Reflexos Turvos

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Quanto mais eu andava pela casa, mais eu me sentia mal, e por alguns segundos, eu podia afirmar que algo terrível estava prestes a acontecer.

Saí da casa, fiquei na varanda observando a rua deserta, as casas pareciam vazias, como uma maquete de uma cidade, todas de mentira, mas algo parecia me observar, a sensação era cada vez mais desconfortável, e quando chegou ao seu alge, quando não podia me sentir mais desconfortável, alguma coisa se moveu entre as folhas do grande carvalho no jardim.

Era apenas um pássaro, o que fez eu me questionar; onde estava Gardner? Por incrível que pareça, ele não havia desgrudado de mim, e de Kyle, todo esse tempo.

Apenas algumas poucas vezes, quando Caelestis e Zoey cuidavam dele.

Provavelmente ele estava com um dos três, então não me preocupei.

Aquele pássaro me observava como uma onça observa sua presa. Voltei para dentro, a sensação foi diminuindo aos poucos, até não sobrar mais nada de ruim.

Minha vida estava cada vez mais bagunçada, cada vez mais arriscada, cada vez mais perigosa. Se continuassemos assim, não seríamos capazes de chegar aos dezoito anos.

Meu quarto ficava no segundo andar, ao lado do de Caelestis, e de frente para o de Gaia.

Subi as escadas e fui para o mesmo, a vista da janela era deslumbrante, havia uma árvore ao meu alcance, pela qual eu suvi no telhado.

Fiquei sentada observando a rua por horas, o sol estava nascendo, anunciando um novo dia cheio de perigos.

Havia melancolia naquele nascer do sol, as ruas vazias, parecia uma cidade deserta, o que me trazia uma solidão imensa.

Acho que nunca me senti tão sozinha quanto naquele momento. Tudo o que eu queria era minha vida de volta, apenas isso. Sentia falta do colégio, dos meus pais, de passar pela ponte da cidade sempre que voltava da aula, até mesmo de acordar cedo alguns dias. Eu nunca teria aquela vida novamente, era uma coisa impossível.

Eu queria ser humana novamente, o que eu nunca seria, os poderes que eu tinha escondidos, mesmo não conseguindo usa-los, me perseguiriam pelo resto de uma vida melancólica.

Se eu nunca tivesse ido até aquela ponte no meio da noite… Eu só queria perder a memória, recomeçar… E eu podia fazer isso.

Eu podia recomeçar do zero, como uma nova pessoa, mudada, com poderes, mas ainda podia recomeçar.

E foi nnesse momento que eu percebi que… Eu tinha que deixar tudo para trás. Minha antiga vida, nunca voltaria, era apenas passado, uma memória cada vez mais distante.

Naquele dia, quando as ruas começaram a ter movimento, eu desci do telhado e andei até o parque, onde havia uma grande ponte sobre o lago da cidade.

Não era a mesma ponte onde minha vida mudou da água para o vinho, mas era o suficiente.

Peguei uma rosa e segurei sobre a ponte.

Aqui, acaba de ser enterrada nas águas do lago, a antiga Violly. Pensei. Uma filha amada, uma grande amiga, uma boa garota. Soltei a flor e a vi cair sobre a água, ela ficou alí, boiando, como se estivesse sobre um túmulo de verdade.

E agora, nasce a nova Violly, uma garota segura de si, amiga, mas acima de tudo, corajosa, sem medo de morrer. Pensei.

Enquanto andava pelo parque, voltando para a casa de Lynx, a sensação de renascer era boa, como se um peso nas minhas costas, tivesse desaparecido totalmente. Eu me sentia uma nova garota. E eu era.

Naquele momento, sentia que nada poderia me derrubar.

Entrei no meu quarto e me joguei no grande banco estofado na sacada do mesmo.

Encantados [Não revisado]Onde histórias criam vida. Descubra agora