Capítulo 3

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— Você está maluco?! — Lenore gritava. — Podia ter se arrebentado todo, o que você merecia! O único problema é que seria minha culpa. Seu imbecil!

— Eu sinto muito. — Caio falou se sentando apoiado nos joelhos.

E realmente sentia, se sentia também muito idiota, ele tentara impressionar Lenore. Estavam no campo de futebol, e ele foi mostrar para ela que conseguia dar uma sequência, de 25 saltos mortais. Mas depois do décimo, fez uma curva que o estava levando diretamente para as árvores, que ladeavam o campo. Lenore temendo que ele fosse de encontro a uma delas, como nos desenhos animados, correu e tentou gritar para ele parar, mas ele continuava. Por isso ela se jogou em cima dele, e caíram os dois. Caio queria mostrar que apesar de não enxergar, havia coisas que sabia fazer muito bem, mas, a única coisa que conseguiu provar, com aquela exibição patética, era que sua falta de visão o deixa vulnerável.

— Eu sinto muito mesmo.

— Tudo bem, e se quer saber, até eu precisar te salvar, você foi incrível. — Falou se sentando ao lado dele. — Eu mal consigo dar uma cambalhota, você já tinha passado do décimo segundo mortal quando parei de contar.

— Não está dizendo isso para eu me sentir melhor?

— Eu não ligo para o seu ego. — Falou dando um tapa de leve no braço dele.

— Falando dessa forma, eu acredito em você. — Ela realmente não parecia ser o tipo de pessoa que tenta fazer os outros se sentirem melhor. Está mais para a pessoa do "eu te avisei".

— Você sempre foi cego? — Lenore mudou de assunto, já que ele ainda estava meio amuado com o que tinha acontecido.

— Não, eu perdi totalmente minha visão com 11 anos, mas ela começou a se deteriorar quando eu tinha 8. É uma doença genética, meu pai também tinha. — Falou inexpressivo, já tinha dito aquilo tantas vezes, que não lhe provocava mais nenhuma sensação.

— O que você acha que é pior, nascer cego ou ficar cego?

Para aquela pergunta ele não estava preparado, não lembrava de já o terem feito. Geralmente as pessoas querem saber coisas sobre a cegueira, mas ficam com receio de perguntarem. Lenore aparentemente não tinha esse problema.

— Eu não sei, sinceramente fico feliz por já ter enxergado. — A nostalgia atingiu seu tom de voz. — Lembro que eu amava olhar por horas o céu, pensando em como o universo era incrível. Mas agora, eu mal me lembro das estrelas, com o tempo as memórias vão se apagando, e eu já nem tenho mais certeza se as coisas eram como as imagens que eu ainda vejo as vezes.

— Eu não imagino o quanto deve ser horrível. — Lenore se arrependera de ter perguntado e tê-lo feito pensar sobre aquilo.

— Eu me acostumei, minha mãe me deu muito apoio. Aprendi que é melhor ficar feliz com o que a gente tem, do que sentir raiva pelo que perdeu.

— E você é tipo Matthew Murdock? — Mais uma vez ela escolheu mudar de assunto, torcendo para que dessa vez a conversa fluísse num tom menos triste.

— Não, eu não saio pelo bairro lutando contra o crime. — Ele lembrou que sua mãe tinha comprado todas revistas do personagem e que ele nunca teve coragem de dizer que não gostava, que achava exagerado e bobo.

— Acredito que não haja muitos crimes nesse bairro, mas eu quis dizer sobre os sentidos e tal, você escutar que um alfinete caiu do outro lado da cidade, essas coisas.

— Não, só escuto se for uma agulha. — Falou em tom de deboche.

— Há há, o cegueta comediante, porque não entra para o stand up, ganharia dinheiro. Você é péssimo, mas as pessoas ficariam com pena.

Nebulosa CaioOnde histórias criam vida. Descubra agora