“Alice: Quanto tempo dura o eterno?
Coelho: Às vezes apenas 2 segundos.” (Alice no país das maravilhas)~~••~~••~~
Leila Dennison estava radiante naquele vestido cor de vinho. Seus cabelos ruivos, enrolados em um coque frouxo, deixavam algumas mechas soltas modelarem o formato de suas maçãs, e a cor em contraste com o brilho de sua pele a deixava com uma naturalidade que Andy nunca conseguira ver em outra mulher. Ela andava por todos os lados naquela noite de Natal — arrumar a árvore, vigiar o peru que assava no forno e arrumar as comidas sobre a mesa ao mesmo tempo era uma tarefa para mais de uma pessoa, mas ela não queria correr o risco de pedir Andy para a ajudar. Da última vez que ela havia chamado o garoto para enrolar biscoitos, ele saiu da cozinha com massa até nos cabelos, e Leila fazia questão de evitar isso.
Andy brincava sozinho em seu quarto, com os bonecos dos heróis da Marvel que sua mãe havia lhe dado de aniversário, mas isso não estava sendo nem um pouco divertido. Faziam alguns meses que ele vinha sentindo umas coisas diferentes, e seus gostos estavam mudando. Ultimamente ele andava preferindo fingir incendiar as coisas a cuidar delas, e um desejo o inexplicável de brincar com o fogo o perturbava. De vez em quando Andy se pegava sentado de frente para o fogão, examinando o fogo enquanto sua mãe cozinhava, em outras vezes ele acendia uma vela e levava para o seu quarto para ficar olhando para a chama durante a noite toda. Mas brincar com simples bonecos de plástico não era da natureza de Andy Dennison. O garoto mesmo com apenas 6 anos, gostava de aventuras, gostava de estar sempre em movimento e descobrindo coisas novas. Por isso, naquela noite de Natal, ele resolveu que deveria guardar aqueles bonecos sem graça e fazer alguma coisa mais interessante, como por exemplo, combater os monstros do seu quarto, como o verdadeiro Guerreiro Flamejante que era.
Em menos de cinco minutos, todos os seus cobertores já estavam jogados no chão, dezenas de brinquedos espalhados por todo quarto e até a cortina da janela havia sido arrancada. Andy corria pelo quarto em uma energia descomunal, e encenava colocar fogo em tudo que encontrasse pela frente. Ele dizia palavras que ninguém conhecia, que o garoto tirava de sua própria imaginação. Em um certo momento, Andy se escondeu por debaixo de seus cobertores e encarou fixamente uma almofada que se projetava em cima de sua cama. Sua cabeça começou a formigar, e o garoto começou a sentir um calor forte subir por sua cabeça. Um monstro estava se aproximando dele, mas antes de o derrotar ele teria que dar um jeito naquela maldita almofada que o encarava sem parar. Ele a fita com os olhos com mais intensidade, fazendo sua mais perfeita expressão de malvado. Como numa explosão de corretores, Andy sai debaixo do seu esconderijo e grita "Katapom", e naquele momento, algo improvável acontece. A almofada realmente pega fogo. Uma pequena chama vermelha engole os babados verdes, e ele fica completamente espantando.
Com medo do que via, o garoto foi se afastando aos poucos de perto da almofada, mas tropeçou em algum brinquedo e caiu perto de sua cama. O fogo na só aumentava, e Andy percebeu que se não corresse para apagá-lo, todo o seu quarto pegaria fogo. Ele não queria chamar por sua mãe, tampouco gritar para que ela pudesse escutar, então em uma busca impossível, a criança resolve procurar sua arminha de água no meio daquele infinito de brinquedos espalhados em seu quarto. Por sorte ele logo a encontrou perto ao seu criado mundo, e se concentrou em jogar uma jato contínuo de água na almofada que já estava quase completamente em chamas. Depois de ter apagado o fogo, Andy, ainda assutado e com os olhos arregalados, decidiu que não queria ficar mais naquele quarto. Ele pegou a almofada queimada e a colocou debaixo da cama, se apressando em sair e trancar a porta do quarto.
Quando chegou na sala, sua mãe acabava de colocar os presentes no pé da árvore, e fitou Andy com curiosidade quando ele apareceu com os cabelos todos bagunçados, suas sardas vivas em seu rosto vermelho e suado e uma manga da sua camisa rasgada.
— O que aconteceu, Andy? — ela perguntou com um sorriso meio suspeito no rosto.
— Um monstro, acabei de incendiar um monstro no meu quarto.— ele conseguiu dizer ainda ofegante.
