[cigarette daydreams - cage the elephant]

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A buzina do carro que aguardava no semáforo atrás de mim me despertou do transe que tinha se espalhado pelo meu corpo. Pisei no acelerador, ainda atordoado.

A chuva sempre me acalmou quando eu estava agitado demais, mas chuva que caia lá fora não impedia que minha cabeça trabalhasse incansavelmente repassando os fatos que tinham acabado de acontecer. Eu procurava uma resposta para tudo que tinha ocorrido, procurava entender de que forma eu havia acabado dentro do carro, dirigindo sem rumo.

Uma hora atrás, me encontrava apoiado na porta do 412 esperando que eu ficasse parado quando Victoria virasse as costas e fosse embora.

A menina na minha frente tinha cabelo preto como a noite e segurava uma mala com toda a força que suas mãozinhas podiam fazer. Ela parecia mais cansada do que chateada, o que me deixou um tanto preocupado.

— Então é isso? Você está caindo fora? — Não pude impedir que a voz saísse trêmula. Estava tentando entender as coisas, mas tudo parecia tão confuso. Como havíamos chegado nesse ponto?

Vi Victoria suspirar e desviar o olhar, ainda impaciente. Eu sabia que no momento que ela fechou os olhos, procurava achar uma resposta certa para tudo aquilo, mas eu sabia que ela estava exausta. Seus ombros, o moletom fechado até a metade, meia e chinelo. Aquela era uma pessoa no mais profundo estado de cansaço.

— Então é isso. Eu estou caindo fora.

De alguma forma, depois de dois anos, falhamos. Batemos de frente, escapulimos, perdemos o carrinho. De alguma forma, nossas festas não eram mais as mesmas e nossos cigarros deixaram de ser o bom e velho Marlboro. Ela não pegava mais meus suéteres gigantes e nem ria das minhas piadas ruins.

De alguma forma, acabamos na porta do 412: ela de moletom e eu só de bermuda.

Então ela se aproximou e me abraçou.

Depois deu as costas.

Aquele momento parece passar em câmera lenta na minha cabeça, num loop eterno. E tudo que eu podia pensar era que ela havia ido embora. Ela havia ido, de fato, embora. E eu sei, ao reparar seu semblante abatido que não havia mais volta. Victoria havia segurado as pontas até o seu limite, tinha lutado para que a magia permanecesse entre nós.

Mas nem mesmo ela foi capaz de realizar isso.

Quando caí na real, tentei segui-la pelo corredor. Sem resultado: Já havia entrado no seu carro e dado a partida.

E então, cá estou eu. Dirigindo, na chuva, enquanto procuro respostas para o término.

Acredito que não tenha sido tão inesperado e acredito que meu subconsciente estava se preparando para isso há tempos. Mas quando as coisas acontecem de fato que você percebe que não tem mais volta. Você não sabe o que fazer até quando você não tem chances para fazer mais nada.

Então, tudo se esclarece.

Talvez se eu tivesse insistido mais, talvez se eu tivesse levado ela para passear nos seus lugares favoritos, se eu tivesse assistido mais um filme romântico ou preparado mais um jantar... talvez nada acabasse dessa forma.

Ou talvez devesse acontecer. Quem sabe ninguém pudesse ter feito mais nada, afinal, alguns amores simplesmente se desgastam. Acabam. Não são feitos para durar para sempre. E tudo bem com isso. Não é nossa obrigação viver com alguém para o resto da vida.

Mas onde tínhamos falhado? Como tudo podia ter ido embora tão de repente? Até onde eu me recordo, as coisas pareciam bem duas semanas atrás. Estávamos rindo e comendo pipoca, felizes como se o mundo não fosse um poço de decepções.

Acendi um cigarro.

Ela só tinha 17 quando nos conhecemos e agora parecia ter feito uma eternidade desde aquele dia. Seu rosto inocente havia se tornado no de uma mulher decidida. Eventualmente ela havia conquistado tantas coisas, incluindo meu coração.

Agora era simplesmente estranho pensar que ela não estaria lá nos sábados de manhã e nos domingos a tarde de sol. O único consolo que me restava era saber que, embora tenhamos acabado dessa forma, eu fui capaz de fazê-la feliz.

Victoria tinha sido uma aventura que eu enfrentaria de novo sem problema algum, mesmo que boa parte de mim já tivesse aceitado que as coisas acabariam daquele jeito de qualquer forma. Victoria era perfeita pra mim, mas eu não era feito pra ela.

Me contentei com o fato de que tudo ficaria bem, eventualmente. Que eu finalmente poderia olhar para ela sem que o meu coração doesse. Que não importa a pessoa que ela encontrasse, eu ficaria feliz por ela. O ponto é: tudo aquilo parecia distante demais.

A chuva continuou caindo.

Eu já não tinha ideia de onde eu estava.

A buzina do carro que aguardava no semáforo atrás de mim me despertou do transe que tinha se espalhado pelo meu corpo. Pisei no acelerador, ainda atordoado.

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⏰ Última atualização: Jun 09, 2020 ⏰

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