IX

432 46 26
                                    

Maria Eduarda

Vitor e eu tínhamos perdido completamente a noção do tempo. Depois da noite incrível que tivemos, eu dormia tranquilamente aconchegada em seus braços. Estava em um sono tão pesado que não tinha mesmo ouvido o celular dele tocar. Quando ele disse que Ana havia ligado, confesso que o ciúme me atingiu, afinal eles são casados, ela podia ter ligado para saber do marido. Desde quando ele arrumou essa casa para nós dois, nunca tínhamos passado tanto assim do horário. Ele sempre me deixava perto de casa, na viela de sempre, antes mesmo do sol nascer. Talvez isso seja resultado da noite passada ou então somos dois irresponsáveis mesmo.

Quando o Vini chegou eu estava na porta o esperando. Antes que eu fechasse a porta ele pediu para eu pegar os presentes que havia ganhado, fiz o que ele pediu, tranquei a casa e fui em sua direção.
- Bom dia - beijei seu rosto - Por que precisei pegar meus presentes?
- Bom dia - pegou a sacola com os presentes da minha mão - Eu disse para mãe que seus colegas da escola fariam uma festa surpresa para tu - me entregou o capacete - Depois quando vi que tu não ia voltar para dormir em casa eu sai só para ela acreditar em mim - o olhei confusa
- O que disse para ela?
- Que tinha trombado com tu na rua e que cê tinha me dito que a festa ia rolar até mais tarde e tu ia dormir fora
- E ela acreditou?
- Parece que sim - deu de ombros - Eu disse que tu tava na rua porque seu celular tinha descarregado e tu tava indo lá em casa avisar ela, mas como encontrou comigo no caminho, mandou o recado por mim - piscou
- Quando foi que você aprendeu a mentir tão bem?
- Ih ala, não conta para mãe, mas tenho experiência, tu acha mesmo que eu tinha aquela porrada de trabalho de escola quando era pequeno?
- Você não vale nada Vinicius - bati em seu ombro
- Estamos no mesmo barco maninha, tu também tá mentindo para ela
- Mas é por uma boa causa - me defendi
- Jogar bola com os amigos também é uma boa causa quando se tem nove anos - nós rimos
- Vamos logo para casa porque eu ainda preciso cuidar da Laura - subi em sua moto

Ele nem sequer desceu da moto, só me entregou a sacola de volta e acelerou para sei lá onde. Respirei fundo antes de entrar em casa. Quando passei pela porta vi Laura sentada no sofá assistindo desenho.
- Bom dia minha princesa - Beijei seu cabelo
- Bom dia tia - ela sorriu para mim - Onde você estava tia?
- A tia estava com uns amigos, eles fizeram uma festa surpresa pra mim, sabia?
- Não, ninguém me contou nada tia - ela carregava um olhar curioso - Como é uma festa surpresa?

(...)

Depois de tentar explicar a ela o que é uma festa surpresa e também depois de mostrar todos os meus presentes, eu pude finalmente ir ver minha mãe. Ela estava no pequeno quintal, nos fundos da casa, lavando roupa.
- Oi mãe - ela me olhou
- Oi querida - veio até mim e me abraçou - Como foi a festinha ontem?
- Foi bem legal mãe - sorri me lembrando - Eles capricharam
- Que bom que gostou - ela sorriu
- Desculpa por ter chegado só agora, meu celular descarregou e eu acabei perdendo a hora
- Tudo bem filha, o que importa para mim é que você está bem e feliz - sorri e lhe dei um abraço apertado.

Como eu queria poder contar do Vitinho para minha mãe. Dizer a ela o quanto estava apaixonada. O quanto estava feliz. Eu não me sinto bem mentindo para ela dessa forma, mas entendo que não há outro jeito. Eu já sabia que minha relação com o Vitor seria restrita no momento em que aceitei fazer parte dessa loucura. Loucura sim, o que estamos fazendo é errado. Vitor é casado e eu posso pagar um preço muito alto por ter me apaixonado por ele. Mas eu prefiro não pensar nas consequências. Eu sei que um dia elas virão, é inevitável, mas eu não quero me preocupar com elas agora. Quero me concentrar no Vitor, nos nossos momentos juntos, na nossa felicidade, no presente. Eu não posso mudar o passado nem, muito menos, saber o que vai ser do nosso futuro, mas eu posso fazer valer o presente. E é isso que eu farei. Se vamos correr riscos, que seja por algo bom, um relacionamento saudável no mínimo.