— Oh meu Guerreiro Flamejante! — Leila o chamou pelo carinhoso apelido — O que seria de mim sem você para destruir esses monstros? — ela disse o abraçando e rindo da mente fértil do filho. Mas no fundo, ela sabia que nem era imaginação do garoto. Ela sabia o futuro que o esperava, e isso a fazia perder noites de sono. Leila pedia a Deus para que seu filho não desenvolvesse o mesmo dom que ela tinha, para assim o salvar das garras inimigas, mas sabia que já era tarde demais. Há poucas semanas Leila percebeu que o garoto vinha desenvolvendo comportamentos diferentes, porém que ela conhecia muito bem. Eram os sintomas primordiais de um manejador em formação. Agora, tudo que restava a mulher, também manejadora do fogo, era proteger o filho até onde estivesse ao seu alcance.
— Vamos ver se o peru já está pronto? — ela indagou ao garoto, o tirando carinhosamente de seu abraço.
Ele assentiu calmamente, agora já mais tranquilo, e a seguiu até a cozinha. Quando estavam chegando perto do fogão, a campainha tocou e Leila perguntou a Andy:
— Convidou algum amiguinho para passar o Natal conosco?
— Não, mamãe.— ele respondeu com sinceridade.
Leila foi até a porta e quando a abriu, deu de cara com dois homens de terno preto, e outro alto e musculoso usando roupas de couro, que fez seu coração parar por alguns instantes.
Os homens sorriram para Leila, e ela ficou alarmada. Conhecia muito bem aquelas pessoas, e as temia mais ainda.
Instintivamente, ela colocou a mão sobre Andy e indicou para ele ir para o quarto.
— Senhora Dennison? E esse eu acredito, deve ser seu amável garoto Andy?— um dos homens perguntou para Leila, ainda sorrindo.
— O que vocês querem?— a mulher perguntou com autoridade— Ainda não é a hora!
— Oh, muitas coisas indicam que sim, essa é a hora perfeita.— ele disse.
Leila se recusou a acreditar, e tentou se manter no controle e até mesmo aceitar a situação, mas sem pensar duas vezes, a mulher começou a fechar a porta na cara dos homens. Infelizmente, eles reagiram mais rápido e empurram a porta de volta, jogando-a bruscamente sobre a árvore de Natal no canto da parede, que caiu e espalhou enfeites por toda sala.
— Perdoe nossa indiscrição minha senhora, mas você como você não fez o que havíamos pedido, tivemos que tomar tais decisões. — Um dos homens falou com tom de falso lamento.
Andy corrreu para um canto da sala, mas quando viu que os homens estavam indo em sua direção, o garoto subiu assustado em cima do sofá.
Ele não sabia o que fazer. Via sua mãe caída no chão, chorando, e de outro lado três homens estranhos e perigosos vindo em sua direção.
— Não vamos te fazer mal, só precisamos que venha conosco— o homem musculoso diz.
O garoto então se lembrou do que havia feito com a almofada minutos antes no seu quarto, e então torceu para mesmo funcionar novamente. Ele encarou o homem de terno que estava cada vez mais próximo dele, e tentou lembrar da palavra que disse quando incendiou o objeto. Era Porachaiea? Buoataha? Klaubibta? Andy não conseguia lembrar, mas quando olhou para o lado e viu que o homem musculoso agora colocava um lenço contra o rosto de sua mãe, ele encarou o homem de terno mais uma vez e esticou as mãos em sua direção, gritando com todas suas forças.
— BUBLACHAKLA!!!
Naquele momento, uma chama do tamanho de uma laranja surgiu sobre o terno preto do homem, e começou a se alastrar por todo seu corpo. Andy desceu do sofá e começou a correr na direção da cozinha, mas um dos homens o segurou. O outro tirou o terno e lutou para apagar o fogo que se alastrava para sua calça, mas não antes de ter quase toda roupa queimada, enquanto os outros arrastavam Andy até a porta. Todos pareciam assustados com o que o garoto havia feito, e ele mesmo estava em pânico. Além de não saber como ele estava conseguindo fazer aquelas coisas com o fogo, Andy não sabia o que aqueles homens queriam com ele. O garoto olhou para o chão e viu sua mãe caída, provavelmente morta, e enlouqueceu. Agora tomado por lágrimas de medo e raiva, Andy começou a se debater agarrado pelos homens e gritar
— Bublachakla, Bublachakla.— com a real intenção de queimar aqueles homens até a morte, mas nada aconteceu.
O homem do terno queimado fez sinal para os outros saírem, e eles o fizeram, carregando Andy. Logo em seguida, ele saiu e fechou a porta, deixando a mãe de Andy caída entre os enfeites de natal, enquanto o garoto gritava desesperadamente.
