Capítulo III

18 2 0
                                    

A figura na escuridão balançou a mão a frente, criando uma névoa branca que aos poucos foi tomando forma e como um espelho passou a refletir nitidamente a imagem de uma criança dormindo tranquilamente. A sombra sorriu.

-Você fez muito bem, Thomas! Acho que já é hora da mamãe voltar.

Ela colocou as mãos segurando a névoa como se fosse uma massa e começou a puxá-la para esticar, enquanto ecoava as palavras do feitiço. No chão as marcas vermelhas desenhadas a sangue brilhavam queimando. A mulher sentia seu corpo queimar ao passo que o feitiço arrancava um pedaço da sua alma para conseguir energia, mordeu o lábio inferior para suportar a dor e continuar entoando o encantamento.

A névoa azulada se esticou como uma passagem, o portal havia sido aberto. Através das ondas tremeluzidas era possível ver claramente o quarto do outro lado. A mulher sorriu vitoriosa enquanto atravessava o portal.

Thomas se virou na cama e abriu os olhos, piscando confuso.

-Mamãe?

-Psiu. -ela se sentou ao lado dele, passando a mão entre os cachos castanhos. -Durma -ela sussurrou com um toque de encantamento.

Ouviu passos apressados vindo pelo corredor. Sr. Warrior apareceu a porta não escondendo a surpresa.

-Oi, papai. Sentiu minha falta?

-Amanda!

Ela riu.

-Bingo! Parece que você ficou um pouquinho mais esperto.

-Você morreu! Eu a vi morrendo cinco anos atrás...

Ela balançou a cabeça.

-Parece que não, não é? -ela bateu o dedo indicador contra a tempora. -Pense um pouco, papai.

-O que você fez ao Thomas?

-Ah... -ela olhou para o garoto que continuava dormindo, indiferente a presença dos outros. Então ergueu a mão direita como se controlasse um boneco de corda, movendo os dedos lentamente. O garoto se levantou, se movendo de acordo com os movimentos preditos, ainda dormindo. -Você nunca desconfiou da precedência do Thomas, não é mesmo? Claro que não! Você e a mamãe tão ocupados com os filhos perfeitos. - a voz demonstrava total desprezo. -O perfeito Andy, a Natália com os dramas dela sempre conseguia sua atenção, como uma criança birrenta. Até mesmo a perdida da Rafaela. -ela deu um sorriso frio. -É uma pena que ela tenha ido tão cedo deste mundo.

-Como você pôde? Sua própria família... -Sr. Warrior parecia realmente horrorizado, enquanto Amanda parecia se divertir. A mulher começou a andar pelo local, o salto não fazia nenhum barulho no piso amadeirado, como se ela estivesse andando na água.

-Você já ouviu falar que a variabilidade de genes cria descendentes mais fortes? É uma coisa interessante a se pensar, ainda mais entre raças tão distintas. -ela fez uma pausa e começou a falar como se recitasse um poema -Uma garotinha abandonada na noite fria de inverno, uma para cada família, a proteção da própria magia da natureza, os segredos obscuros escondidos com destreza (...) A noite clamará pelos sangues de seus filhos, a tempestade chegará a todos! -para ele, ela se virou os olhos vermelhos brilhando. -Você reconhece o poema?

-Do que você está...

- A tempestade chegou, papai. -as presas ficaram a mostra e suas garras cresceram rasgando a ponta dos próprios dedos.

No instante seguinte Sr. Warrior estava ao chão numa poça do próprio sangue, com a expressão congelada em surpresa e a garganta aberta. Amanda se abaixou junto ao corpo e, enquanto cantarova uma versão de My Fair Lady, começou a alterar a cena do crime para que parecesse um ataque de vampiros.

Quando terminou, se voltou para Thomas que continuava sentado imóvel assistindo a tudo.

-Ah, querido. Tudo ficará bem. -o corpo do garotinho caiu para trás na cama, pintando o lençol branco de vermelho.

- Tetsu to hagane ja magaru. Magaru, magaru. -Amanda apagou a luz do abajur olhando uma última vez para os corpos sem vida. As coisas iam ficar interessantes. -Tetsu to hagane ja magaru, My Fair Lady.

**

A anciã estava claramente irritada. Juh se encolheu em sua poltrona quando a mulher passou novamente ao redor dela. Pior do que levar esporros, era ter a mulher em silêncio cercando-a como uma presa. Por fim, ela parou em frente a lareira, encarando as chamas avermelhadas.

-Sabe porque nossa família é tão importante?

-Por que temos dinheiro? -deixou escapar e se arrependeu no segundo seguinte quando a mulher lhe lançou um olhar mortal. -Desculpe!

-Porque somos sangue puro. Somos capazes de nos reproduzirmos entre nós e termos descendentes fortes. Nosso sangue é precioso, cada gota perdida é um enorme desperdício. E o que temos? 3 MALDITAS MORTES! E entre elas o único homem da família. Natiele está tomando sangue por conta dos ferimentos, não se tem noticias da Mikaely e temos sorte de Fernanda estar bem. O que tem a me dizer sobre isso, Juliana?

-As coisas saíram do controle. Apenas dois deles tiveram acesso a cozinha, o Sr. Warrior e o garotinho Thomas. Eles podem ter feito alguma coisa quando pediram pra ir ao banheiro. O que me intriga é o fato de apenas as coxas do frango terem sido envenenadas. Era impossível saber pra quem elas iriam.

- Porque isso não era importante. Independente de quem comesse, uma família iria acusar a outra e o acordo acabaria ali. Ambos os lados tinham razões para isso.

-Nenhum dos meus filhos fez isso!

-Eu já lhe disse que você é muito gentil, Juliana. Não se deve confiar nem em sua própria sombra.

-Tem outra coisa.

- O que?

-A garota. Yami sumiu.

**

Mikaely olhou para a tela do celular novamente. Dezenas de chamadas perdidas, mas nenhuma delas de Yami. Ela bloqueou a tela novamente e encarou de longe a pequena estrada que seguia o rio. O dia estava cinzento, as enormes nuvens negras no céu indicavam que uma tempestade estava próxima, e no rio as águas corriam agitadas. Com um suspiro ela começou sua descida pelo barranco, uma figura vermelha na paisagem acinzentada. seu salto enroscou em uma pedra e quebrou.

-Droga! -ela praguejou. Então retirou o outro pé o os jogou longe, seguindo descalça, os pés delicados contra o chão de pedra. Já estava exausta e irritada, seus braços ardiam devido aos arranhões da luta. Os idiotas tinham lhe envolvido no meio, acabando com seu vestido e penteado. Também estava com fome. Mal tivera tempo de aproveitar a refeição quando tudo aconteceu. -Será que tem como piorar? -um trovão seguido por gotas geladas da chuva, confirmou que sim. E ela se apressou pisando nas poças que se formavam.

Mal chegou na casa e a porta estava aberta, uma figura encapuzada a esperava.

-Você está péssima. -ele disse.

Ela ignorou o comentário, se segurando para não xingá-lo.

-Tudo o que você previu aconteceu. Eu acho que chegou a hora.

Ela sentia os olhos dele sobre ela, analisando-a.

-Sim. Entre!

A porta se fechou, deixando o mundo chuvoso para trás. 

Quando a noite clamar por sangueWhere stories live. Discover now