Dezembro, 2017
Ouviu o ranger estrídulo da porta se abrir e em seguida se fechar. Ergueu-se em seus cotovelos para ver quem havia adentrado o quarto e viu apenas a silhueta formada pelas sombras na parede. Sua figura tornara-se descomunalmente assustadora. Os braços grandes e fortes seguravam um machado, e, quando Lucille percebeu que ele aproximava-se da cama, tentou saltar imediatamente do colchão.
O ruído pacato da chuva era o único som que ecoava pela casa. Lucille tentou se mover, mas não conseguiu. Sua boca estava seca e era impossível gritar. Ronald pôs-se ao lado da cama e sua altura encobriu-a como uma nuvem carregada sobre um campo árido. Ele levantou vagarosamente o punho que segurava o machado, agonizando-a. Ela viu seu rosto nitidamente através da iluminação que penetrava pelas frestas da janela.
Embora o cabelo cobrisse seu rosto a maior parte do tempo, naquele instante ele se expôs. Ela pôde perceber cada um de seus traços, inclusive a falha em sua sobrancelha. Parecia uma cicatriz ou uma espécie de queimadura. Ele moveu-se subitamente pondo-se sobre seu corpo frágil. Ela reuniu todas as forças para tentar golpeá-lo, porém parecia estar paralisada.
Lucille sentiu um clarão pesar sobre os olhos e só então os abriu, percebendo que havia tido um pesadelo. Demorou alguns instantes para acostumar-se com o cenário sem Ronald. Viu Raquel afastar da janela o pedaço de lençol que servia como cortina, e assim clarear o quarto. Ela sorriu olhando para Lucille e percebendo seu estado sonolento. Lucy se espreguiçou brevemente e se levantou. Os pesadelos eram tão frequentes que a garota de certa maneira havia se acostumado.
— Deixe, eu arrumo. –Raquel disse impedindo-a de dobrar os cobertores. – Vá comer, logo iremos terminar a colheita.
Lucille assentiu apressando-se até a cozinha. Havia esquecido que era dia de finalizar a colheita para entregar os caixotes a Francis. Ela ainda não se acostumara, mas o velho os visitava a cada duas ou três semanas para recolher os vegetais e trazer-lhes o que escreviam em uma lista. Da primeira vez que ele os visitou, ela não pediu nada, pois teve medo de parecer incômodo, porém, numa outra vez, as irmãs insistiram para que ela escrevesse algo na lista e ela acabou fazendo um pedido que não era especificamente para si, mas sim, para as irmãs.
— Bom dia. –Lucy disse a Helena que estava à beira do fogão.
— Bom dia. –Helena aproximou-se com uma xícara e entregou-lhe. – Veja se está muito quente. Posso tê-lo fervido demais.
— Está ótimo, obrigada. – Ela disse após provar o leite que estava na temperatura perfeita, assim como os que sua mãe lhe fazia quando era criança. – Desculpe-me, acabei esquecendo o dia da colheita.
— Não se preocupe, ainda está muito cedo. Ronald e Marcus acabaram de sair para caçar. –Helena disse e Lucy teve a certeza de que estava muito cedo. Em dias de caça saíam antes do nascer do Sol.
Lucille deu longos goles buscando apressar-se e percebeu que o cheiro do cigarro ainda rescendia pela casa. Certamente eles haviam saído há pouco. Assim que terminou de beber, lavou a xícara e a pôs sobre um pano na mesa para secar, até que Raquel apareceu com cestas para a colheita.
A chuva da noite anterior deixara os animais ainda mais ariscos e dificultaria a caçada. Marcus apreciava o desafio, enquanto Ron preocupava-se em não encontrar o suficiente para manter as garotas saudáveis – o que era um tormento exagerado.
Diferentemente da primeira caçada de Marcus, desta vez, Ronald parecia menos ameaçador. Na primeira vez, Marcus saíra sem nenhuma arma e era forçado a andar sempre à frente. Levaram-se algumas caçadas até que Ronald tornou-se seguro o bastante para baixar a guarda e permitir que Marcus carregasse uma espingarda e uma faca. Se Marcus tentasse atacá-lo com a faca, precisaria de pelo menos dezenas de golpes, ou força o bastante para acertá-lo numa artéria vital. Se tentasse usar a espingarda, precisaria desenvolver um superpoder que unisse velocidade e agilidade, pois Ronald era hábil como uma serpente.
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Isolados
HorrorA ânsia pela aventura levou um jovem casal a ingressar numa viagem sem destino. Lucille e Marcus descobrirão o sabor da liberdade e questionarão se sua fantasia em busca do desconhecido realmente valerá as memórias que a viagem lhes trará...