II

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Vitinho

Hoje era sexta e apesar da favela estar tranquila, eu chamo alguns vapores para irem comigo fazer a ronda. Passamos por várias ruas, becos e vielas até chegarmos na ladeira principal da Nova Brasília.

Paramos um pouco para cima da pracinha e ficamos por ali mesmo. Aqui, todo mundo que é da boca precisa ficar atento 24 horas por dia. A gente não pode vacilar, ainda mais eu que sou filho do sub dono daqui.

O complexo do alemão é muito grande e é quase impossível uma única pessoa ter o domínio de todas as favelas daqui. Por isso cada uma das quinze favelas, morro da Baiana, morro do Alemão, favela da Alvorada, favela Nova Brasília, favela Pedra do Sapo, favela das Palmeiras, favela Fazendinha, favela da Grota, favela da Matinha, morro dos Mineiros, favela do Reservatório de Ramos, favela das Casinhas, morro do Adeus, favela Areal, morro do Coqueiro, tem um "chefe" por assim dizer. Mas eles funcionam como sub dono das favelas, porque o poderoso chefão é o Rangel, meu padrinho. Quando ele ganhou a guerra de facções e conquistou o complexo, para evitar uma possível retomada de território, ele deixou cada morro sob a responsabilidade de um homem de sua confiança. Cada sub pode fazer o que quiser em sua favela, desde que todas as ordens do Rangel sejam obedecidas.

Um tempo depois que nós já estávamos ali, eu rolei os olhos pelo local e parei na garota sentada observando as crianças brincarem na caixa de areia. Eu não me lembrava de alguma vez ter trombado com ela por aqui e devo confessar que sua beleza é indiscutível.

Não sei quanto tempo eu a observo, mas já pude notar o quão simpática ela é com as outras pessoas. Ela falou com uma menina que não tem mais de cinco anos e foi até a lojinha de açaí. Não demorou muito para ela voltar e se sentar no banco novamente. Eu não conseguia entender porque ela me chamava tanto a atenção.

Perto das cinco da tarde ela chamou a menina e as duas saíram da pracinha. Eu não pensei duas vezes antes de ir atrás delas. Eu não iria chegar nela, não por enquanto, só queria saber para onde elas iriam, onde ela morava talvez. A casa onde elas entraram não era muito grande, mas era melhor que a da maioria dos outros moradores. Com certeza alguém que morava ali era envolvido. O namorado ou marido dela talvez? Será que a menina era sua filha? Eu não fazia idéia do porque aquilo me interessava, mas eu ia descobrir quem ela era.

Depois de saber que a garota morava na rua 12, eu voltei até a principal e fui para casa. Hoje era dia de baile e eu queria descansar um pouco antes de subir para quadra. A semana não foi nada fácil, a boca exigia muito e em casa eu tinha um filho que eu tanto amava que precisava da minha atenção, sem contar o casamento péssimo que venho tento.

Ana e eu estamos juntos desde que eu tinha 18 anos. Ela foi minha primeira namorada e consequentemente é minha primeira esposa. Não somos casados legalmente, ela só veio morar comigo quando ficou grávida do kauê. Não sei se os sentimos mudaram, mas eu não sinto mais a mesma atração de antes por ela, fazendo com que eu me afaste dela e isso acaba virando motivo para ela sempre querer brigar comigo.

Eu sou muito estourado e sempre que a gente briga eu perco a cabeça e aí, para não bater nela na frente do meu filho, eu saio e acabo ingerindo drogas ou transando com uma puta qualquer. Penso que meu filho não merece viver em um ambiente onde tem briga toda hora, não é bom para o desenvolvido dele. Por isso eu evito ficar em casa quando ela começa com os piti dela.

- Papai - Kauê grita quando me vê entrando em casa e se joga em meus braços
- Fala aí garotão - faço cócegas em sua barriga e o coloco no chão, o mesmo corre para o tapete voltando a brincar - Tudo bem por aqui? - pergunto para Ana Paula que estava sentada no tapete da sala brincando com ele
- Aham - ela responde sem me olhar

Meu amor tão erradoOnde histórias criam vida. Descubra agora