Nos beijamos ali mesmo. Um beijo doce e cheio de promessas. Se eu pudesse sentir alguma coisa por toda a eternidade, seria o que estava sentindo naquela tarde de junho com aquele garoto esquisito. Gostaria de confiar naquele sentimento, mas havia algo nas palavras dele que parecia se esconder. Alguma coisa que eu não estava percebendo. Sentia como se os atos de Theo não fossem totalmente verdadeiros. Talvez aquele receio se manifestasse como fruto do meu subconsciente tentando me autosabotar, fazer com que aquela felicidade que eu estava sentido se esvaíssse. Contudo, não iria permitir tamanho descaso com aquelas doces borboletas que cresciam em mim. Como diria Shakespeare, não podia escolher como me sentia, mas poderia decidir o que fazer a respeito.
— Alguém mora nessa casa? — perguntou, desviando a minha atenção dele para a casa que mais parecia um mausoléu.
— Não. Os donos moram em Veneza, na Itália. Acho que já faz mais de vinte anos que não aparecem por aqui. — expliquei.
— Você nunca teve curiosidade para saber como é por dentro não? — sorriu, persuasivo.
— Você quer invadir a casa agora é? — fitei-o com descrença.
— Para falar a verdade, quero sim. — apertou os olhos, como se estivesse me desafiando a invadir também. — Ai Sam... Vamos lá!— suplicou.
— Invadir propriedades privadas é crime sabia? — balancei a cabeça. — Fora que, você quer entrar como? Vai quebrar as janelas?
— Ah meu amor, com isso você não precisa se preocupar. — garantiu, inflando-se. — Agora você vai conhecer o jeito Sarno de arrombar fechaduras. — pulou da cama elástica e cambaleou no gramado, parando numa pose de super herói extremamente cômica.
Agora eu estava entendendo o porquê de chamarem ele de maluco.
Theodore tirou um grampo do bolso e em menos de três minutos destrancou o portão.
— Voilà. — abriu a porta. — Venha. Primeiro as damas. — piscou.
Desci do pula-pula sem dificuldades. Encarei o garoto que eu tinha acabado de conhecer e me perguntei o que estava fazendo com a minha vida. Segui em frente e entrei na casa. Espirrei quando inalei a poeira do lugar. Estava completamente escuro. Tirei o celular do bolso e liguei a lanterna.
— Você não vêm? — chamei-o, olhando para trás.
— Claro. — ligou a lanterna do celular dele e passou na minha frente. — Que casa fantástica! — admirou, iluminando os grandes quadros pendurados nas paredes da sala. Aquela casa era mais antiga do que eu esperava.
— Verdade. — sorri. — Será que essas pessoas ainda estão vivas? — virei-me para uma pintura de 1970, retratava uma criança ruiva sentada num balanço.
— Ora, podem ser seus avós. — disse, puxando uma cortina grossa da janela e dando luz ao ambiente, o mofo fez meu nariz encolher.
Ajudei a abrir as outras janelas da sala e a casa perdeu um pouco do enigma. Ficou mais aconchegante. Era uma casa fantástica de verdade. Sarno segurou minha mão e me puxou em direção a uma grande escada. Subimos com cuidado, parecia que a cada degrau ficava mais frágil. Paramos. Entramos num quarto. De repente, uma sensação de pânico tomou conta de mim. Minha mãe sempre me falou para não confiar em estranhos. Seria aquela a hora da minha morte?
PARA DE SURTAR. ESTÁ TUDO BEM.
tranquilizou-me meu subconsciente.
— Eles parecem ter sido felizes aqui... — disse, pegando um porta-retrato em cima do criado mudo.
— É. — concordei, sentando-me na cama.
— O que foi? — analisou-me. — Você está bem? — apoiou os cotovelos na cama e colocou seu rosto entre as mãos, ajoelhou-se no chão na minha frente.
Fiquei em silêncio. Eu estava tão confusa. O que estava errado? O que me aflingia?
— Sam... Fala alguma coisa. — pediu. — Eu não estou te entendendo. Você mudou de humor do nada, estava tão bem antes..
Afastei meus medos e o silenciei com um beijo. Corri meus dedos entre seus cabelos e dei leves puxões. Sarno suspirava profundamente. Como se meus toques fossem dádivas. Deitei-me na cama e ele se alinhou ao meu lado. Feixes de luz do poste da rua passavam pela janela. Havia um cinzeiro no criado-mudo, ao lado das fotografias dos possíveis donos do quarto. Theodore tirou uma caixa de cigarros do bolso e acendeu um, usando o cinzeiro como se o pertencesse. E aquilo parecia tão certo. Tirei meu moletom azul e logo me arrependi, estava muito frio. Quando ia colocá-lo novamente, Sarno me interrompeu largando o cigarro e me abraçando forte.
— Coisa linda. — beijou meu pescoço.
— Já ouviu falar em "efeito borboleta" ? — sussurou no meu ouvido.— Ah...É tipo, eu pisco aqui e cai um prédio no japão? — sorrio.
— Não. Assim é sem sentido...
— reprovou. — Veja bem, se eu não te beijasse... Levaria um tapa?— Se você não? — fico confusa. — Ué, porque levaria um tapa?
— Se eu roubasse um beijo agora. Levaria um tapa?
— Não, não te daria um tapa. — gargalhei.
— O que faria? — Sarno virou meu rosto para ele, tão próximo que sentia seu hálito quente na minha pele.
— Talvez... Te beijasse de volta. — desviei o olhar.
Sarno me beijou lentamente. Gostei daquela brincadeira.
— Se não tivesse entrado na casa, não dormiria recebendo um cafuné. — massageou levemente a minha cabeça. — Ou sentiria minha respiração no teu ouvido. — me apertou mais.
Se ele continuasse agindo daquela forma, ia conseguir uma apaixonada sem limites nas costas dele. Poderia escrever um livro sobre aquelas sensações. Sério.
Notei que o quarto ficava no último andar da casa, próximo ao telhado. Tive uma ideia.— Vamos dormir no telhado! — levantei da cama.
— Arm.. Aqui tá tão bom... — reclamou.
— Vamos! Vamos! — saltitei.
— Ok! — rolou os olhos.
Pegamos os travesseiros e os cobertores da cama. O suficiente para não nos machucarmos ao deitar, porém não para nos esquentarmos.
— Veremos o sol se pôr e nascer daqui.
— Você vai ficar acordado até ele nascer?
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Amontoada
RandomAntes de ler este livro, irei te pedir para traçar uma linha imaginária, olhe atentamente para frente e imagine uma linha reta sem fim. Agora se imagine caminhando sem desviar da linha, até que seu olhar se perde e você avista uma pessoa. Sua linha...