Vitinho
A manhã naquele hospital foi tensa, mas no fim deu tudo certo. Kauê só estava com uma virose e tomando os remédios certos, na hora certa, ele estaria melhor dentro de uma semana. O doutor assinou a alta do moleque quase uma da tarde e nós fomos para casa varados de fome.
A Marta, nossa empregada, já nos esperava com a mesa do almoço pronta. Ana Paula avisou que iria subir e dar um banho no Kauê antes dele comer, assenti e fui almoçar. Depois que todos já haviam almoçado, fui para sala brincar um pouco com meu filho e a Ana subiu para descansar.
Passei a tarde toda com o Kauê. Não tinha sensação melhor do que ver o sorriso no rosto dele. Era uma coisa única e que eu iria lutar dias e noites para que estivesse sempre com ele.
Eu só notei que tinha escurecido quando a Marta avisou que o jantar estava servido. Deixei o Kauê com ela e subi para acordar a Ana. Quando entrei em seu quarto, ouvi barulho do chuveiro. Se fosse em outros tempos eu entraria lá, mas agora não. Esse não é mais um desejo que faz parte de mim.
Esperei ela sentado na poltrona que ficava no canto do quarto. Confesso que cheguei a lembrar dos nossos momentos aqui. Mesmo nunca amando ela, eu fui feliz em diversos momentos.
Saio dos meus pensamentos com a Ana saindo do banheiro enrolada apenas na toalha. Ela me olha e sorri. Não consigo retribuir. Me levanto e desvio meu olhar do seu.
- Tá aí a muito tempo? - ele pergunta
- Não, acabei de subir - fui para porta - Só vim te avisar que o jantar já foi servido
- Já estou descendo - ela voltou a sorrir, eu dei um leve sorriso de canto e sai dali.Cheguei na cozinha e Marta já estava acabando de dar a comida do Kauê. Me servi e sentei para comer. Ana desceu e se juntou a nós. Depois do jantar, Marta subiu com o kauê e Ana me chamou para uma conversa. Fiquei apreensivo, nós não tínhamos o que conversar. No sofá, nós nos sentamos frente a frente e ela começou a falar.
- Já tem algumas semanas que eu quero ter essa conversa contigo, mas você raramente fica em casa - ela parece triste
- O que quer me falar?
- Quando essa fase vai passar? - ela me olhou
- Tá falando do que? - devolvi o olhar confuso
- Dessa situação em que a gente se meteu sem ao menos perceber. Você sabe que nosso relacionamento é feito de fases, no começo nós nos odiavamos, depois começamos a nós aproximar, quando eu engravidei e vim morar contigo, estávamos completamente apaixonados, depois vieram as brigas, os desentendimentos e nós nos afastamos de novo, ficamos um bom tempo entre tapas e beijos e de repente voltamos a estaca zero - ela disse tudo de uma vez
- As coisas mudam conforme o tempo - dei de ombros
- Não sem um motivo Vitor. Antes você me procurava, dava mais atenção para sua família. Agora você mal para em casa. O que está acontecendo?
- Eu estou me preparando para assumir o morro, você sabe. Minhas responsabilidades dobraram, ainda mais depois que meu pai viajou
- Seu pai viajou a dois dias Vitor, não vem com essa para o meu lado. Você sempre teve suas responsabilidades na boca e nem por isso você abandonava sua família
- Eu não abandonei ninguém não, por acaso falta alguma coisa para vocês?
- Falta Vitor - ela se exaltou - Falta você. Eu sinto falta do meu marido
- Corta essa Ana Paula, a gente deixou de ser marido e mulher a um bom tempo
- Justamente por isso que eu te pergunto, quando essa fase vai passar e nós voltaremos a ser um casal de verdade?Eu encarava seus olhos marejados e suplicantes. O que eu faria? Eu não podia negar isso a ela. Para qualquer um ela era a minha mulher, eu precisava manter isso se quisesse manter vivo quem eu amo. Mas eu não conseguia mais, não quando eu tinha encontrado a Maria Eduarda que era tudo o que eu queria ter por perto.
