VIII- A Reunião

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João estava sentado no meio-fio da calçada esperando sua vez de entrar no jogo de futebol que os garotos da rua haviam montado em frente à sua casa, estava ali há alguns minutos e tudo que recebera foi um "espere aí, o time está formado", de um garoto que morava depois da esquina. Clara entretida à porta da vizinha, sentada no batente brincava com o gato amarelo que tinha o pelo ressaltado pela luz do sol poente que nessa época do ano caia bem no centro da rua e banhava todas as fachadas com uma cor digna de ser apreciada, mas ofuscante aos olhos mais sensíveis. Do lado oposto ao poente, mostrava-se ao longe o cume da serra. Altivo, imponente e naquele dia ensolarado se apresentava faceiro e sem nuvens para esconder sua coloração alaranjada pela estrela que adormecia no Oeste.

Os pés do menino inquietos, as mãos sob o queixo e os olhos vidrados no jogo só eram interrompidas vez por outra por um grito desejoso:

- Melhor começarmos outra partida!

- Só falta um gol pra terminar, calma aí! - respondia alguém de um dos dois times de três pirralhos, as vezes com um palavrão.

Clara levantou-se e veio até o meio-fio ter com o irmão, mas quando tocou sua cabeça, banhada pela luz que inundava a rua, um carro longo e preto acabou despertando a ira de todos os meninos.

- Droga! Agora é que não vou jogar mesmo... - bufou o menino moreno levantando-se e maldizendo o automóvel inoportuno que estacionou a sua direita, bem no centro do "estádio" onde o jogo acontecia. De lá dois homens vestindo roupas coloridas que pareciam tons de azul com detalhes amarelos descendo desde a gola até as laterais das calças. Estes homens pararam um ao lado de cada porta do carro, se olharam e começaram a fitar todos os meninos que ali estavam, paralisados daquele jeito, prendiam os moleques em um tipo de constrangimento pela mudez da cena. Um deles, o que estava ao lado da calçada, deu a volta no carro e chegando mais próximo do outro sussurrou algo que os fez olhar para um dos meninos, o outro deu dois toques com as costas da mão no braço do parceiro e arremessou um olhar para João, que desviou seu olhar dos homens tentando fingir que também não os observava, conduzindo os estranhos a também fazerem o mesmo. Terminaram o papo silencioso e foram bater na porta do Amauri que os recebeu olhando o movimento da rua, deu um "tchauzinho" para os meninos e entrou.

- Povo estranho...Vamos mudar os "gols" mais pra frente - sugeriu um garoto esquálido pingando de suor com uma camisa do flamengo amarrada na cabeça.

João em um pulo ficou de pé e rapidamente pegou os dois chinelos de borracha que marcavam as traves mais próximas ao automóvel e correu para realocá-las. Porém assim que organizou a nova arena sua mãe apareceu sobre a soleira chamando os dois filhos para o banho.

- Mas mãe!... Daqui a pouco entro! - disse o menino fazendo uma careta e dando um quase imperceptível chute no ar.

- Já pra dentro João, vou precisar pedir duas vezes? Ontem o senhor me falou a mesma coisa e só tomou banho quando já tinha anoitecido. Clarinha, solte esse gato e venha também! - A menina correu e passou pela porta com um sorriso matreiro perguntando se poderia comer broa de milho após o banho, sua mãe deu-lhe um tapa no bumbum e sorriu de volta conduzindo-a para dentro deixando a porta aberta.

O menino ainda no meio da rua deu uma olhada por cima do ombro e ao ver a porta ainda aberta e entendendo aquele sinal, suspirou descontente deu meia volta e sem se despedir rumou para dentro.

Antes que chegasse à calçada dois veículos chegaram e estacionaram um a frente e outro atrás do carro preto. Do primeiro, um casal com roupas elegantes saiu e logo entrou na casa anunciados pelos latidos de Duque, do segundo, um homem alto e magro com um chapeuzinho esquisito na cabeça também fitou todos os meninos e entrou na casa. O garoto convidado a banhar-se, acompanhou tudo da porta de casa e logo depois foi cumprir sua obrigação.

ATIAÎA  Sangue do Passado (DEGUSTAÇÃO).Onde histórias criam vida. Descubra agora