VI - O Capoeira

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A aula havia terminado mais cedo um pouco, a sala já estava voltando a ficar em silêncio, os últimos alunos saiam com suas mochilas pesadas de lições de casa. João e seu amigo Ricardo continuavam lá esperando o professor Jerônimo explicar que atividades entregues fora da data estipulada não serviriam para pontuação extra prometida.

— Mas professor... eu tive que viajar e não deu para vir a aula passada...

— Então, Ricardo, peça a seus pais para entrarem em contato comigo e veremos isso – falou o professor, nitidamente fingindo acreditar.

— Eu não pude sair de casa o resto da semana depois da fuga.

—Compreendo João, porém não posso ser injusto com quem entregou na data – dessa vez um pouco menos irônico. – Bem, tenho que ir. Boa tarde meninos e bom almoço.

—Boa tarde, professor – responderam em coro quase sem abrir a boca.

—Não acredito que vou ficar sem essa nota, como vou passar em matemática? – Murmurou João.

Caminharam alguns passos atrás do professor que seguia imponente após sua negação cruel.

—Relaxa, o professor é "gente boa" só quem reprovou nele o ano passado foi Walisson. – consolou Ricardo.

—O skatista?

—Sim... – reafirmou o jovem sob o boné vermelho que pressionava os cabelos desgrenhados contra as orelhas.

O professor deteve-se em frente à porta de uma sala onde um outro homem, que os meninos não conheciam, o esperava com uma mão estendida e um sorriso no rosto para iniciar uma conversa.

Mesmo passando rapidamente por eles os meninos conseguiram perceber que o teor era o mesmo que pairava na maioria das conversas naqueles dias. "Não se sabe ainda onde esses homens estão", foi o que o homem loiro e alto falou ao Jerônimo, certamente falavam da fuga do presídio... mesmo sem nenhum evento de violência ter sido noticiado nos últimos dias, a população compartilhava um medo comum, e os bate-papos sempre começavam ou terminavam com esse assunto.

As pessoas saíram para comprar instrumentos e aparelhar as casas, a segurança foi reforçada nos dois bancos, lojas... tudo expelia um sentimento inoportuno de insegurança. Carlos chegou a comentar em aumentar o muro da frente de casa, mas algo não permitia, João sabia que a situação financeira não era das melhores, e talvez por isso essa semana inteira seu pai tenha ficado tão calado e pensativo, algo não estava legal com o ele...

—Será que estão mesmo matando os "caras" lá no presídio? – Perguntou Ricardo.

Ele com um dos pés sob o banco onde o amigo estava deitado olhando as folhas de uma das árvores em frente à escola tinha agora o pensamento longe e continuou:
—Meu pai diz que acha que estão fazendo isso, um primo do amigo dele lá da fábrica falou que já viu isso acontecer com um parente... João! Você tá me ouvindo?

—Sim, ainda estou pensando na nota de matemática... mas não acho isso verdade, quem seria tão maluco para fazer uma coisa dessas?

—Minha mãe disse que seria uma maldade, mas meu pai fala que isso pode acontecer pois ninguém mandou eles estarem lá, eles escolheram isso para eles... – e esperou João se posicionar.

—Não precisamos pensar como seu pai... Meu avô sempre fala que a gente não deve julgar ninguém pelo que já fez, "a vida é feita de escolhas, hoje escolho mal amanhã escolho menos mal"

O amigo analisou aquelas tantas palavras o olhando de lado porém interessado, e João continuou:

— talvez seja igual a sua nota em matemática, seus país te mandaram para a escola com seu primo mais velho, você viria se ele não te chamasse para jogar "Pac-man" no videogame dele... como vocês acharam que os professores não se importariam porque muita gente estava faltando aula naqueles dias, você tomou a decisão de não vir. Foi certa ou errada? – João continuava olhando as folhas farfalharem.

ATIAÎA  Sangue do Passado (DEGUSTAÇÃO).Onde histórias criam vida. Descubra agora