- Vitor? - ela chama minha atenção - Tá pensando em que?
- Em nada - tentei fugir
- Depois de tudo o que te disse você ainda é capaz de dizer que não pensa em nada?
- Quer que eu minta?
- Não, mas sei que tu nunca vai me dizer a verdade
- Que verdade? Do que cê tá falando?
- Da outra que você arrumou - engoli seco - Eu sei que você nunca vai admitir e muito menos me dizer quem é a guria
- Não tem outra. Tá ficando maluca?
- Eu sou mulher Vitor e mulher sente quando tem outra no caminho
- Sinto te informar, mas você sentiu errado então - eu não podia confirmar isso para ela
- Você não me engana Vitor - ela se levantou - Eu posso não saber quem ela é, mas eu sei que ela existe e uma hora a gente vai se encontrarEla subiu e eu fui atrás logicamente. O que ela queria dizer com "a gente vai se encontrar"? Isso teria sido uma ameaça?
- Volta aqui que nós ainda não terminamos - entrei atrás dela no quarto - Aquilo lá embaixo foi uma ameaça?
- Entenda como preferir - ela arruma a cama para se deitar
- Escuta aqui - fui até ela e segurei firme seu braço - Não ouse me ameaçar de novo, você não sabe do que eu sou capaz
- Então você admite que tem outra? - ela me olha com ironia - Porque só isso explica esse seu nervosismo
- Você tá ficando louca, isso sim - soltei seu braço
- Pode até ser Vitor, mas não se esqueça de quem eu sou filha - colocou o dedo na minha cara - Seja lá o que você estiver fazendo fora daqui, lembra que pode custar muito caro para você
- Não esqueça, você também, que a guerra cobra todo mundo - devolvi o dedo na cara dela - Se ficar caro para mim, pode apostar que vai ficar para o teu pai também
- Tá me ameaçando? - seu olhar agora tinha medo
- Entenda como preferir - devolvi sua resposta sarcástica - Só te dou um aviso, eu não tenho medo do seu pai, se uma guerra começar por sua causa, ela vai sair cara para todo mundo. Anota o que eu tô te falandoLancei meu olhar mais intimidador e sai dali. Eu sabia que essa minha reação tinha dado a ela a confirmação de que eu tinha outra, mas agora eu precisava colocar minha cabeça no lugar e pensar em uma reação o mais rápido possível. Ana Paula não podia, em hipótese alguma, chegar na Maria Eduarda. Ela faria um escândalo e com certeza prejudicaria a Duda. Sem contar que ela iria correndo contar para o pai e aí meu irmão, está feita a merda.
Eu não menti quando disse que não tinha medo dele, eu realmente não tenho. A questão é que eu não sou ninguém para comprar uma briga tão grande assim com ele. Meu padrinho me mataria caso isso acontecesse. Uma guerra entre Complexo do alemão e Favela da rocinha, é tudo que o Rangel não quer nesse momento.
Eu sabia que mais cedo ou mais tarde seria cobrado por ter me apaixonado por outra garota, só não imaginei que ficaria tão sem reação. A Maria é muito importante para mim, eu amo aquela menina. Em contrapartida, manter o acordo de paz também é importante. Eu não posso abrir mão desse acordo e não quero abrir mão da mulher que eu amo. Mas nesse momento eu preciso ser imparcial e realista.
Uma guerra agora colocaria todo mundo em risco, inclusive ela. Abrir mão do nosso relacionamento me faria mal, assim como mexeria com ela, mas seria o menor dos estragos. Antes dois corações partidos do que mortos, não é mesmo? Maria Eduarda que me perdoe, mas eu não tenho outra escolha. É matar ou morrer e infelizmente eu não tenho condições para matar.
Uma fotinha do nosso galã sorrindo para vocês. 😍❤
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Meu amor tão errado
Teen FictionMaria Eduarda é uma garota comum de 17 anos. Moradora da Nova Brasília no Complexo do Alemão, a menina cresceu sendo criada pela mãe e pelo irmão mais velho, seu pai era envolvido com o tráfico e morreu durante um confronto. 14 anos depois Madu conv...