(...)

O dia passou rápido. Como hoje é sábado, Laura fica comigo somente até a hora do almoço. Eu não fiz nada a tarde toda, o que não é nenhuma novidade. Não veria o Vitor hoje, para falar a verdade nós nem nos falamos depois que ele foi para casa hoje de manhã. Devia ser umas sete e meia, por causa do horário de verão o sol ainda iluminava o céu. Minha mãe foi para casa de uma amiga na Grota, parece que a mulher está doente e minha mãe foi ajudá-la. Por se tratar de outra comunidade um pouco longe daqui, mesmo que dentro do complexo, minha mãe não voltaria para casa essa noite. Vinicius não havia chegado, ainda estava no seu turno na boca ou arrumou um rabo de saia pelo caminho. Sento na cama entediada e lembro que tinha dez reais na minha bolsa que sobraram do lanche essa semana. Me levanto, tomo um banho, me arrumo toda plena, tiro uma foto, posto no Instagram, tranco a casa e saio rumo a lanchonete da rua de trás para poder comprar um açaí gostosinho para mim.

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.


Depois de comer meu açaí, descidi voltar para casa. Eu daria uma volta pela comunidade, mas logo logo o sol se põe e não pega bem andar pela favela a noite. Subo a rua da lanchonete e viro para viela da direita, a mesma em que Vitor me deixa depois de nosso encontros. Já estava quase virando a esquerda para descer a rua da minha casa, quando um choro me fez parar abruptamente. Viro-me para as latas de lixo que tenham ali e manti meus olhos atentos. O choro era fininho, como se um recém nascido estivesse por perto. Me aproximei das latas de lixo e comecei a procurar. Tirei um saco preto leve de cima de umas caixas que estavam no chão, foi quando eu o vi. Pequeno e enrolado em uma manta azul, o bebê chorava. Sem pensar duas vezes eu o peguei no colo com cuidado. Olhei ao redor e não vi ninguém. Colei o pequeno ao meu corpo e fui imediatamente para casa.

Abri a porta toda atrapalhada por causa do bebê. Me sentei no sofá e o deitei sobre minhas pernas. Com cuidado tirei a manta que envolvia seu corpinho. Ele vestia um macacão branco com detalhes em azul. Acho que a manta e a roupa eram sinais de que se trava de um menino. Abri sua roupinha e sua fralda para me certificar e sim, era um meninão. Ajeitei ele de volta e o encarei. O que eu faria agora? Ele ja estava mais calmo, o segurei com cuidado e quando juntei a manta para ir para o meu quarto, um papel caiu ao chão. Fui para o quarto, coloquei ele deitadinho no meio da cama e voltei para sala pegar o papel. Peguei o mesmo e voltei depressa para o quarto. Me sentei ao seu lado abrindo o papel, nele só havia uma data, 15/01/2018. O bebê ao meu lado tinha pouco mais de um mês de vida. Não sabia quem havia cometido tamanha crueldade com ele. Não queria saber dos motivos que levaram alguém a cometer tal ato. Dentro de mim eu só tinha uma certeza, eu cuidaria dessa coisa fofa. Darei todo amor e carinho do mundo. Protegerei e cuidarei como se tivesse sido gerado dentro de mim. Eu não fazia ideia do que eu precisava fazer, não tinha noção de como ser mãe. Mas sabia por onde precisava começar. Eu precisava conversar com uma pessoa e saber se ela estava disposta, tanto quanto eu, a dar uma família para esse bebê.

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.
Meu amor tão erradoOnde histórias criam vida. Descubra agora