Quando eu era criança, vovó me levava à praia. Eu catava conchinhas pequenas, lançando-as ao mar como um desejo ondulante, quebrando marolas na praia. Olho para baixo. Não sei se têm conchas nessa praia, mas desejo sonhos distantes. Lanço pensamentos cavernosos na direção do mar, pedindo que me restitua o que foi perdido, que me leve ao perturbador, à realidade fria. Desejo sentir. Desejo chorar. Desejo que possa sentir alguma coisa.
Desejo poder trazê-la de volta.
Karin era mais nova do que todas nós. Ela se comportava como uma peixinho fora d'água, uma andorinha perdida do bando, a estátua prateada entre as douradas ㅡ e, nesse pensamento fútil, percebo que nunca fui de ouro ㅡ as ondulações do corpo exaltando sua beleza em meio aos desprezíveis, aos ordinários. A cobiça me fervia os dentes, me rasgava o intestino, e aqueles lábios vermelhos, o Divino nos visitando num inferno em comunhão. A pele branca como a neve. Um peso de papel seria capaz de segurá-la entre as outras folhas.
Nós viajamos de encontro ao desconhecido. Eu me sentava sob pedras e colinas, admirando-a de longe. Ela agitava os braços, dava piruetas coreografadas nos campos, e eu sentia a cambalhota na boca do diafragma. Eu via do vermelho ao violeta, borboletas cruéis socando a ânsia pra dentro, e pensava, você cospe pétalas amareladas, eu vejo midas sob a água.
Ela vinha de encontro a mim, e eu cedia tudo. O sorriso dizimando o simbólico, atraindo para perto intenções. Eu podia fazer o que quisesse. Karin tinha 15 anos, e, oh, meu Deus, eu só vejo as pétalas por toda parte...por quê? Não sou cruel.
Eu me lembrava de encorajá-la ao decrépito de si mesma, queimar a garganta de uísque, percorrer a insanidade para dentro do corpo pequeno. Assim eu podia vê-la de perto, tocar sua pele sem que desconfiassem. Eu sempre fui a porra do problema.
Da primeira vez, Yukyung nos repreendeu. Na segunda vez, os lábios de Karin manchados de rosa-fúcsia, vestido abarrotado, o sorriso furtivo, ela me agarrou pelos cabelos, o asfalto quente contra a bochecha, implorando que tivesse discernimento, que me estreitasse pra dentro dos meus desejos e lutasse as más intenções pra fora do corpo.
E eu concordei. Porque Min Karin era arte. Das mais admiráveis.
Estreitando pelo buraco da fechadura do quarto de hóspedes, abafo a respiração. O corpo seminu, a pele brilhava como explosões minuciosas. Eu penso no profano e no sagrado, e não sei a diferença. As cores no chão, o soco no estômago. Ela dançava apaixonada, concedendo à dança aos fantasmas.
Eu danço sozinha, dentro da caixa de música.
Observo as nuvens no céu. O mar se agita e uma onda espessa quebra no meio do meu fingimento compulsivo.
Eu nunca choro.
Nunca.
☁
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ㅡ fusca azul. elris
FanficHyeseong contempla um mar de possibilidades no capô de seu belo fusca azul. [♡] shortfic | hyeseong | friendship | completo ©borbulhos, 2018. TODOS DIREITOS RESERVADOS.