Fantasma do passado

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Crostas de terra se formaram no solado de suas botas. Havia adentrado áreas da mata ainda úmidas pela última chuva, porém fora em vão. Conseguira capturar apenas três coelhos e nenhum deles nestas áreas. Como passara o dia todo com os animais dentro de um saco no calor exaustivo da floresta, o odor era intenso.

— Ron! Que bom que voltou. Estava começando a me preocupar. –Raquel disse enxugando as mãos em uma flanela, simulando que acabava de lavar as louças.

— Consegui três coelhos. –Ronald disse como num resmungo. Ele tirou as botas antes de pisar no assoalho da casa.

— Ótimo! Dê-me. Vou prepará-los para o jantar! –Ela pediu-lhe estendendo as mãos. Ronald entregou-lhe o saco e estranhou o humor da jovem. Para ele sua voz carregava um tom mais enérgico que o usual.

— Vamos ter que matar uma das galinhas. A floresta anda cada vez mais vazia para a caça.

— O quê? –Helena perguntou irritadiça surgindo à cozinha.

Ronald se sentou e pôs-se a tirar as meias molhadas e os casacos pesados. Ele costumava sair às madrugadas para caçar e era bastante frio. Seus casacos eram grandes e pesados, portanto, raramente permitia que os lavassem. Era muito trabalhoso e ele costumava dizer que era apenas desperdício de sabão, mas na verdade não gostava de ver as garotas se desgastarem inutilmente.

Raquel fitou-a comprimindo os lábios, como se repreendesse a fala da irmã.

— Não podemos matar nenhuma das galinhas! São poucas e há tempos que não estão mais conseguindo chocar nenhum ovo. Vamos acabar sem nenhuma.

— Eu sei, Helena. –Ele respondeu vagamente e se levantou.

As duas permaneceram quietas, apenas trocando olhares até que o ouviram abrir e fechar uma das portas. Era provável que iria se banhar para livrar-se da tensão que o dia de caça sempre lhe causava. Assim que ouviram o barulho da água vindo do banheiro, ambas correram até o quarto de Raquel e abriram cuidadosamente a porta.

—Não façam nenhum barulho! Depois do jantar trarei um pouco de coelho para vocês. –Raquel disse e Helena apenas observou-os com os olhos bem atentos.

Marcus e Lucille apenas acenaram com a cabeça e permaneceram estáticos. Estavam muito amedrontados para se dar conta de que a jovem havia dito coelhos. Ouviam tudo o que vinha do outro lado das paredes e ao escutarem a voz de Ronald, que era bastante grave, puderam imaginá-lo como uma figura grande e temerosa.

Voltaram à cozinha para preparar o jantar. Helena ficou com os legumes, enquanto Raquel assumiu o preparo dos coelhos. Pensara em fazer os três, pois assim alimentaria a todos, mas não podia incitar suspeitas. Então, como de costume, prepararia apenas dois.

Os pensamentos de Raquel devoravam-na com questionamentos sobre o que faria a respeito dos estranhos que escondia em seu quarto. Ela queria ajuda-los, mas não sabia como. Não tinha nenhum telefone e sabia que não podiam contatar a polícia. Era a segunda vez que lidava com uma situação dessas e se Ronald os descobrisse, ela sabia exatamente o final da história.

Helena também tinha os pensamentos abarrotados com os forasteiros. Tê-los no quarto de Raquel era o mais próximo de pessoas reais que ela havia chegado, com exceção do velho Francis. Estes eram jovens. Conheciam o mundo real. O mundo das compras, o mundo das roupas, das músicas, dos filmes, dos romances, das festas e dos croissants. Ela só queria correr até o quarto e enchê-los de perguntas e curiosidades. Mas sabia que não podia e odiava não poder.

Ronald se secou e vestiu-se. Certificou-se que havia fechado com certa força o registro, pois não queria que gotículas escapassem e ficassem a noite inteira respingando e ecoando pela casa. O banheiro era tão modesto quanto a casa, portanto, não havia chuveiro. Era apenas um curto cano que permitia a passagem da água.

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