Histórias reveladoras

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“O hoje é apenas um furo no futuro,
por onde o passado começa a jorrar” (Raul Seixas)

          
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      Ao chegar no pátio central de Alkinea, a primeira coisa que Andy vê é o gigantesco pinheiro que Meg, Nicole e Rachel haviam feito ele e Tony ajudarem a trazer. Para buscar a árvore naquela mata próxima à organização, cinco dias antes, eles haviam enfrentado uma luta cotra dois gargos que resultou em uma grave ferida no ombro de Meg, mas Andy se convence de que não havia sido de todo um desastre assim. Algumas luzes brilhantes em volta da árvore refletem nas bolas douradas que elas espalharam. Enfeites de todos os tipos reveste sua superfície, e o garoto fica surpreso com a habilidade das meninas de fazerem com que não ficasse vulgar dez quilos de coisas brilhantes sobre um pinheiro enfiado em uma lata de cimento. O pé da árvore foi rodeado de presentes, e até um pequeno presépio iluminado enfeita o pátio. Uma brisa suave toca os galhos do pinheiro, e espalha o cheiro de folhas, deixando o lugar com um aspecto natural. Elas entendem da coisa mesmo, Andy pensa consigo mesmo.
   Próximo à árvore, sentados no chão em uma pilha de almofadas ele encontra Tony, Léo, Annie (que por sinal estavam próximos demais), Rachel, Nicole e Meg, meio pendida para o lado, devido o ombro machucado. Andy nota que Maya vem empurrando a cadeira de Tobby pelo corredor, e trata de se juntar aos seus amigos antes que eles cheguem.
— Fala aí crianças, o papai Noel já chegou? Ah, mas se vocês não foram bonzinhos provavelmente ele não vai vir.— ele diz se sentando ao lado de Meg, que faz uma careta.
— Obrigada por esbarrar delicadamente em meu ombro. — ela diz abrindo espaço para ele se ajeitar.
— Feliz natal para você também.— Andy responde.
  Todos estão vestidos com roupas grossas e pesadas, e se não fosse pela lareira que crepitava ao lado da árvore de Natal, o frio estaria sendo incômodo.
— Afinal, pra quê estamos aqui? — Andy pergunta inquieto com aquela rodinha de pessoas e almofadas que eles formavam, olhando para o lado e vendo que piscas-piscas e guirlandas se espalham por todos os cantos. É, talvez as garotas tivessem exagerado só um pouquinho, ele conclui.
— É o que eu venho procurando saber nos últimos minutos.— Annie responde.
— Algo me diz que isso vai dar sono.— Tony comenta.
   Como já era esperado, Maya e Tobby se aproximam. A diretora usa um grosso casaco de couro por cima de uma blusa de lã, e veste uma calça jeans que combina com suas botas de cano curto. Tobby como sempre, usa suas calças de moletom e um sobretudo enorme de lã por cima. Andy pode notar como o cansaço da idade pesa no olhar do velho Hysk, mas isso não tira a força e o exemplo que ele sempre foi para o garoto e os outros manejadores.
— Olá, manejadores e Hysk. — ele diz enquanto Maya ajeita sua cadeira de forma que ela fique de frente para os jovens. Logo em seguida, ela pega uma almofada e senta junto com os outros no chão, próxima à Tony. Todos parecem ficar aparentemente impressionados. A tão séria e culta líder de Alkinea se juntando à manejadores imaturos e agitados. Mas isso de certa forma deixa todos mais confortáveis.
— Pedi a Maya que juntasse todos porque queria mostrar uma coisa. Não podia deixar o Natal de vocês passar em branco.
   Annie sorri com curiosidade e olha para Léo, que reage da mesma maneira.
— Mas antes de os levar a qualquer lugar, quero lhes contar uma breve história que se passou há alguns anos aqui em Alkinea, em uma noite de natal.
— Eba, vamos ter histórias!— Tony diz.
— Sim, Tony, histórias!— Andy completa com o mesmo tom de falso intusiasmo, mas todos riem.
— Calem a boca.— Rachel os repreende, e Tobby se sente à vontade para continuar.
     Andy não deixa de pensar em como tudo está sendo aconchegante. A árvore enfeitada, o leve calor da lareira em contraste com o vento frio de inverno, seu amigos sentados ao seu lado, histórias a serem contadas. Isso tudo o faz se sentir bem em uma noite de natal como há muito não se sentia.
