|DOIS|

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A CAVERNA NOS AMEAÇA de forma silenciosa.

Ao primeiro olhar, parece uma caverna comum. Rochas, musgo, penumbra. Quase duvido de que este seja o lugar que estamos procurando com avidez. Então, em um ato simplório, um regato nascido das profundezas da caverna prova que aqui há magia

Água alguma manteria-se em seu estado líquido depois de uma nevasca tão violenta.

- É aqui - digo a Elirya.

Ela assente, tocando as pequenas protuberâncias da parede.

- Está pronto, Clay?

Sem respondê-la, eu adentro na escuridão. Porque eu me conheço e sei que quanto mais tempo dou as minhas hesitações, maiores são as chances de eu vacilar.

E eu cheguei longe demais para vacilar.

Caminhamos em silêncio, esperando um ato fantástico da caverna. Um resquício de desesperança ameaça a minha fé de que conseguiremos a resposta. Já fazem quase quatro meses que estou aqui. Quatro meses cruzando apenas estes dois reinos e encontrando somente ruínas e cadáveres.

Tudo para encontrar um maldito príncipe. Tudo para vencer um demônio em forma de rato e devolver a coroa a Elirya.

E para eu voltar para casa.

Perdido em meus próprios devaneios desesperados, um clarão forte rasga os meus olhos. Me sobressalto com o susto e cubro meu rosto.

- Elirya?

- Estou aqui. O que... é isto?

Meus olhos parecem se acostumar com os círculos de luz, apesar de cobertos pelas minhas pálpebras. Abro-os aos poucos e encaro a caverna que pulsa como uma árvore de natal. Como a árvore de natal que havia em meu quarto na noite passada, há quatro meses, se é que isto faz algum sentido. O tempo vem sido imensurável desde que entrei na Toca do Rato.

A caverna continua viva em um milhão de cores. Azul, vermelho, verde, lilás...

Então uma voz, quase eletrônica e impossível de distinguir o gênero, reverbera pelas paredes rochosas tão alto que sinto o meu corpo vibrar.

- Quem pisa sobre o solo do poderoso o Oráculo?

Olho para Elirya, procurando sua aprovação. Ela assente, então eu começo.

- Clay Dresselmeyer e Princesa Elirya dos Quatro Reinos.

A caverna fica estagnada em uma luz azul e fraca. Elirya agarra o meu braço e já não sinto o toque congelante que, há pouco, eu senti.

- Ah... - A voz finalmente assume um tom. Feminino e infantil - O viajante e vossa alteza. Como posso ser útil?.

Por um motivo que eu realmente desconheço, sinto como se cada glóbulo do meu sangue congelasse e depois entrasse em combustão. Um arrepio generalizado tenta me convencer de que tem algo errado, mas eu grito e repreendo a mim mesmo. "É só ansiedade. Ansiedade, Clay".

- Não precisa ter medo, garoto de pijamas.

- N-não estou com medo - balbucio.

- PRIMEIRA REGRA AO ADENTRAR NO ORÁCULO: NÃO MINTA PARA ELE.

Um susto súbito quase faz o meu coração tornar-se pó quando a voz se torna masculina e grita contra nós, ao mesmo tempo que a luz se torna vermelho sangue. Gritos de horror selam o cenário tenebroso, então grito, apavorado para que pare. Elirya mantém as mãos nos ouvidos de porcelana.

- EU ESTOU COM MEDO! Me perdoe, eu não farei de novo!

Então a luz azul ressurge, bem como a voz doce que, outrora, falava conosco.

- Bem melhor. O que querem saber, corajosos viajantes?

- Queremos saber onde está o Príncipe do Outono. - Elirya assume.

- Bem aqui, vossa alteza.

Eu e Elirya nos entreolhamos, tentando compreender o enigma.

- Como assim? - pergunto, após revirar a minha mente no nada.

- Vossa alteza já está aqui.

- E onde ele está?

- Aqui.

Respiro fundo, tentando não invocar a ira do oráculo, que me parece mais inútil do que as galochas que deixo embaixo de minha cama, apenas juntando pó.

- Pode nos dar mais algumas dicas? - peço, quase arrancando os meus cabelos curtos em desespero.

- Clay Drosselmeyer, como explicar algo que não precisa ser explicado? Por acaso, explica-se porque a água é molhada, ou porque a terra é seca? Ou porque as folhas das árvores são verdes e se tornam marrons no outono e caem uma após a outra? Somente o senhor poderia explicar o outono, vossa alteza, no entanto, o senhor mesmo não julgaria necessário.

Eu imagino ter entendido, finalmente as palavras misteriosas, ditas entre parábolas, mas sei que entendi errado. Não poderia ser o que eu entendi...

- V-vossa... Pare de falar por enigmas, oráculo! Onde está o príncipe?

- É o senhor, vossa alteza. O senhor é o príncipe e o outono lhe pertence. Assim como a magia ganhada outrora, nos Jogos das Estações há muitas eras.

(733 palavras)

Princesa de PorcelanaOnde histórias criam vida. Descubra agora