VII - Na Roda

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Os homens e as poucas mulheres que se encontravam na aula já tinham os corpos quentes e o suor refrescava parcialmente as peles brilhantes, pernas vestidas de branco faziam movimentos sincronizados, era belo de se ver. Os saltos, os golpes e os movimentos por mais simples que fossem impressionavam os olhos dos poucos espectadores que acompanhavam aquela dança coletiva coordenada pelos gritos do Mestre Biriba, o Macedo que Carlos conhecera logo após sua chegada na cidade anos atrás.

Os instrumentos estavam quietos largados de lado enquanto os tocadores aprimoravam suas máquinas de luta na primeira parte do treino. Mesmo com uma brisa constante que cortava o espaço e raspava braços e cabeças dos participantes, um cheiro de cansaço e adrenalina invadia o organismo de cada um ali.

Já iam mais de 40 minutos ininterruptos e Carlos acompanhava bem, demostrava boa forma, mesmo que em alguns movimentos mais exigentes não tenha conseguido todas as repetições.

Mestre Biriba gritou um código de comando parando o treino e liberou a turma para beber água, avisando que voltassem rápido para formarem A Roda.

Todos dispersaram rapidamente agarrando seus cantis com bastante desejo, alguns pegaram os instrumentos e começaram a ensaiar. Os menos sedentos foram voltando já fazendo um círculo e iniciaram a se preparar para o segundo momento. Era notável a sensação de apreensão, excitação e expectativa que aquele momento despertava nos praticantes. João em um canto conversava com Ricardo avistou seu pai se aproximar do amigo instrutor.

- Agora acho que não dou conta - disse Carlos ofegante ao se aproximar, mãos na cintura.

- Que nada, isso é charme. Estava olhando durante o treino, você andou praticando - contestou Biriba.

O homem segurava um grande berimbau e ensaiava algumas notas.

- Pai, o senhor vai entrar na roda, né?

João apareceu. O garganta e a regata molhadas de água vasada da boca.

- ...

- Claro que ele vai! - interceptou o Mestre sorridente. - hoje é briga de cachorro velho.

- Vamos ver se consigo passar uns dois minutos - sorriu levando a mão a cabeça.

- Simbora! - Com esse grito Biriba fez todos alunos correram para formar a roda.

O pandeiro, o atabaque, o agogô e mais um berimbau já tinham seus tocadores a postos para iniciarem. Macedo se posicionou no centro dos instrumentistas, a roda já formada, os olhos de todos atentos a ele. Um grito ecoou:

- Êêêê! - Nesse momento os instrumentos iniciaram sua peça, o berimbau do centro dando o ritmo seguido pelos demais.

João recebeu um aceno de Biriba, levantando, ligeiramente contornou a roda e se posicionou abaixado do Instrumento que o dono da aula segurava, com o peito sobre a coxa esquerda. Um moleque de pele escura e olhos grandes, de uns 15 anos, posicionou-se em frente a ele. A música iniciou deixando um rastro de arrepio na espinha do menino que antes de ir ao centro olhou seu pai de relance que o observava acompanhando a música batendo palmas como os demais.

Os dois meninos cumprimentaram-se tocando as palmas das mãos e em rodopios lentos embalados pelas vozes no espaço que repetiam um canto triste que Mestre Biriba entoava numa voz forte, chorosa mas imponente:

- Certa vez eu caminhava
sentindo um aperto no coração
Eu vi um menino chorando
com seu berimbau na mão

Perguntei pra o menino
O que foi que aconteceu
E o menino ainda chorando
Disse meu mestre morreu

Me sentei com o menino
e comecei a lhe explicar
que seu mestre ele partiu
foi pro céu com Deus morar

ATIAÎA  Sangue do Passado (DEGUSTAÇÃO).Onde histórias criam vida. Descubra agora