O velho se ajeita na cadeira, tosse e começa em um tom sério.
— Quando isso aconteceu, Maya ainda não havia sido nomeada diretora da organização, e quem presenciou o acontecido foi Rossel Klint, que era o diretor da época, eu e outros manejadores que já não estão mais aqui.— ele introduz.
— Naquela época, Alkinea e Cháos já começavam a competirem entre si, e rumores de que a outra organização pretendia nos sabotar levou Klint a conseguir uma espiã na organização, mas ela foi descoberta. Os presidentes, Habber e Mavik, queriam punir a mulher quando a descobriram, e resolveram ser cruéis. Ela estava nos últimos meses de gravidez, e eles a expulsaram da organização, mas ordenaram que quando seu filho começasse a desenvolver os primeiros sinais do manejar, a mulher o devia entregar para a organização, e nunca mais o poderia ver. Se não o fizesse, o garoto e ela seriam mortos. — Tobby conta com pesar.
Annie parece assustada com o que ouve, e aperta instintivamente a mão de Léo. Na verdade o que parece ser uma história de Natal se introduz muito triste.
— Então, aquela mulher foi viver em uma cidade aqui próxima, e era monitorada diariamente por capangas de Habber e Mavik. Por esse motivo, ela nunca ousou uma fuga para Alkinea, porquê sabia que seu filho poderia ser morto se ela o fizesse. Aquela mulher havia perdido seu marido há alguns anos, e então teve que criar sozinha o garoto. O que ela não esperava era que o menino desenvolvesse tão cedo excepcional facilidade em manejar o fogo, e instinto de guerreiro. Ela tentou esconder os primeiros sinais do garoto, mas naquela noite ele foi descoberto.
   Ninguém ousa perguntar ou interromper o sábio Hysk enquanto ele falava. Todos querem saber onde a história chegará.
— Então naquela noite, ela chegou aqui na organização desesperada. Seus olhos estavam inchados de tanto chorar, e seu cabelo ruivo estava todo bagunçado ao redor do rosto,  estava ainda vestida com um luxuoso vestido de cetim, o que comprovava que havia sido surpreendida no meio das comemorações natalinas. Todos aqui já sabiam da sua triste história, mas não esperávamos que ela iria reagir com tanto desespero. Depois compreendemos que na verdade não há como manter a calma vendo seu filho sendo levado para longe.— O homem pausa o seu relato, e Nicole percebe que seus olhos brilham, como se lágrimas estivessem se formando. Andy o encara com uma espécie de curiosidade indagadora.
— Depois de darem a ela um calmante, a mulher finalmente explicou o que havia acontecido. Os presidentes, juntamente com um de seus comparsas, haviam invadido o apartamento da mulher. Ela soubera na hora que queriam levar seu filho, e reagiu instintivamente. Eles acabaram a desmaiando com um lenço umedecido com éter, e levaram o garoto à força.
Tobby pausa mais uma vez, como se quisesse deixar todos assimilarem o que já havia contado.
    Rachel se encontra com o olhar perdido na direção da árvore de Natal, e Nicole possuí uma expressão triste no rosto. Parece que ambas sentem piedade daquela mulher do relato de Tobby. E Andy começa a ficar inquieto no seu lugar, percebendo como essa história o faz lembrar de seu passado. Não, não pode ser a mesma história, ele repete inúmeras vezes em sua consciência.
— Não havia muita coisa que pudéssemos fazer por ela, porquê por mais que não conseguissemos prever que aquilo aconteceria tão cedo, já sabíamos que uma hora ou outra não iria falhar. Era realmente triste olhar para a mulher, que chorava a dizia entre soluços "meu pequeno guerreiro flamejante."
   Nesse momento, Andy dá uma espécie de salto de onde está sentando.
— Está tudo bem, Andy? — Annie pergunta preocupada, mas ele só assente.
    Não pode ser, ele pensa. São coincidências demais. Mas no fundo do seu coração, Andy deseja que sim, que seja a sua história que esteja sendo contada. Isso significaria que sua mãe não estaria morta. Quando ele pensa em se arriscar e fazer mais perguntas para comprovar sua teoria, Tobby lhe devolve um olhar que faz total sentido para o manejador. Um olhar que diz algo como "espere e verá o que eu quero dizer", então o manejador o faz.