— BUBLACHAKLA, BUBLACHAKLA...
... BUBLACHAKLA!
Andy acorda assutado e ofegante em seu quarto no dormitório em Alkinea, e toma mais susto ainda quando olha para o lado e vê Rachel parada ao pé de sua cama, o olhando com um olhar reprovador.
— Isso é hora de estar dormindo, Dennison?
O garoto se senta na cama ainda meio desorientado, esfrega os olhos para clarear os pensamentos. O sonho que acabara de ter parece ainda estar acontecendo em sua mente. Andy já havia sonhado algumas vezes com aquele dia. O dia em que fez suas primeiras explosões, o dia em que foi levado de casa, e principalmente, o dia em que foi separado de sua mãe. Era um dia que Andy sentia dor e medo ao lembrar. Mas um sonho com tantos detalhes, e precisamente num Natal nunca havia acontecido com ele, e isso era o grande motivo dele ainda estar delirante quando acordou.
— Bublachakla, oi, doce de leite, bom dia, quantos graus, espada ou adaga, que horas são, o que faz aqui? — ele despeja em uma fala só.
Rachel caminha até a cortina do seu quarto e a abre, e Andy pode ver lá fora a escuridão da noite que já chega.
— Já é quase ano novo, Andy. Você se deitou para descansar uns minutos depois de trolar Léo e Tony e só acordou agora porque eu estou há minutos te gritando.
— Ah— ele diz encarando o nada — mas pra que a urgência em me acordar? Saudades?
— Nunca.— a garota diz fechando a janela novamente e caminhando até a porta.
Ela veste uma calça jeans escura e uma blusa branca básica por cima de um casaco de lã escuro, o que leva Andy a crer que deve estar frio. — Maya pediu que todos fossem para o pátio central.— A garota completa.
— Por que causa, motivo, razão ou circunstância? — Andy pergunta se levantando da cama e calçando seus tênis
— Pra esperarmos o papai Noel, idiota. — Rachel responde com sarcasmo, abrindo a porta— Vê se se apressa.
Andy nem tem tempo de a responder, porque imediatamente a garota fecha a porta. Agora ele senta de volta na cama e se pega pensando no sonho mais uma vez. Em todo Natal já era assim, e talvez por seu cérebro estar acostumado a pensar muito sobre o assunto naquela época, esse ano para ajudar, Andy sonhara com ele para realçar sua maior dúvida. O que aconteceu com sua mãe naquele Natal?
Naquela noite, Andy fora levado para Cháos por aqueles homens, que mais tarde foi conhecer muito bem. A princípio ele estava com medo e assutado, mas depois conheceu outras pessoas que o deixaram mais à vontade e principalmente, suas perguntas foram esclarecidas lá. Andy descobriu que seu dom era normal, e que poderia ir treinando como manuseá-lo. Mas, depois daquele dia, ele nunca mais viu sua mãe. Sempre que perguntava sobre ela, os presidentes (que ele passou a odiar em silêncio depois do que fizeram com ela), diziam que ela estava bem. Mas Andy se recusava a acreditar. A imagem de sua mãe caída e toda mole sobre aqueles enfeites de Natal não saía da sua cabeça, e o fato de ela nunca ter o procurado o deixava inquieto. Foi quando dois anos depois, os presidentes anunciaram que sua mãe havia morrido. Andy chorou e ficou agitado por semanas. Ele queria fazer alguma coisa por sua mãe, nem que fosse denunciar a violência que haviam feito com Leila, mas acabou sendo convencido a não fazer, tanto por ser apenas uma criança de seis anos quando isso aconteceu quanto por não saber a quem dizer, e também pelo fato que de nada adiantaria. Ele teria de seguir a vida sem o amor materno. Isso porém não curou sua secreta raiva e sede de vingança, e não permitiu com que ele pensasse duas vezes antes de aceitar a fuga para Alkinea.
Andy se levanta da cama com um pulo, tentando afastar esses pensamentos de sua cabeça, e caminha até a porta para pegar uma jaqueta.
— Foco, sr Dennison, foco.— ele repete para si mesmo olhando para o espelho.
Era Natal, ele tinha uma nova casa, amigos para zoar e principalmente: muito trabalho para fazer nos dias que se seguiam. Ele não iria ficar se martirizando por conta do passado.
O manejador ajeita os cabelos ruivos bagunçados e segue até o pátio central, se deparando com o vento gelado que preveu pelas roupas de Rachel, e segue para saber o que Maya quer com eles.
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Apenas Um Conto De Natal
Historia CortaUma forma diferente de desejar Feliz Natal ao melhor amigo!