Era o início do verão, uma fatia de lua pairava no céu estrelado. A noite estava quente e pegajosa, todos os insetos pareciam estar em festa. Na cidade a maioria das luzes estavam acesas, as ruas repletas de pessoas e músicas animadas ecoavam de todos os cantos. Porém na rodovia 41, que ia em direção a saída da cidade não havia festa ou qualquer esboço de felicidade. O destino havia construído aquele momento, uma série de fatores que se alinharam, resultando naquela tragédia, que traria consequências, como tudo na vida.
Lenore oscilava entre a consciência e a inconsciência, sua vista estava embaçada, todo seu corpo doía. Do quadril para cima havia atravessado o para-brisa do carro, alguns cacos de vidro não só a haviam cortado, como decidiram ficar lá, espetados, abrindo pequenos córregos vermelhos. O sangue ia timidamente manchando aquela cena horrível. Ela tateava as mãos pelos cacos de vidro, tentando se firmar, para conseguir sair dali, mas não encontrava forças para isso, nem conseguia ter certeza, que estava de fato, mexendo qualquer músculo. O cheiro do seu sangue misturado ao suor a estava deixando enjoada, tentou gritar por socorro, mas algo bloqueava sua garganta.
Parecia ter passado horas, quando desistiu de lutar contra o torpor que sentia, se entregou a ele, como alguém sento tragado para o fundo do mar. Ao fundo sirenes soavam.
Os olhos de Lenore se abriam com dificuldade, tinha tanta luz que, ela mal conseguia distinguir as formas a sua volta, seu corpo todo estava dormente e pelo desconforto que sentia na garganta, podia jurar que tinha comido areia. Já fizera isso quando criança, e a sensação era a mesma. Mas nada se comparava a dor que sentia na cabeça, parecia que tinha um bloco de concreto a pressionando, pressionando todo o seu corpo.
— Lenore! Rápido Marco, ela acordou! — Ouviu sua mãe, mas ela parecia estar muito distante.
— Mã...Mãã.... — Não conseguia fazer com que as palavras saíssem.
— Sou eu filha, estou aqui. — Apertou a mão de Lenore, para comprovar. — Não se preocupe, a enfermeira já está aqui, ela vai fazer a dor passar.
Ana não lembrava a última vez que havia dormido em algo mais confortável, do que a cadeira dobrável, ao lado da cama da filha. Seus olhos tinham olheiras escuras, a pele estava pálida e o cabelo estava preso em um coque desajeitado. Seu marido estava em estado semelhante, quando entrou correndo no quarto. Eles se olharam aliviados, até aquele momento, nada era mais importante do que saber que a filha estava bem. Fazia cinco dias que ela estava em coma, os cinco dias mais longos que já tiveram nos seus 22 anos de casamento.
— Lenore, consegue me ouvir? Me chamo Mary. Vamos ver como você está. — Disse a enfermeira, examinando as pupilas e os batimentos cardíacos.
— Si...ii...im. — Sentia a areia arranhar mais, a cada tentativa.
— Eu sei que está difícil falar, e que você está sentindo muita dor, mas consegue se lembrar do que aconteceu? Você ficou em coma. Balance a cabeça se estiver entendendo.
Mas Lenore não balançou a cabeça. Ela estava escutando, mas aquelas palavras não tinham significado. Tentava ao máximo conectá-las com suas lembranças, mas era como lembrar de um sonho, as imagens não chegam, e quanto mais você se esforça, mais a tela vai se apagando. Mesmo assim Lenore continuou insistindo, precisava lembrar, queria lembrar, saber o que tinha acontecido. Que sensação horrível, acordar em um hospital, completamente dolorida, sem lembrar de nada. Lágrimas de frustação surgiam, e chorar provocava mais dor. Ela nunca havia sentido tanta dor, mas também, nunca se acidentara de carro. Com um estalo, as imagens surgiram em flashes, a briga com os pais, a traição de Lucas, a estrada, o cheiro de sangue, até que o quadro ficou completo. Nesse momento o coração de Lenore disparou, ela tentava se levantar, mas estava sob o efeito de muitos remédios, tudo o que conseguiu foi fazer seu corpo pender para um lado da cama. Onde dois pares de mão a colocaram deitada, de volta.
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Nebulosa Caio
RomanceA forma como Lenore via o mundo mudou após o acidente de carro, ou será que foi depois de conhecer Caio? Um jovem cego, engraçado e com um sorriso de tiranossauro, que a fazia se sentir inteira novamente.