O trabalho terminou e fui procurar pelo Bob.
Ele estava sentado na padaria comendo um hambúrguer. O jeito que ele olhava para o lanche era admirável.
— Oi, Gouvêa. — sentei-me na cadeira ao lado dele. — Demorei?
— Demais! Pensei que não iria sair nunca! — lamentou-se. Exagerado.
— Ah tá. — revirei os olhos. — Vamos passar na casa da Charlie ainda, ela disse que ia me emprestar uma fantasia.
— Tá. Já falou com o seu pai? — questionou com ironia.
Revirei os olhos.
— Não. Vou falar agora.
Alguns minutos se passaram até o carro do Edu, meu padrasto, aparecer. Ele estava de boné, com uma blusa branca pólo e bermuda jeans. Entramos silenciosos. Estava pensando num jeito de convencê-lo a passar na casa de Charllot.
— Edu, você poderia fazer um favor pra mim? — perguntei com cautela.
— Poderia. Não posso. — brincou.
— Estou falando sério. — protestei.— Vai ter uma festa a fantasia hoje. Minha amiga me ofereceu a dela. Só preciso pegar lá, é no caminho... — implorei.
Ele me olhou de soslaio. Parecia medir a situação.
— Onde é? — perguntou. — Se você for, precisa ser rápida. Vou trabalhar daqui a pouco.
— Vou ser mais rápida do que o flash! Prometo. — garanti.
Ele riu. Expliquei-lhe o caminho para o condomínio de Charlie e ele nos deixou na portaria.
— Volto daqui a 20 minutos! — arrastou o carro.
**********************************
— Liga pra ela aí. — apressou-me.
— Calma. — pedi.
Peguei o celular e procurei o número de Charllot na minha agenda.
Depois de alguns minutos, finalmente encontrei, liguei quatro vezes seguidas. Ninguém atendeu.— Você nunca foi na casa dela? — perguntei para Bob. — As vezes o celular tá sem sinal, sei lá. Tenta lembrar o número da rua.
— Já fui, mas não lembro. — respirou fundo. — Uma colega minha também mora aí. Acho que podemos falar com ela pra liberar nossa entrada. — sugeriu.
Explicamos a situação pro porteiro mas ele disse que só poderia liberar a nossa entrada se alguém de dentro permitisse.
— E agora? — perguntei para Bob, sentando na calçada em sinal de derrota.
Ele deu de ombros.
Um casal de idosos pediu licença para entrar e o portão abriu. Percebi que ele demorava um pouco pra fechar e quando o porteiro se distraiu, puxei Bob para dentro comigo. Acredito que o rapaz da portaria havia deixado mais tempo aberto de próposito, para nos ajudar. Agredeci-o mentalmente.
O condomínio era enorme e não fazíamos ideia de como chegar na casa de Charlie. Era um dia muito quente, sentia como se estivesse presa no inferno. Após certo tempo, já não aguentava mais andar, minha cabeça latejava. Tinha vontade de me jogar em qualquer canto para permanecer lá por toda a eternidade, ou pelo menos, até o fim da minha efêmera existência.
Olhava para o céu e via imagens distorcidas. Como se fosse algum tipo de pintura modernista. Observava os pássaros e os invejava. Gostaria de voar. Para o mais longe possível.— Aquela não é dona Fátima? — parou-me. — A mãe de Charlie? — apontou para uma mulher de meia idade abrindo o portão de casa. A semelhança entre ela e Charllot era inegável.
Suspirei aliviada. Aquela era casa.
— Boa tarde. Charlie está? —perguntei.
— Quem são vocês? — encarou-nos, desconfiada.
Eu e Bob nos entreolhamos.
— Somos amigos dela. — expliquei. Ela disse que tinha uma fantasia para me emprestar.
— Que fantasia?! — arregalou os olhos.
Ué, qual era o problema dela?
— Da mulher gato... — falei, sem jeito.
Ainda estava surpresa por não termos sidos convidados para entrar.
— Tudo bem. — balançou a cabeça. — Vou falar com ela aqui.
Olhamos por cima da mureta e observamos ela entrar e falar com a Charllot. Voltou minutos depois e mantendo uma certa distância, proferiu:
— Meninos, Charlie está muito cansada. Passou a noite numa festa ontem, não quero acordá-la.
—Ok. — falamos em uníssono.
Não existiam palavras para expressar a minha frustração. Havíamos andado mais do que Moisés para nada.
— Que merda. — reclamou Bob.
— Pois é. — concordei.
Voltamos para a portaria, como já sabíamos para onde íamos, o caminho pareceu mais curto. Meu pai já estava lá nos aguardando. Olhei o horário no celular e percebi que ultrapassamos o tempo.
— Estava quase largando vocês aí e indo embora. — admitiu. — Por isso que não gosto de fazer nada com você Sam. Eu falei vinte minutos e não uma hora. — advertiu.
Estava sem paciência para sermões. Eu sabia que estava errada mas não tinha feito por mal.
— A menina que me enrolou. Nem fantasia eu tenho agora! — reclamei.
— Só lamento por você... — ironizou, enquanto manusiava o volante em direção a nossa casa.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Amontoada
RandomAntes de ler este livro, irei te pedir para traçar uma linha imaginária, olhe atentamente para frente e imagine uma linha reta sem fim. Agora se imagine caminhando sem desviar da linha, até que seu olhar se perde e você avista uma pessoa. Sua linha...