Tobby tosse e prossegue agora com mais pressa, como se quisesse resumir os acontecimentos seguintes
— Ela pediu logo depois que a deixássemos sozinha por um instante. Nós assentimos. Talvez aquela mulher fosse religiosa e quisesse fazer alguma prece, ou até mesmo esfriar a cabeça para processar as informações. Ela disse que havia achado o lago muito bonito, e dissemos que ela poderia caminhar aos seus arredores. Mas, o que ninguém sabia, era que enquanto a mulher nos contava o acontecido, um dos elfos que moravam na organização, o tão sonhador Quiril, observava tudo de um canto. Ele parece ter ficado muito comovido com a tristeza e o sofrimento daquela mãe e a resolveu ajudar. Contam que ele fez cair uma magia milenar dos elfos sobre aquele lago, que permitiu que se formasse um espelho d'água, e através dele aquela senhora visse seu filho.
   Maya sorri com o que ouve. A diretora da organização parece já ter ouvido muitas vezes a mesma história.
— Naquela noite aquela mulher viu através do lago o seu filho dentro de uma sala cheia de bonecos de pano, encendiando todos e com um sorriso travesso no rosto. Ele estava com outro garoto que parecia já ser seu amigo, e se mostrava muito feliz e seguro. — Toby conta sorrindo. Todos têm expressões de satisfação também, exceto Andy, que aparentemente perdeu a cor e está sem respirar. Aquela é a sua história, ele tem certeza. O estado que Tobby descreveu que o garoto estava naquele momento era o mesmo estado em que ele se encontrava naquela noite ao chegar em Cháos e conhecer Peter, seu primeiro amigo na organização.
    O manejador se levanta do chão instintivamente e fica ao lado de Tobby, como se implorasse para que ele continuasse. Os outros acham estranho mas não contestam, e deixam que o hysk termine a história.
— Aquela visão tranquilizou a mulher imediatamente, e trouxe alívio imediato para aquele coração de mãe aflito. Ela voltou para dentro e nos contou o que havia visto, num borrão de sorrisos e lágrimas, e aquela noite de Natal pôde terminar um pouco mais tranquila. Depois daquele dia, ela veio morar em Alkinea, e logo se tornou uma de nossas principais aliadas. Seu dom para manejar o fogo era sem dúvida excepcional. Aos poucos foi se adaptando com a perda do filho, mas sempre podíamos notar um vazio em seu sorriso, e por isso, em todo Natal durante os próximos anos ela ia até o lago, onde podia ver com clareza o que acontecia com seu menino. Realmente era uma magia incrível, que só mesmo os tão astutos elfos poderiam fazer. Foi por ali que ela viu seu menino se adaptando, crescendo e se tornando um guerreiro manejador. Ela mudou-se para a Europa alguns anos depois, e devido a intensidade das missões a ela designadas, a mulher não pôde voltar para a América para ter notícias do filho, mas conta a lenda que até hoje o lago permanece encantado nas noites de Natal, com a missão de aproximar as pessoas de corações aflitos daqueles que amam.— Finalmente Tobby termina.  
    A sensação que envolve o pátio é realmente mágica. Nunca nenhum dos manejadores ouviram um conto de Natal tão intenso, e principalmente, que soubessem  que não era apenas um conto.
   Andy fica estérico. O sonho que tivera há pouco fica mais vivo do que nunca em sua mente, e o relato de Tobby, que até agora ele ainda tem dificuldade a crer que coincide com sua história, o deixa perplexo. Sua mãe não havia morrido, e haviam chances dela estar viva agora. E isso era tudo que Andy queria saber.
   Rachel e Meg olham para ele sem entender sua reação. Na verdade, todos acham que o garoto está tendo um ataque, exceto Maya e Tobby que parecem já prever isso.
— Sabemos que no fundo, todos vocês sentiram um desejo de conhecer essa magia do lago.— Maya diz se levantando, para completar a história para Tobby, que parece já estar esgotado. — E para abrilhantar essa noite de Natal, queremos saber se vocês querem fazer uma caminhada até o lago.
    Os jovens se entreolham felizes, Tonny já se levanta do chão e os outros fazem o mesmo. E Andy? Andy grita "bublachakla" e sai correndo com empolgação em direção ao lago. O vento corta seu rosto, mas ele sente uma euforia incontrolável, a mesma que aquele garotinho sentia há 10 anos atrás. A mesma daquele verdadeiro Guerreiro Flamejante.

Apenas Um Conto De NatalOnde histórias criam vida. Descubra agora