Capítulo 12

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O corpo de Lenore parecia pesar toneladas, ela sentia que ia vomitar a qualquer momento. A distância de poucos metros entre ela e a loja, parecia se estender ao infinito.

Era uma loja de ferramentas e todo tipo de coisas para jardim, Daniel herdara a loja de seu pai, alguns anos atrás e trabalhava lá desde então. Ela o vira entrar a menos de cinco minutos, e agora estava lá, caminhando para o momento mais difícil que já tivera na vida. Caio queria acompanhá-la, mas ela não o deixou, queria o apoio dele, mas sabia que deveria estar sozinha. Como os segundos que antecedem um salto de bungee jump, ela contou até três, respirou fundo, empurrou a porta de vidro, e ouviu uma sineta anunciando sua chegada.

­— Posso ajudar? — Perguntou Daniel dentro de um corredor.

Lenore gelou, teve vontade de sair correndo, mas só respondeu que estava dando uma olhada. E começou a caminhar para o mais longe de Daniel, fingindo olhar cada modelo de chave de fenda com extremo cuidado. Tinha sido uma péssima ideia ir ali, ainda não estava pronta, e provavelmente nunca estaria. Como dizer que tinha sido ela, como puxar uma conversa casual e de repente soltar "Fui eu que te atropelei". Enquanto sua mente procurava alguma forma de dizer o indizível, escutou a cadeira de rodas se aproximando.

— Olha, elas nem tem muita diferença. — Ele falou dirigindo o olhar para as chaves.

Daniel era um homem com 32 anos, de cabelos escuros e olhos parados. Estava casado a cinco anos, e a dois tinha sido presenteado com uma linda filha. Sua vida toda mudara depois do acidente, tinha emagrecido 10 quilos e perdido muito de sua vitalidade, a verdade é que quase entrara em depressão. Em um momento está tudo bem, e no outro você não caminha mais.

— Moça? — Daniel falou, já que Lenore permanecia com os olhos vidrados em algo que não estava ali. — Você está bem?

— Fui eu. — Falou inexpressiva, ainda fitando o vazio.

— O que?

— Fui eu, eu que te atropelei. É tudo minha culpa.

Por um longo momento ninguém falou nada.

— Eu não posso expressar o quanto eu sinto pelo que fiz a você e nem todas as desculpas do mundo serão suficientes. Mas eu precisava contar. Você pode fazer o que quiser comigo, eu mereço. — Lenore olhava para ele, mas não conseguia ler sua expressão, e conforme ia falando se sentia mais sufocada, como se cada palavra estivesse roubando seu ar. — Por favor, diga alguma coisa, me bata, acho que fará nós dois nos sentirmos melhor.

Daniel olhava para Lenore, os olhos marejados. Logo depois que saiu do hospital, estava com tanta raiva, gastou todos os recursos que pode para descobrir quem o havia atropelado. E agora estava ali a encarando. Não conseguia definir como se sentia. Uma coisa era imaginar aquele momento, mas era totalmente diferente quando acontecia.

— Eu estava bêbada e chapada, eu nem tenho carteira. — Lenore se perguntou o porquê de falar aquilo, não ajudava em nada, provavelmente piorava. Mas ele não falava nada, isso a estava enlouquecendo.

— Talvez seja machismo, mas sempre imaginei que fosse um homem e eu iria bater muito nele. — Falou olhando para Lenore.

— O quê? — Dentre todas as reações que ele poderia ter, aquela era uma que ela nunca cogitou.

— Seu namorado veio aqui a alguns dias. — Explicou.

— Caio? Como? Porque? — Nada fazia sentido.

— Nós tivemos uma longa conversa, ele entende o que eu passei e estou passando de muitas formas. Ele me contou sobre como você também ficou muito afetada, com o que aconteceu. Não vou mentir, eu te odiei muito, eu tinha tanta raiva, eu quase acabei com a minha família por isso.

As palavras atingiam Lenore com força, ela sentou no chão chorando e soluçando. Daniel colocou a mão em seu ombro, esse tremia.

— Mas eu não odeio mais. — Continuou. — Eu escolhi me apegar as coisas boas. E agora vendo você, é só uma criança, eu já fui assim e também fiz coisas ruins, coisas que machucaram os outros. Eu te perdoo, para que você possa seguir em frente, mas principalmente, para que eu possa.

Lenore não conseguia assimilar aquilo, parecia um sonho. Ela se sentia distante de toda aquela cena. Esperava por alguma forma de castigo, porque achava merecer um, mas não estava preparada para compreensão e principalmente para o perdão.

— Você está bem? — Daniel perguntou afastando uma mecha de cabelo, que por causa das lágrimas haviam grudado no rosto de Lenore.

— Estou, eu acho, eu só não esperava por isso. Torna tudo pior, você é tão bom e eu... — Novas lágrimas a impediram de falar.

— Você me atropelou de propósito? — Lenore negou com a cabeça. — Se pudesse voltar no tempo faria a mesma coisa? — Outra negativa. — Então se apegue a isso, a quem você quer ser.

— Eu sinto muito. — Falou fechando as mãos ao redor da mão esquerda de Daniel.

— Eu sei. E está tudo bem. — Disse colocando a mão direita sobre as de Lenore. — Caio só não me disse o seu nome.

— Lenore.

— Prazer Lenore, eu sou Daniel.

— Eu sei.

— Como? — Perguntou levantando a sobrancelha.

Lenore lhe contou tudo, sobre o filho do delegado, sobre a amizade deste com seu pai e que por isso o nome dela nunca foi citado. Contou sobre o Instituto, sobre Caio e como este a havia mudado. Em troca Daniel lhe contou sobre sua família, sobre como o pai gostava da loja, de consertar coisas, mostrou uma foto da pequena Yasmin, vestida de girafa. Quando estava quase indo embora, Lenore lhe perguntou se podia vir mais vezes, se Daniel queria ajuda na loja, disse que trabalharia de graça. Ele apenas respondeu:

— Eu gostei de conhecer você Lenore, e realmente te perdoei. Mas acho que depois de tudo, não cabemos um na vida do outro, e é melhor que seja assim. Desejo que você seja feliz.

— Você tem razão, eu só esperava poder fazer mais.

— Está tudo bem... Adeus. — Disse apertando firme a mão da garota.

Ao sair pela porta, Lenore se sentia tão leve, como se pudesse flutuar. Pela primeira vez em muito tempo, tudo parecia no lugar certo. Correu para pegar um ônibus e chegar logo no Instituto. Queria dizer a Caio que o odiava por se meter na sua vida, e o amava pelo mesmo motivo.

Nebulosa CaioOnde histórias criam vida. Descubra agora