03. O brilho dos olhos da Esmeralda.O sol ainda não iluminava as ruas de Nova Iorque e Aurora já estava acordada. Na ponta dos pés muito delicada fez o seu caminho até a cozinha rezando para não fazer o mínimo barulho que acordasse Ava, porque caso acontecesse seria algo trágico. Ava acordar antes do sol nascer? Ainda por cima ser acordada antes do sol nascer? É algo que não existe.
Posteriormente a aquecer o chá, pega na sua caneca e no prato com duas torradas cuidadosamente barradas com manteiga e faz o seu caminho até a varanda. Era a divisão favorita de Aurora, é um lugar acolhedor e permite-lhe observar toda a cidade sem que a cidade a observe a ela. As plantas nas paredes davam cor e o sofá com almofadas amarelas deixava Aurora feliz, tinha uma ligação estranha com a cor amarela, apesar de não morrer de amor por esta a mesma deixava-a feliz.
Aurora rezava para não deixar cair nada e fazia quase que uma atuação de equilibrismo ao sentar-se. Embrulha-se numa manta quente e saboreia os sabores do pequeno almoço, quando termina agarra-se ao livro com toda a alma e deixa-se deleitar pelas palavras do autor. Naquele momento era só ela e o mundo silencioso. Era um dos momentos em que Aurora em segredo não se sentia sem rumo na vida. Era como se o mundo lhe pertencesse exclusivamente e ninguém lho pudesse roubar.
Quando o primeiro raio de sol penetra as nuvens o céu pinta-se com tons arroxeados e a medida que Aurora beberica o chá e o acaba a cidade vai acordando.
O dia na biblioteca estava a ser calmo e Aurora lia um livro de poemas soltos quando o som do espanta-espíritos, dependurado na porta de entrada, a despertou. Ergueu a cabeça procurando com os olhos quem havia adentrado o espaço e para sua surpresa viu Esmeralda entrar. O seu rosto iluminou-se e não importava mais nada o dia seria bom independentemente do que acontecesse pois sempre que estava reunida com Esmeralda o dia era bom.
"Bom dia Rory!" - Esmeralda, a rapariga dos olhos verdes, sauda Aurora com o apelido carinhoso que só os mais próximos e a família usavam.
"Bom dia desaparecida!" - Riem e Esmeralda senta-se na frente de Aurora. "O que fazes aqui?"
"Precisava de um livro para um trabalho e também te queria ver." - Responde com um sorriso.
Aurora e Esmeralda eram amigas desde os velhos tempos do secundário. E que tempos loucos foram esses! Aurora apelidou-os de "golden days" porque de facto foram sim tempos de ouro. As amizades que se coseram durante aqueles três anos foram inesquecíveis de tão vivas e marcantes e mesmo que Aurora só tenha contacto com Esmeralda, ainda se lembra tão lucidamente de todas as outras como se fosse hoje que estivesse a viver o momento. Lembra-se dos dilemas que enfrentou do lado daquelas pessoas mas também de todos os momentos que aquecem o coração ao relembrar. Das loucuras e dos risos aos choros e aos gritos de desespero foram momentos que nem Esmeralda nem Aurora conseguiam deixar esquecer. Eram as duas demasiado nostálgicas para tal. E mesmo que tentassem sempre que estavam juntas iriam relembrar, ou pelo menos tentar, todos os segundos que passaram juntas naqueles anos.
Esmeralda ainda tinha o mesmo brilho no olhar desde o primeiro dia em que Aurora os viu. Era uma pessoa única de tão boa. Era uma alma pura e cheia de bondade, tinha um olhar com o brilho de um olhar de criança, uma luz inocente e selvagem ao mesmo tempo. E no rosto um sorriso sempre estavam plantado como que uma flor, não importava se a vida era difícil ou não tinha motivação para sair da cama e enfrentar a vida de cabeça erguida, Esmeralda tinha sempre um sorriso verdadeiro no rosto e um brilho mágico no olhar. E era isso que inspirava Aurora, era essa a lembrança que aparecia na sua mente em momentos menos bons, que até aí precisamos de sorrir e ver o lado positivo na vida, por muito utópico que seja era isso que Esmeralda ensinou Aurora a fazer.
