1 - Um dia como outro qualquer

49 6 0
                                    

Levantei-me naquela manhã, cansada mesmo após ter dormido muito e com dores pelo corpo. Nem me lembro mais a última vez que tive uma noite de descanso que se preze.
Ainda era quarta feira! Faltava muito pra domingo, único dia de folga da semana.
Caminho pelo meu "apertamento", chutando minhas bagunças caídas pelo chão, escovo os dentes, lavo o rosto, prendo os cabelos com o mesmo coque de sempre, e percebo que ainda não estou disposta a sair de casa, eu já sabia que o dia no mercado seria cheio e como sempre a vontade é só ficar apodrecendo em casa. Mas as contas não se pagam assim, então, não resta alternativa.

Desço as infinitas escadas daquele condomínio - Por quê não escolhi o que tinha elevador? Talvez por ser quinhentos reais mais caro. - atravesso a portaria sem fazer barulho pra não acordar o porteiro eficiente, e saio pra mais um dia de luta, contando os segundos pra voltar pra minha cama.

Depois de uma viagem cansativa de uma hora e meia de ônibus, entro no mercado pela porta dos funcionários e já ouço o doce som da minha vida me chamando.

- Gisele, você vai ficar na reposição pela manhã, e prepara o psicólogico porque estamos em poucos, não sei que virose é essa que atinge metade da equipe de uma vez, hoje vamos fazer de tudo um pouco! Bora meu povo, até dez da noite tem chão!

- Bom dia pra senhora também Dona Vilma... - respondi com ironia enquanto guardava minha mochila no armário.

- Reposição Gisele! - disse em alto tom, enquanto caminhava quase correndo na direção do banheiro.

Que saco! Eu odiava ficar na reposição, e sozinha então... A hora não passa, quanto mais produtos reponho, mais produtos aparecem nas caixas, parece que não tem fim, as vezes parece que ela faz isso comigo de propósito, minha supervisora me odeia, tenho certeza. Se pelo menos o Gabriel não fosse vítima da tal virose, ele sempre deixa os dias aqui mais suportáveis com as suas piadas e cantorias irritantes. Meu pensamento frustrado foi interrompido por uma voz tímida.

- Moça, com licença, você pode me dizer onde fica a sessão de doces? - Olho para baixo, de cima da escada, vejo uma menina que aparenta uns 8 anos no máximo, era tão linda que parecia uma boneca, olhos castanhos, cabelos longos e cacheados, e castanho como avelã, estava vestindo um macacão azul meio manchado, e com fitas amarelas ao invés de botões.

- Claro! Está logo a frente passando dois corredores. - apontei a direção.

- Você poderia me levar até lá? - disse ela com olhar "pidão".

- Olha eu estou meio ocupada - disse enquanto descia da escada - mas não tem erro é só seguir dois corredores à frente. - aponto novamente a direção.

- É que... eu não queria ir lá sozinha, preciso que alguém do mercado me ajude a escolher meu doce. - disse com tom apreensivo.

- E porque não pede para seus pais te ajudarem?

- Bom, é que eles não estão aqui. - disse sem olhar nos meus olhos.

- Tudo bem. Vou com você - cedi - mas tem que ser muito rápido tá bom?

- Obrigada moça! - disse com um sorriso agradecido e tímido.

Caminhamos pelo mercado sem dizer uma palavra, até a sessão de doces, e ao chegar lá, escolhemos com muito custo, o doce de goma que ela queria.

- Vem comigo até o caixa moça? Eu vou pagar minhas balas agora. - me chamou já puxando minha mão.

- Não querida, não posso, tenho que voltar ao meu trabalho. - parei me impulsionando na direção contrária.

- Vem comigo por favor? Só até eu pagar, depois eu não peço mais nada, nadinha! - disse ela quase com lágrimas nos olhos.

Não entendi aquela situação e tive que perguntar...

- Porque precisa tanto que eu vá com você?

- É que... se você não for comigo, eles vão dizer que estou roubando outra vez, e eu não estou roubando, olha aqui, eu tenho dinheiro dessa vez. - disse com olhar desesperado e quase chorando enquanto puxava umas moedas do bolso do macacão.

Fiquei sem reação, eu não gostava de crianças, eu não costumo ser uma pessoa doce nem sensível, mas naquele momento, senti meu coração menor que um caroço de feijão de tão apertado no meu peito.

- Vamos, eu vou até o caixa com você. Mas guarde as suas moedas, eu pago pra você. - juro que não entendi minha atitude.

- Mas porque? O meu dinheiro não dá pra pagar tudo? Eu posso devolver um...

- Não, não é isso. Eu só quero dar os doces de presente porque gostei de você. Use seu dinheiro pra outra coisa. - Ela abriu um sorriso tão grande e ficou com o rosto tão vermelho, que não pude conter meu olhar marejado, e um longo suspiro, expressão não muito comum pra mim. - Mas antes me diga, como você se chama?

- Me chamo Vitória.

- Muito prazer, Vitória! Meu nome é Gisele. Foi muito bom conhecer você.

Paguei os doces no caixa do supermercado, me despedi dela com um abraço e voltei ao meu trabalho pensando no que acabara de acontecer. Minha mente viajou tanto com tudo aquilo durante aquele dia, que nem vi a hora passar e a hora de ir pra casa chegou como num passe de mágica, enfim chegou a hora de voltar pra minha cama.

Refém Onde histórias criam vida. Descubra agora