06. caos

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Lágrimas vertiginosas afogam memórias salgadas. O Verão do Quinteto nos tímpanos.

Yoona e Sohee brincavam debaixo do guarda-sol soltando gritinhos quando uma carta derrotava a outra. Dentro do fuscal azul, Yukyung passava protetor solar, contemplando o mar, esperando nuvens que nunca vêm. As manchas avermelhadas pelo corpo denunciam a rosácea.

De novo, sentava sobre o rochedo de pedras, afastada das garotas, observo a praia. Meus cabelos loiros encaracolados flutuam com o vento. Eu me concentro.

Eu a vejo: lábios avermelhados, a sina perfeita. Ela agita os braços na água, as tranças grudam no pescoço e no rosto, úmidas das ondas. Eu me vi, terrível, a bile subindo à garganta por causa das asas esqueléticas se debatendo, e sei que faz tempo. Tanto tempo. 

Era mais uma de nossas fugas. Não gostava de preocupar meus avós com minha ausência porque parecia um ato de rebeldia e ingratidão. Mas Sohee era tão convincente. Eu pensava na teoria Heliocêntrica e não precisava de muito mais para me convencer. Yoona precisava de nós, mais do que nunca. Será que eu podia, por favor, considerar a situação? Yukyung se inclinava sobre nós como uma coruja, repugnando a ideia de matar aula só para dar um pulo na praia. Apesar do jovial e do banal, Sohee a convenceu mesmo assim. Se eu esticasse as mãos um pouco mais, era quase palpável e palatável, ignorando erros de principiante.

Eu vi que o sol me engolia.

Levantei das pedras, caminhando até à beira da praia. Karin contemplava as ondas maiores ao longe, rindo baixinho. Eu me lembro de me perguntar o que era tão engraçado. Ela disse que estava feliz por contribuir, mesmo se isso significasse quebrar algumas regras, como se a essência esmiuçada por si só já não dissesse respeito ao caráter. E eu sorri, porque, claro, ela tinha razão. Yoona se aventurava num poço cavernoso de decepções. Eu odiava minha superficialidade esbarrando nos cantos de cada sombra, culpando Karin, culpando as meninas, porque a inveja me comia de dentro para fora. Uma indignidade crescente que carcome as beiras dos dedos, eu sinto formigar e sei que acabou pra mim, de qualquer forma.

Juntei-me à Karin, brincando com a beira das ondas. Ela exibia uma positividade alegórica que visitava meu corpo a cada vez que me sentia afundar. Nós guerreávamos, espirrando água para todos os lados, verdadeiras crianças. Eu me sinto horrível.

Chamei-a para ir mais fundo comigo. Eu queria que você fosse fundo comigo, Karin. Desafiando as ondas, quebrando problemas na crista da água. Ela segurou minha mão com força e eu a guiei para à água. A água batia em nossas cinturas, segurando a mão com força. Eu sorri, incerta dos motivos, Karin comentando qualquer coisa sobre pulos e ondas. Eu não prestava atenção. Finalmente, me vi num refluxo disparado de sentimentos, e lembrei do que Sohee dizia sobre eles, como se a dormência primitiva do meu sistema nervoso acordasse como o olho do furacão. De uma vez, as máscaras caíram, o sorriso forçado se esvaindo pela correnteza. Eu pensei que fosse de mentirinha, me senti uma tola, rechaçada de atitude. Em algum momento, sem de fato saber, deixei acontecer. As borboletas vieram, eu sentia que ia vomitar, o sol me engolia. 

Olhei para Karin. O sorriso sumia do rosto, o vermelho dos lábios parecia sangue coagulado. As ondas na brutalidade hipnotizante. Fraquejei. Senti-me domada, temporariamente, por uma insanidade certeira, rente à pele queimada. Eu senti o sol se aproximando, as ondas dançando. Eu sou cruel. Eu não tenho culpa. Karin, você é bondade. Karin, você é amor.

Tudo fez sentido. Tudo se abriu. Eu a beijava nos lábios salgados. Um antídoto sacro, um veneno mortal. Eu matava borboletas, eu caçava conchas na beira da praia. Leve como bolhas de sabão, leve como as penas dos pássaros.

Penas se distanciando na crueldade marítima.

Caindo.

Caindo.

Caindo.

Ondas.

Ondas! Ondas! Ondas!

Eu me vi em terceira pessoa sob os rochedos.

A brutalidade do mar não perdoa o sagrado, quem dirá a superficialidade violenta que se projeta no esqueleto adolescente. O mar enterra os culpados. Mas também os inocentes. Uma faísca carniceira evade os pensamentos, eu me debato na água, buscando perdão, buscando um presente sutil, um passado distante, uma vida antiga.

Karin não sabia nadar.

Então eu acordei. Suas mãos entrelaçavam nas minhas, a força brutal, o desespero catártico. O sol já me engolira  ㅡ eu, Hyeseong. Atos grandes se espalham na neblina do ego, eu não vejo o que quero, apena a ideia platônica de existir num mundo sozinha.

Não fui capaz de segurá-la. Seus gritos eram altos. Teoria heliocêntrica. Matar borboletas. Assassinar o ego.

Yukyung gritava, esperneando em direção ao mar. Seu vestido de jeans encharcava, ela impotente diante das ondas. Também não sabia nadar.

Yoona chorava, suas pulseiras caíram no mar.

Sohee gritou comigo de um jeito diferente. Eu engasguei com tanto hélio. A culpa é sua. Sua mente errática se desdobra diante de vidas. Você não sabe nada sobre amor verdadeiro. Isso é uma mentira.

Ela fincou as unhas na minha pele. No braço direito. Até arrancar um pedaço, até sangrar. Sohee me chacoalhava, gritava, me estapeava nas bochechas, arrancava meus cabelos, falando sobre Karin de uma maneira que eu nunca consegui, porque, de qualquer modo, eu era uma vaca insensível, uma psicótica sem palavras.

Yoona insistia na busca do corpo, mergulhando profundamente. Eu juro que vou encontrá-la, eu juro. Vagando como uma pena.

Caindo.

Caindo.

Caindo.

ㅡ fusca azul. elrisOnde histórias criam vida. Descubra agora