"Tinha saudades de estar aqui." - Comenta Esmeralda enquanto Aurora procura na secção certa pelo livro que a amiga precisava. "A biblioteca é o hospital da mente humana."
"Concordo contigo Meri." - Diz tentando alcançar a estante do topo. "Não me imagino em outro lugar.
Já sinto que pertenço aqui." - Desabafa com a amiga ao mesmo tempo que desde da escada que ficava ligada as prateleiras e ajudava Aurora e alcançar as últimas estantes."Ainda estou a espera do dia em que virei ao lançamento do teu livro aqui."
"Seria um sonho. Mas não vai acontecer Esmeralda." - A ruiva encolhe os ombros desanimada.
"Não desistas do teu sonho. Tu tens um talento, um dom! O poder das tuas palavras é único. Não tens noção de quantas pessoas se tocariam pela tua escrita. Por mim Rory, não deixes isso morrer." - Súplica à amiga agarrando nas suas mãos.
"Meri eu não consigo escrever faz meses. Acho que já nem o sei fazer."
"Acredito que saibas e sempre o saberás fazer porque a escrita corre-te nas veias e é algo que nunca irás perder." - Oferece apoio acreditando verdadeiramente no talento da amiga.
"Obrigada Esmeralda. Prometo-te que um dia no futuro isso acontecerá mas não agora." - Ri.
"Eu vou aguardar esse dia enquanto fico a fazer
trabalhos para este raio de curso." - Esmeralda responde. "E quero um autógrafo e uma dedicatória elaborada!" - Exige num tom de brincadeira antes de abandonar o espaço.Depois da conversa com Esmeralda, Aurora não conseguiu para de pensar no assunto. Deveria ela voltar a escrever, Aurora desejava conseguir fazê-lo. Mas sempre que se sentava para acabar o livro as palavras fugiam-lhe da mente e a imaginação ficava tão seca como um deserto.
A medida que caminha de volta à casa deixa-se levar pelos seus pensamentos sobre o seu bloqueio criativo, que segundo as fontes na internet, apenas aconteciam aos verdadeiros artistas, mas ela não acreditava nisso. Não se achava uma artista. Era apenas alguém que arranjava as palavras em frases bonitas, as vezes escrevia alguma poesia mas era algo íntimo e não queria que o mundo a lê-se e a criticasse pois aquelas palavras eram os desabafos dela e só dela. Questionava-se como era possível existir pessoas que no mundo se conseguissem identificar com as palavras dela e que sentissem a mesma dor quando escrevia. Ou até mesmo como era possível que gostassem dos rascunhos dela?A mente de Aurora deixa-a perdida e sem rumo. Completamente desorientada. Rory deseja que a mente dela fica-se em silêncio por alguns segundos, que o silêncio que ela amava e vivia na biblioteca e ao amanhecer voltasse agora mesmo e a tranquilizasse. Deixa que um suspiro escape pelos seus lábios a medida que caminha, afunda as mãos nos bolsos do casaco a procura de mais calor e agora com o céu já escuro e com a cidade cheia de vida permite que da mesma forma que os tons arroxeados do amanhecer lhe dessem vida, as luzes de Nova Iorque o fizessem também na esperança que também lhe respondessem a todas as perguntas para as quais Aurora não encontrava resposta.
Talvez estivesse na altura de finalmente Aurora perceber que na vida não há resposta para todas as perguntas, mas sim, apenas viver com unhas e dentes.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Sobre Amor e Ser Adulto • Luke Hemmings
General FictionO amor é tudo aquilo que dissemos que não era. - Charles Bukowski