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O barulho das ondas quebrando era reconfortante, os pequenos raios de sol que escapuliam pelas frestas dos galhos das arvores e banhavam minha pele também.
A primavera já chegava ao fim, dando inicio ao rigoroso verão que viria pela frente. Seria meu primeiro verão longe de casa.
Eu nunca havia saído de meu País, nunca havia morado fora de Londres ou de Brighton, e nunca passara pela minha cabeça que as circunstâncias me obrigariam a voar para tão longe.
Brasil nunca me pareceu um País para se morar, era na verdade um ponto turístico onde as garotas mais ricas da escola viajavam nos verões e voltavam no mês seguinte com um bronzeado que não combinava em nada com elas.
Não é um País ruim, se é o que quer saber... Os dias são ensolarados, as pessoas são calorosas, as comidas são boas, e a melhor parte, Daniel estava comigo.
Depois da morte de John, os arcanjos deram um jeito de nos culpar pelo que acontecera, e não é que eles não possam nos encontrar aqui, porque podem, só que aqui, estamos exilados. Exilados de qualquer contato com qualquer ser que não seja humano.
Parece perfeito, não é? Mas não era.
- Tudo bem Anjo? - disse Daniel deixando uma toalha ao meu lado e me dando um rápido beijo na testa.
Sorri e apontei para o rio.
- Vai entrar?
- Vou. - disse e tirou a camisa - Entra comigo?
- Agora não...
Daniel me entregou a camisa e correu para a água, eu sabia que ele iria demorar. Para Daniel, atravessar o rio de uma borda a outra não era muito mais dificil do que atravessar uma piscina.
Outro detalhe, os arcanjos não foram muito gentis na escolha de cidades... Eles não nos mandaram para Rio de Janeiro ou para Fortaleza onde as praias eram lindas... Nos mandaram para uma claustrofóbica cidadezinha chamada Franca, no interior de São Paulo. Comprar um café numa lanchonete era uma tarefa quase impossível, já que eu não sabia nem o básico do básico de Português.
Não havia praia, não havia sequer rios...
Daniel estava saindo da água, se sentou ao meu lado e fitou o azul do céu a nossa frente.
- Estava boa?
Ele assentiu com um sorriso. O fato de estarmos a um oceano de distância de nossa casa, não parecia incomodá-lo nem um pouco.
- Megan desapareceu.
- O quê?! - falei
- os arcanjos não são bons em esconder coisas, eu sabia que ela não lidaria bem com o fato de estar exilada.
- Também sinto falta de casa, sabe?
Daniel não disse nada, mas notei que ele suspirou.
- Então por quê não voltamos?
Me virei para trás ao mesmo tempo que Daniel, Megan e Felipe nos olhavam sorrindo.
- Megan! - Gritei e corri para os braços abertos dela - Ai meu Deus, o que está fazendo aqui?!
- Não podem ficar aqui. - Disse Daniel secamente - Vão arrumar mais problemas.
- Daniel com medo dos arcanjos? Quem te viu quem te vê... - Felipe sorriu - Vamos lá Daniel, que lugar é esse afinal?
- é verdade - disse Megan - Rifaina? Já tinham ouvido falar antes de vir pra cá? E não deviam estar em Franca?
- Daniel achou que seria bom passar um fim de semana aqui... É um lugar bonito. - sorri - Eu sabia que iam aparecer!
- Não é seguro. - disse Daniel novamente - conseguimos uma trégua com os arcanjos, e vamos aproveitar isso.
Me vi dividida, eu entendia a preocupação de Daniel, mas são poucas as coisas que eu não faria para voltar para casa e ver mamãe novamente.
- Vamos entrar... - disse ele depois de um tempo - falamos lá dentro.

- Vamos viajar semana que vem, - acrescentou Felipe de trás do balcão - encontraremos Mike no galpão infernal, e vamos reunir um exército.
- Isso nem chega a ser um plano, vão começar outra guerra? - Disse Daniel - e acham que é simples assim reunir um exército pelas costas dos arcanjos? Vão estar todos no inferno antes que consigam entender onde foi que erraram. É loucura.
- Por isso estamos aqui. - Megan segurou minha mão - precisamos de vocês. Vamos tirar os arcanjos do poder, juntos.
- E vão colocar quem? - perguntou Daniel, eu percebia claramente que ele fazia um esforço enorme para manter a calma.
- Importa? - Felipe revirou os olhos.
- Esqueçam, arriscado demais, zero chances de dar certo, se forem fazer isso, farão sem nós.
- Quando foi que passou a falar por ela? - Felipe disse meio irritado - Só porque você está com medo não quer dizer que ela tenha que ficar e se esconder também.
- Ta tudo bem... Não vou a lugar nenhum sem ele. E acho que ele tem razão, o plano de vocês não tem a menor chance de dar certo. - suspirei -os arcanjos nos deram a chance de ter vidas normais, entre os humanos, longe de guerras... Talvez seja melhor só... Aproveitar.
- Mas isso não é quem nós somos. - murmurou Megan.
Daniel a encarou, todos nos encaramos, Megan tinha razão... Mas isso não queria dizer que iriamos arriscar nossas vidas. Eu não arriscaria minha vida ao lado de Daniel. Nunca.
Afinal, não era isso o que eu sempre quis? Uma vida calma ao lado dele, sem nada que pudesse tirá-lo de mim, sem nada que pudesse me tirar dele. Não era esse o meu sonho?
Então por que eu estava tão infeliz?
Por que tinha sonhos em que estavamos no meio de uma luta? Por que pensar em travar uma guerra que com certeza nos mataria me deixava tão entusiasmada?
Por que mesmo depois de dizer que não existia a menor chance de entrarmos nessa com eles, eu ainda sentia uma pontada de esperança?
Por que é que eu queria tanto ir?

Senhor das TrevasOnde histórias criam vida. Descubra agora