O chão não era de algodão, não parecia de forma alguma estar flutuando sobre uma nuvem. As paredes também não eram brancas, pelo menos não aquele branco que costumamos imaginar quando o assunto é o céu.
Mas o céu tinha uma particularidade agradável, possuia decoração. Coisa que você não encontra andando pelos corredores do inferno.
Bati na porta o mais forte que podia, mas era inútil. Épicamente inútil em meu estado atual.
- Preciso sair daqui... - sussurrei.
Eu não sabia quanto tempo havia se passado, tão pouco me importava. Eu estava presa ali, o que era irônico. O céu nunca me pareceu um lugar para se estar presa, era, na verdade, o oposto disso.
Foi quando algo atravessou meu corpo, como o vento, só que mais leve. Meus olhos começaram a pesar e meu corpo relaxou, como se ao invés de trancada num cômodo num lugar que eu não conhecia, eu estivesse relaxando na praia.
Pensei em John, e em todas as coisas que ele já havia me dito. John dissera uma vez que eu não era muito diferente do resto do mundo, todos possuíam o bem e o mal dentro de si, só precisavam escolher de qual lado ficar. E eu também era assim, tinha o poder de decidir o que eu seria.
Me dei conta então de que o céu era minha casa tanto quanto era a casa de John, eu não era má, nunca fui.
Fechei os olhos por alguns segundos e fui até a porta novamente. Dessa vez foi suficiente empurrá-la com uma mão. Não era muito diferente de qualquer outra porta.
Sabe essa ideia de que o céu é bonitinho com anjinhos tocando harpa? De que tudo lá é delicado e transmite paz? De que toda parte é branca e parece ser feito de nuvem?
Pois é, esqueça tudo isso. Esqueça tudo o que já ouviu ou leu sobre o céu.
Se parecia com um castelo medieval, eu podia ver os anjos andando em grupos nas enormes escadarias, todos de armaduras e espadas. Eu nunca havia visto um anjo vestido assim, na terra ao menos se vestiam como humanos.
No teto haviam bandeiras brancas e douradas com desenhos que eu não compreendia, e janelas. Muitas janelas. Ao contrário do inferno, o céu parecia ser grande fã da luz do sol.
Amenadiel surgiu do meu lado como um fantasma.
- É grandioso, não é? - perguntou.
Fiz que sim, mas não pude dizer nada. Era tanta coisa para olhar, tanta coisa para perguntar... Era tanta coisa pra absorver que palavra alguma poderia ajudar.
- Acho que está na hora de falar com alguém, não é educado vir a casa de Deus e sequer dizer um oi.
O encarei por um momento, ele estava brincando, certo?
Não estava. Me pegou pelo pulso e saiu me puxando, uma mania irreversível de Amenadiel.
Fiquei preocupada com a possibilidade de ver Deus, mas isso logo passou quando entramos numa espécie de capela.
- Você quer que eu reze? É isso? - perguntei.
- Não posso te obrigar a isso, vai contra o livre arbítrio. - ele sorriu - Mas seria o certo a fazer, se é o que quer saber.
Tentei dizer a ele que eu queria era estar em Londres, que queria nunca ter saído de lá, que a culpa era toda dele. Mas não disse, porque eu simplesmente não consegui ficar brava.
- Leve o tempo que quiser. - ele disse, depois foi embora.
Olhei cada detalhe daquele lugar, cada anjo desenhado, cada cruz que parecia pintada a mão. Era perfeita, e só alguém como Deus seria perfeito o suficiente pra fazer aquilo.
Elevei meus pensamentos a ele e tentei encontrar palavras que pudessem me redimir. Mas não encontrei. Então pensei em John, e no que ele diria naquele momento.
" Diga o que está em seu coração. " Ele diria e depois beijaria minha testa.
E foi o que fiz. Falei de como tudo ali era incrivel, de como eu tinha certeza de que era do bem, falei que sabia que ele nunca havia me abandonado, e que eu não merecia estar ali, pois eu o havia abandonado. Contei que sentia falta de casa, e de tudo o que havia acontecido.
Eu o sentia ali, mesmo que não pudesse vê-lo, sabia que estava me ouvindo. Sorri ao pensar nisso.
Eu sentia as mãos dele sobre meus ombros, exatamente como John faria, exatamente como um pai faria.
Não demorou muito pra eu chorar, é claro. Já havia chorado por tão menos, seria incapaz de controlar as lágrimas agora.
Eu contei a ele de Daniel, contei que o amava. Mas Deus já sabia de tudo isso, ele sabia porque estivera comigo todo o tempo.
Mas se Deus era bom, e me amava, como eu poderia lutar com Megan contra os arcanjos? Afinal, eles trabalham para ele.
Mas se os arcanjos trabalham pra ele e são maus, como eu poderia escolher um lado?
John não era mau.
De repente senti medo, e dúvida. Os arcanjos haviam destruído minha vida, mas como eu poderia lutar contra eles? Seria o mesmo que ficar contra Deus, e eu não queria isso.
Mas como abandonar Mike? Se tudo o que eles queriam era a liberdade? Eu também queria liberdade.
Todas as minhas certezas desapareceram, e eu me senti perdida.
Disse a Deus que estava confusa, e pedi ajuda. Mas não obtive resposta alguma.
Sei que quando abri os olhos estava no avião, a Senhora ainda estava do meu lado e dormia tranquilamente. A principio achei que fosse Amenadiel, mas não era.
Eu havia sonhado? Não fazia sentido nenhum.
Olhei para meu colo e a garrafa com a bebida estava ali.
Não a toquei, sequer me movi. Me sentia tentada a me jogar do avião, mas também não o fiz.
Nada fazia sentido. Eu tinha agora um mistério a resolver e várias dúvidas a solucionar.
Como é possivel estar certa de algo num momento, e total e completamente perdida no outro?
Sei que não peguei no sono pelo resto da viagem, tudo o que fiz foi olhar pela janela pelas horas seguintes.
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Senhor das Trevas
RomanceO "felizes para sempre" de Analu não dura muito, após levar a culpa pela morte de seu pai, ela e Daniel se encontram exilados de qualquer contato com o mundo angelical. Quando a oportunidade de dar a volta por cima bate em sua porta, Analu se vê...