais. O sobrenatural cruzara o caminho de Nastácia na infância dela, mas parecia ter se afastado há vários anos. E agora está de volta.
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Sítio do Picapau Amarelo: O início
FanfictionAntes de Pedrinho, de Narizinho, do sabugo Visconde e da boneca Emília. Esta história é uma prequel do Sítio como o conhecemos, adicionando alguns elementos e conexões, além de preencher algumas lacunas deixadas nas outras mídias: como Benta e Nastá...