"02"

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Dois dias se passaram sem que Megan e Felipe retornassem para Rifaina. Me flagrei com medo de que tivessem adiantado a viagem e partido sem mim. Era um medo idiota, porque eu sabia que não iria com eles. Mesmo que a viagem fosse dali a um mês.
Minha cabeça sabia que o certo a fazer seria ficar, aceitar o presente dos arcanjos e aproveitar a vida ao lado do homem que eu amava.
Mas meu coração parecia não entender.
- Acho que devíamos ir. - acabei por dizer enquanto voltávamos para Franca - Megan tem razão, isso aqui não é quem nós somos.
- Analu, eu vivi muitos anos... Dez vezes mais que você, lutei em muitas guerras, passei por muitas coisas que jurava que não conseguiria, e não vou negar que isso me fez uma pessoa melhor, isso é parte do que sou hoje, mas preciso que confie em mim quando digo que é melhor assim. - Ele tirou a mão do volante e acariciou meu joelho - Sei o que é essa sede por adrenalina, sei como se sente estando aqui, mas por favor, por mim, tente não ver isso como uma prisão... Tente esquecer essa sua outra parte, e volte a ser apenas Analu, a minha Analu. Tudo bem?
Eu queria dizer a ele que estava tudo bem, queria dizer que confiava nele e que o amor dele era o bastante para que eu fosse feliz. Mas não era.
Eu queria mais, precisava de mais.
- Não... - sussurrei - você não sabe como me sinto...
- Anjo?
- Não me chame de anjo!
- hey, está tudo bem, ok? Fique calma.
Senti meu sangue queimar dentro das veias, eu sentia o leve formigamento do meu poder saindo para fora, eu sentia que nesse momento, podia fazer absolutamente qualquer coisa.
- meu Anjo... - disse Daniel estacionando o carro no acostamento - Respire, precisa se acalmar, só isso. Não é nada demais, apenas se acalme.
Eu respirava, mas o ar não parecia me acalmar, pelo contrário, me fazia querer destruir tudo o que aparecesse na minha frente, inclusive Daniel.
- meu Anjo? - ele disse e tocou meu braço.
Segurei sua mão com força e torci.
- Eu... - falei e torci ainda mais seu braço - Não... - a essa altura Daniel tentava se soltar, mas eu o havia imobilizado - Sou... - ouvi o barulho dos ossos se quebrando - O seu Anjo! - Gritei e soltei sua mão.
O braço dele caiu sobre seu colo, totalmente fora do lugar.
Daniel gemia de dor, apesar de ser forte, não tinha como não reagir ao estrago que eu fizera em seu braço.
Quando percebi claramente o que havia feito já era tarde demais.
- Ai meu Deus! - gritei - me desculpe, ai meu Deus, por favor me desculpe!
Ele segurava o ombro com a outra mão, percebia por suas feições que embora ele pudesse se curar sozinho, levaria mais tempo do que o de costume.
Esse era um dos ótimos benefícios de ser ferido por uma mestiça... Desde um corte no dedo a um braço quebrado, levaria mais tempo a cura, só pelo fato de ser minha a autoria.
- Daniel...
- Seus olhos ficaram pretos outra vez. - ele respondeu - totalmente pretos, como há tempos não ficavam.
- Daniel, eu... Sinto muito...
Mas ele não queria ouvir, porque sequer olhava para mim.
- Essa sede por adrenalina, essa vontade de ver sangue derramado em uma guerra, o fato de odiar esse lugar... É isso... Seu lado demônio, está falando mais alto.
- Não é verdade eu só perdi o controle... Me perdoe, me deixe cuidar do seu braço...
Tentei tocá-lo mas ele afastou minha mão. Daniel nunca havia ficado bravo comigo assim, nem uma vez sequer.
- me desculpe... - falei depois do que pareceu uma eternidade.
- Tudo bem. Preciso que dirija até lá.
Eu sabia que não estava tudo bem, mas não questionei, apenas fiz o que ele pedia. Nenhum dos dois disse mais nada pelo resto da viagem.
Quando chegamos em casa Daniel tomou um banho e foi para a cama, tentei me concentrar na menor das tarefas, como lavar um prato que estava na pia, mas fui mal sucedida.
Tudo em que conseguia pensar era em como queria que John estivesse vivo, para poder correr para o colo dele e escutar que tudo ficaria bem. John havia sido morto por Mary, minha mãe, um demônio calculista e perverso... E por um momento passou pela minha cabeça que tinha muito dela em mim, correndo por minhas veias.
Fui para o quarto ver como Daniel estava, ele dormia tranquilamente... Beijei seu rosto de leve para que não acordasse e toquei seu braço. Não dava pra saber sem um Raio X mas a olho nu ele já estava bem melhor.
- Eu sinto muito... -sussurrei- Amo você meu Daniel.
- Eu também te amo, Anjo. - disse ele sem abrir os olhos.
Não pude controlar uma lagrima que escapulira, e funguei baixinho o que fez com que ele me olhasse pela primeira vez desde o acidente no carro.
Ele não se moveu, não me abraçou ou disse que tudo estava bem enquanto me beijava. Apenas ficou ali, me olhando, talvez pensando no quanto se arrependia por me ter... Mas não, Daniel me amava, disso eu tinha certeza, a questão era, ele sabia que eu o amava também?
- Ainda dói? - perguntei.
Ele fez que não, e dessa vez deu um sorriso amarelo.
- Talvez se você der um beijinho possa melhorar mais rapido. - disse ele.
Sorri e me inclinei para beijar de leve seu ombro, continuei traçando uma linha de beijos até seu pescoço, depois até sua boca. Mas não a beijei. Queria que ele me beijasse, que ele me puxasse para um beijo e mostrasse o quanto me desejava. Mas ele não fez isso... Sorriu para mim e fechou os olhos para voltar a dormir.
- Daniel?
- Só estou cansado meu Anjo, vamos dormir ok? - sussurrou.
- Amo você... -sussurrei de volta.
Ele não se deu o trabalho de responder, algum tempo depois sua respiração ficou mais lenta, o que mostrava que ele estava dormindo.
Toquei o colar que ele havia me dado como simbolo de nossa união, o colar ainda existia... Estava ali, sólido e firme. Mas tudo o que ele simbolizava estava desaparecendo gradativamente.

Senhor das TrevasOnde histórias criam vida. Descubra agora